Cap. 10: 23 de Janeiro

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   Semanas se passaram desde que Johnny se fechou em sua cabana, mergulhando em um mundo de solidão e reflexão. Ele saiu do banheiro, a água ainda escorrendo do rosto, e olhou para o calendário preso na parede ao lado da geladeira. Os dias haviam sido riscados um a um, como se cada marca representasse uma pequena parte de sua vida que havia se esvaído.

Com o controle remoto na mão, ele hesitou diante da televisão, seu instinto o alertando para não ligar. Lembrou-se de que as notícias apenas traziam mais desgraça, e seu olhar se desviou para um rádio empoeirado no canto da sala. Ligou o aparelho, buscando uma estação que o transportasse para tempos mais simples, onde as músicas contavam histórias e não traziam as dores do presente.

Após alguns ajustes, encontrou uma estação que transmitia os últimos acordes de "My Way", de Frank Sinatra. O som melancólico envolveu-o, e logo após a música, o locutor começou a falar, sua voz ecoando informações que pareciam distantes, mas que, de alguma forma, ressoavam com Johnny.

— ...novos protestos e manifestações estão ocorrendo no Brasil, com o foco na luta por aumentos salariais para os professores que não recebem há meses — dizia o locutor. — Entretanto, o que mais chama a atenção é o uso de máscaras roxas e casacos pretos, como os do infame Johnny Johnson, um símbolo de resistência para muitos.

Johnny sentiu um frio na barriga ao ouvir seu próprio nome. O locutor continuou, relembrando um caso que havia sido amplamente discutido anos atrás, sobre um garoto que, assim como ele, vestia-se de maneira peculiar e estava envolvido em uma tragédia que chocou a nação.

— Atualmente, surgem hipóteses de que o rapaz mascarado se inspirou na história de Johnny Johnson, e as pessoas estão lutando pelos seus direitos.

Um sorriso tímido brotou no rosto de Johnny, misturado com um toque de vergonha. A sensação de ser notado por suas ações, de se tornar um símbolo, era um fardo e um alívio ao mesmo tempo. Terminou de ouvir as músicas clássicas, a melodia ainda ecoando em sua mente, antes de decidir ir encontrar Kimberly.

Ao chegar atrás da escola, onde haviam marcado o encontro, seu coração pulsava um pouco mais rápido. A brisa suave trazia consigo a esperança de um momento de conexão.

— Oi — disseram ambos, as vozes entrelaçando-se.

— Como estão suas férias? — Johnny perguntou, tentando esconder a tristeza que o acompanhava.

— Está indo bem, só estou em casa mesmo. E você? Está bem? — Kimberly respondeu, segurando uma sacola que exalava um aroma convidativo.

— Estou tentando, como sempre — ele respondeu, sua voz carregada de uma fragilidade que não podia ignorar.

— Sei que é difícil se adaptar no futuro. Eu que nasci pouco tempo nem consigo — disse ela, olhando para ele com um misto de preocupação e carinho. — Você está triste ou com fome?

— Eu não sinto fome, mas é pesado saber que faz tempo que não como nada — Johnny admitiu, sua expressão se tornando um reflexo da luta interna que vivia.

— Toma aqui para você. Comprei esses salgadinhos — ela disse, entregando a sacola cheia de guloseimas.

— Obrigado por isso. Está sem comida lá mesmo — ele respondeu, a gratidão se misturando à sua dor.

— Você está sem máscara. Se sente bem com isso? — Kimberly perguntou, uma pontada de preocupação em sua voz.

— As pessoas ficam me olhando, mas me sinto sim. Posso ser eu mesmo. Só queria ter uma vida normal — ele confessou, a sinceridade em suas palavras soando como um lamento.

Noites Sombrias: Volume IOnde histórias criam vida. Descubra agora