Sentei-me na parte externa do campus da faculdade. O sol estava ardente e ninguém ficava ali em dias como aqueles. Exceto eu. Ali era onde eu me escondia; apenas eu, minha consciência e meus demônios pessoais, me torturando a cada mísero segundo, apresentando meu fracasso diante dos meus olhos. Um espetáculo cruel e doloroso, do qual eu não podia fugir, nem desviar o olhar.
Há quem diga que o maior inimigo do homem é o próprio homem... Eu poderia afirmar que é a mais absoluta verdade.
Eu era o meu maior problema, e fugir de mim era meu mais ardente desejo. Quanto mais tempo passava sozinha, mais os meus demônios me consumiam. Havia o demônio da insuficiência, o da tristeza, o da feiura, e o mais terrível de todos: o da morte. Cada um em sua mais completa funcionalidade, sugando minhas energias dia após dia, me puxando para um abismo de loucura e desespero. Morrer poderia ter sido um presente para mim no começo daquele ano, se não fosse por Pablo. Ele tirou trinta por cento de toda aquela dor, se eu pudesse medir matematicamente. Com ele por perto o espetáculo dava uma pausa, fechava as cortinas e os demônios se escondiam na coxia, no profundo do meu inconsciente. Mas depois eles voltavam, com mais frequência ao anoitecer. O travesseiro era seu melhor palco; o preferido.
Mas eu conseguia, pelo menos boa parte do dia, não pensar na merda que eu era.
Mantendo os sorrisos, mantendo sempre os sorrisos. Apesar de toda a dor, eu os colocava em meu rosto. Modo automático, tudo era em modo automático.
Um dia péssimo na faculdade, piadas aqui e ali, olhares zombeteiros? Sorria, miserável, sorria! Ninguém se importa com a droga da sua dor.- um deles sussurrava e os demais riam.
— E aí, gata?— Pablo se sentou ao meu lado, fazendo a voz silenciar, juntamente com as risadas.
— Oi.— Dei um sorriso de lábios.
— Trouxe isso para você.— Ele me estendeu uma lata de refrigerante.
— Obrigada...— Murmurei, bebericando o líquido.
— Ah, que cara é essa? Olha esse dia, que incrível! Aproveita, linda.— Eu gostava quando ele me elogiava, mesmo sabendo que não era verdade. Eu não era uma Emilia Clark da vida, ou qualquer coisa que se destacasse, ou chamasse atenção, na verdade, eu não poderia nem me encaixar na categoria do "dá pro gasto". Eu era o que me intitularam na sexta série, um resto de aborto. Pode parecer uma coisa muito pesada, mas depois que você aceita que é verdade, se torna parte de você; dói, mas é você, e não pode fugir disso.
— É a minha cara de sempre, Pablo.— Tentei alargar mais um pouco o sorriso.
— Podemos passear amanhã, o que acha? Só eu e você... Posso te levar naquela sorveteria que gosta.— Ele sorriu, sentando-se à minha frente, brincando com meus dedos, fazendo uma careta engraçada.
— Tá bom...— Sorri, dessa vez de verdade. Pablo conseguia fazer isso, me animar em poucos segundos. Eu sabia que a tarde seria muito boa, porque eu passaria com ele; meu refúgio para aqueles dias tristes, quem me fazia sentir vontade de levantar da cama e enfrentar mais uma batalha.
Eu não tinha amigos, apenas colegas que me procuravam quando precisavam de favores. E eu os fazia, eram agressores a menos para praticarem bullying comigo; me garantia um pouquinho mais de paz.
Não posso negar que já havia pensado em abrir um processo contra todos. Mas imagina a cena: a feiosa lutando contra um campus praticamente inteiro, gerando uma revolta enorme. Eu seria esmagada por todos eles, sem contar o dinheiro para um advogado, que minha família não tinha.
Os amigos de Pablo também não gostavam de mim, principalmente as meninas, Elisa e Mariana. Eram as mais populares da universidade, esse era o grupo no qual meu namorado se encaixava. Eu não conseguia compreender porque ele se interessara por mim, mas eu o amava, e era recíproco, pelo menos uma coisa eu poderia ter o prazer de vivenciar.
