Tom ⅰ

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Por mais que o reino, de um modo geral, fosse próspero e houvesse comida para todos, não significava necessariamente que todos tinham o que comer. Ainda existia gente pobre e o número aumentava à medida que se aproximava da periferia da cidade, que era onde Tom morava sozinho com a sua mãe. Seu pai havia morrido há muito tempo, vítima de de uma praga e uma febre infernal.

No local em que vivia todas as outras pessoas também eram muito pobres, miseráveis, tinha sujeira para todos os lados e fedia a dejetos. A casa onde morava tinha apenas três cômodos, que consistiam em um quarto, uma cozinha e o que parecia ser uma sala.

O garoto nunca teve nenhum tipo de educação relevante até pouco antes de sair da infância e entrar na pré-adolescência, pois precisava ajudar sua mãe trabalhando na lavoura em troca de algumas moedas de bronze. Só que nunca era o suficiente nem mesmo para sete dias, já que ele nunca recebia o valor justo pelo trabalho e para isso existia um motivo.

Ninguém jamais gostou dele, da sua família e nunca lhe ajudaram, sem sequer esconderem o preconceito que tinham por causa dos olhos. Aqueles olhos negros tão característicos que ele e a sua mãe tinham eram ditos como uma maldição, como a marca mais clara de que eles eram bruxos entre outras mentiras no mesmo nível.

A verdade é que, Tom tivesse alguma magia negra disponível, faria todos eles pagarem por isso. Mas, para a sorte daquelas pessoas horriveis, coisas como mágica não existem.

Havia outra complicação na parte financeira da sua família, já que a casa em que viviam não era realmente da sua mãe. Os meses atrasados de aluguel estavam deixando a mulher bastante preocupada, pois, por mais que conseguisse juntar um pouco de dinheiro e pagar, parecia que a dívida só crescia e crescia.

Era para tentar conseguir mais um tempo que eles estavam na parte mais central do reino, onde era limpo, as pessoas se vestiam melhor e as construções tinham mais que um andar. Tom se manteve quieto esperando a sua mãe falar com aquele velho barbudo e gordo, que era para quem ela estava devendo, quando viu aquelas crianças sussurrando e olhando na sua direção.

O garoto fechou a cara imediatamente e estreitou os olhos do jeito mais intimidante que pode, sabendo que aquilo era por causa dos seus olhos. Sempre os olhos. Sua mãe também não conseguia um trabalho bom por causa dos olhos e da suposta maldição, sempre precisando aceitar qualquer trabalho e não receber nem mesmo a metade pelo que eles realmente valiam.

Aquilo lhe revoltava de tantas maneiras mas, sendo apenas uma criança, nunca pode fazer nada.

Ainda estava perto da sua mãe e não demorou nem um minuto inteiro para algum daqueles garotos, que nunca tinha visto antes, gritarem um "aberração!". A mulher ignorou prontamente, o homem barbudo perto da porta sorriu com os dentes amarelos e Tom sentiu raiva. Foi por isso que saiu de perto da sua mãe e procurou quem havia falado isso pela multidão rapidamente achando os garotos, que agora estavam rindo. Eram cinco ou seis no total, a maioria da mesma idade ou apenas um pouco mais velhos que Tom, mas ele não pensou no que poderia acontecer quando se aproximou deles para tirar satisfação.

O resultado, no geral, não foi realmente inesperado e os outros adultos ignoraram a briga injusta. Ainda conseguiu dar um soco em um deles antes de ser jogado no chão de pedra e ganhar vários chutes e socos, se preocupando apenas em proteger a cabeça com os dois braços.

Corre!

Foi a ultima coisa que escutou antes de, subitamente, todas as agressões pararem de uma vez só. Não abriu os olhos imediatamente, mas quando o fez havia a uma sombra alta se projetando sobre Tom em uma posição que a pessoa em questão deveria estar na frente do Sol. Sentou-se ainda meio tonto, confuso e desorientado, então viu aquela garota com roupas chiques, um guarda de armadura brilhante e os garotos de mais cedo fugindo para o meio das ruelas confusas do centro.

Era a menina que estava na frente do Sol e aquele brilho ao redor da cabeça dela fazia parecer que havia um tipo de auréola ao redor da cabeça. Ela tinha uma pele branca como porcelana, mas cheia de sardas clarinhas no rosto – especialmente nariz e bochechas – e um cabelo ruivo muito laranja, que era longo e estava solto com diversas mechas brilhantes caindo sobre os ombros. O vestido dela era feito de algum tecido que não conhecia, mas era azul e parecia muito caro com aqueles bordados dourados na barra, na gola alta e nas mangas longas.

Aquela era a pessoa mais bonita que Tom tinha visto em toda a sua vida e não conseguiu evitar de ficar admirando por segundos até demais.

— Com licença, você está bem? — A voz também era angelical. Ela estendeu uma mão na sua direção e o garoto mal pode acreditar que uma nobre estava lhe oferecendo algum tipo de ajuda.

Hesitantemente, acabou por aceitar e pegou na mão da ruiva, apenas conseguindo murmurar um tímido "obrigado" de agradecimento e sem perceber que havia gaguejando, mas conseguiu levantar do chão duro.

Nesse momento sua mãe apareceu e segurou os ombros do filho e somente com esse toque, Tom percebeu que ela estava tremendo e parecia ser de medo. A mulher se desculpou várias vezes, chamando aquela garota de majestade.

Ela é a princesa? Pensou Tom, enquanto sentia que havia algo de estranho em tudo isso. Os ricos, os nobres, não era suposto que eles tratassem gente como ele e a sua mãe com qualquer tipo de gentileza que fosse. Ninguém tratava os dois normalmente, quem dirá uma pessoa que estava tão acima na hierarquia social?

Mas quando Tom olhou para aqueles olhos verdes tão bonitos, enxergou algo que não estava acostumado a ver em ninguém. Uma genuína gentileza tanto no olhar quanto no sorriso.

Nem mesmo parecia real

Não-me-esqueçasOnde histórias criam vida. Descubra agora