Interlúdio sobre uma nevasca

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"A gente tá a um triz de ficar sem ter onde viver, mulher!"

Essas foram as palavras do seu pai, começou a escutar tudo com a orelha encostada na porta da sala, achando muito esquisito como eles estavam falando de repente tão baixo. "Eu não acredito que tu tá mesmo falando isso! É a nossa filha!" foi o que a sua mãe respondeu,bastante alto se comparado com a voz do homem e isso despertou interesse no garoto, junto com um mau presságio crescente dentro das suas entranhas. Escutou passos do outro lado da porta "É só mais uma boca pra' alimentar, pelo menos vendendo a menina nós vamos-"

Se afastou da porta enquanto tirava uma mecha de cabelo do rosto, não precisava escutar mais que isso para saber do que e, principalmente, de quem se tratava aquela conversa. De acordo com os seus pais, ele era a única menina entre quatro irmãos homens e a mais nova, também. Sempre soube que eles estavam errados pensando desse jeito, mas jamais conseguiria convencê-los do contrário.

Olhou ao redor da cozinha e se viu sozinho no ambiente, com uma panela grande me metal em cima do fogo, que precisava vigiar para que não apagasse, e dentro dela o assado de carne de coelho já começava a cheirar. Um dos seus irmãos conseguiu matar hoje mais cedo, não se interessou o suficiente para descobrir qual dele. O garoto apenas se viu pegando aquela bolsa de couro e olhando com medo para a porta da sala por um instante, sabendo que tinha que ser rápido. Roubou alguns pães e nabos de cima da mesa e uma manta pesada de um dos armários, também pegou a faca mais afiada da cozinha inteira e colocou junto das outras coisas antes de colocar a alça da bolsa de couro sobre o ombro.

Do lado de fora a neve caía sem sinal de dar trégua e isso lhe fez lembrar de colocar as botas para neve que estavam do lado da porta.

Ajeitou rapidamente o cachecol e enfiou todo aquele maldito cabelo dentro da touca de lã marrom antes de olhar para trás, onde os seus pais estavam decidindo se iriam lhe vender ou não. Ele não ficaria ali para descobrir o final dessa história.

O fogo se apagou quando o garoto abriu a porta e deixou o vento gelado e cortante entrar, saindo, fechando a porta e deixando tudo que conhecia para trás.

...

Nos primeiros dias chorou todas as noites, por causa do frio, da dor nos pés e pela saudade que, por um tempo, ainda sentiu de casa. Mas tudo passou muito mais rápido do que teria pensado e apenas uma dessas três coisas ainda incomodava depois de tudo.

Não achou que suportaria incontáveis as noites e dias que passou na floresta, com poucas roupas demais para a época do ano. Aquela era uma terra montanhosa e sua antiga casa ficava em um pequeno vilarejo acima das floresta, em uma montanha e logo abaixo a floresta branca por causa da neve se entendia até onde a vista alcançava.

Era um lugar perigoso e inexplorado, com lobos e outros animais selvagens à espreita. Mas o que mais lhe dava medo era o Sol sumindo no horizonte e a temperatura baixando exponencialmente. Todas as noites ele achava que não iria aguentar, o frio não dava trégua nem mesmo perto do fogo ou abrigado em cavernas, mas de algum modo sempre acordava vivo na manhã seguinte.

Quando os pães e os nabos acabaram, se viu perseguindo inutilmente alguns roedores menores e comendo a carne deles crua, pois as vezes a madeira estava úmida demais para se fazer fogo.

O problema era quando o sangue atraia outros animais e ele precisava subir em uma árvore e espera-los ir embora, quando tinha mais tempo até jogava algumas pedras do alto. Uma vez conseguiu nocautear um lobo assim e arrancou a pele dele como um dos seus irmãos mais velhos lhe ensinou uma vez, se manteria mais protegido do frio assim.

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