— A sua aula começa em três minutos, não é?— Ele olhou para a tela do celular de última geração.
Realidades diferentes, eu também pensava sobre. Eu era a bolsista, sem dinheiro para um burrito sequer. Celular, o que era isso? Ralava na floricultura da dona Darci para gastar meu salário pagando as contas de casa, não que eu me arrependesse de ajudar meu pais, jamais! Mas eu não conseguia investir nada em mim, a não ser o dinheiro para o ônibus. E o Pablo, o Pablo era um homem rico; celular do mais caro, dinheiro para tudo, grupo dos populares, e eu nem grupo tinha. Essa palhaçada de grupo me irritava também, mas ou você se encaixava em um, ou não era nada. Eu só queria fugir um pouco de toda aquela neblina que me envolvia, aquela onda de tristeza. Mas a vida social que eu NÃO tinha, só contribuía para uma piora.
Para quem vê de fora, é besteira, ainda mais quando já se tem vinte e dois anos, mas quem sofre com rejeição desde cedo, quem cresceu ouvindo que não é suficiente, com cada mínimo defeito sendo apontado, a busca pela aceitação é uma luta sem fim. Tentar se adaptar ao que as pessoas querem que você seja, dói. Ainda mais quando não se obtém êxito.
Balancei a cabeça tentando afastar os pensamentos negativos. Ele me encarava, com um sorriso suave nos lábios. Sorri de volta. Era por conta desse sorriso que eu conseguia acreditar que nosso amor daria certo apesar de tudo. Me passava segurança.
— É melhor eu ir logo.— Me levantei e ele encostou os lábios nos meus rapidamente. Não pude deixar de notar algumas pessoas olhando em nossa direção, com sorrisos zombeteiros no rosto, como sempre faziam. Mas eu fingi, mais uma vez, estar tudo bem.
Pablo não merecia que eu ficasse reclamando das atitudes de outros por conta da minha esquisitice evidente, ele gostava de mim, e isso não era uma coisa que aconteceria facilmente de novo. Faria de tudo por aquele relacionamento. Quer dizer, eu estava finalmente sendo amada; mesmo que não chegasse nem aos pés de um homem lindo como Pablo, mesmo sem ter nada de interessante. Eu procurava tanto por um pouquinho de carinho... e finalmente havia conseguido. Não estragaria isso de forma alguma, mesmo com todas as humilhações que seus amigos me faziam passar.
Deixei-o na mesa onde estávamos e caminhei o mais rápido possível para a sala. Sentei no fundão, na última fileira da esquerda para a direita, o lado da parede, como foi a minha vida toda.
Assisti a aula em silêncio, tensa a todo momento, com medo do professor me direcionar perguntas. Mas ele não o fez, não dessa vez. O que foi de grande alívio, pois sempre que eu tentava responder, a voz não saía. Mais vergonha para a minha preciosa coleção.
A aula, que era a última, logo terminou, me permitindo respirar aliviada, em parte; porque era hora de ir para a floricultura, que sim era um ambiente muito melhor do que o que eu estava, mas eu tinha que colocar a minha máscara de felicidade para evitar perguntas e não deixar os clientes desconfortáveis. Depois disso seguiria para casa com a mesma máscara, que infelizmente não era todos os dias que conseguia manter intacta, mas servia para alguma coisa.
As máscaras eram minhas verdadeiras companheiras no final de todos os dias, se eu fosse parar para analisar. Mas eram companheiras que me exigiam muita energia, amizades que tinham um preço.
Olá pessoal. Resolvi postar esse capítulo hoje. Só uma prévia. Logo mais estabelecerei os dias de postagem.
Conheceram um pouco da Nicollete— nossa protagonista— nesse capítulo.
Espero que tenham gostado.
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Indubitável Beleza {EM BREVE}
Spiritüel♦️Essa obra tem todos os direitos reservados. Em caso de plágio, tomarei todas as providências cabíveis. Infelizmente o Wattpad está com um erro que coloca todas as histórias em domínio público, mas não estão! Nicollete nunca soube o que era o amor...