Patrykⅰ

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Naquele dia Patryk saiu cedo de casa a pedido do seu avô, para comprar um pouco de farinha e mel que a sua avó iria precisar para fazer um de pão doce.

Não dava para ver o Sol por causa do céu cinzento repleto de nuvens e estava tão frio como sempre, talvez apenas um pouco mais escuro do que o garoto estava acostumado.

Talvez foi por isso que quando chegou no local onde sempre ia comprar os mantimentos, não havia ninguém para recebê-lo. Será que ainda estava muito cedo, perguntou-se enquanto observava a falta da carroça que deveria estar na frente da fonte de água – congelada quase o tempo inteiro. Deveria esperar alguém chegar? Já havia feito todo o caminho a pé de qualquer modo, não custaria nada.

Patryk afastou boa parte da neve com a mão coberta pelas luvas de lã antes de sentar na pedra gelada da fonte, dessa forma tendo uma visão ampla da rua de pedra irregular.

Entediado, enfiou a mão na bolsa de couro e tirou de lá um livro. A capa estava velha e quebradiça, as páginas eram amarelas e era um artefato realmente raro para estar nas mãos de um garoto que havia acabado de entrar na pré-adolescência, mas, desde que aprendeu a ler – o que era outro privilégio – seu avô lhe permitia pegar os livros da pequena livraria. A maioria eram religiosos, de histórias fantásticas e Patryk realmente gostava de todos eles, ao menos nos que tinha conseguido pôr as mãos para ler.

Aquele era um novo, ao menos para o garoto. Havia um relevo apagado no couro, certamente o título, e uma costura firme mantinha todas as páginas unidas.

Abriu a primeira página e se permitiu mergulhar na história fantástica sobre um cavalheiro escolhido por Deus para defender o seu reino, que precisou abdicar da mulher amada para cumprir a missão divina. O ideal era aproveitar enquanto não estava nevando e não havia nada para estragar as folhas.

Patryk leu pelo menos três dúzias de páginas e estava muito concentrado na história, sem prestar real atenção ao entorno e provavelmente foi por isso não viu alguns outros garotos correndo naquela direção.

Era notável a competitividade entre os três, só que o mais baixo entre eles estava ganhando, com bastante vantagem, o que deveria ser a corrida.

Somente quando já estava tarde demais para impedir um acidente, quando aquele garoto gritou para que saísse do caminho, percebeu que já não estava mais sozinho. Nem mesmo teve tempo o suficiente para acatar o aviso. Mas porque diabos ele queria passar bem por cima da borda da fonte? Literalmente a rua inteira estava livre.

Foi como se a tragédia fosse algo planejado, Paul esbarrou em um Patryk que não estava pronto para o impacto de um jeito altamente cômico e que poderia ter sido facilmente evitado, então os dois caíram dentro da fonte congelada.

Ênfase no congelado, aquilo seria verdadeiramente uma tragédia se tivesse deixado o livro acabar completamente arruinado pela água. Nem mesmo se importou de bater a cabeça, desde que o livro ficasse seguro nos seus braços e, principalmente, o gelo não cedesse.

— Caralho, foi mal!

Depois do susto inicial dos primeiros milésimos de segundos abriu os olhos a tempo de ver aquele garoto saindo de cima de si. A primeira coisa que reparou nele foi o cachecol de lã, que cobria o nariz e a boca, e as sobrancelhas grossas e chamativas.

A cidade era relativamente pequena e Patryk vivia por ali desde que se entendía por gente, como diabos existia alguém que ele não lembrava de ter visto?

Percebeu que ele estava oferecendo uma mão para lhe ajudar a levantar, mas ignorando-o prontamente levantou-se sozinho se segurando na pedra para não escorregar no gelo. Quando saiu da zona de perigo que era dentro da fonte, respirou fundo pronto para reclamar e brigar sobre como aquele garoto foi estúpido por ter corrido bem para cima da fonte, mesmo com todos os outros lugares livres na rua. Só não estava preparado para a próxima pergunta dele:

Isso é um livro? — Ele estava com aquelas sobrancelhas grandes franzidas, curioso.

Nesse momento os outros garotos se aproximaram. Um tinha cabelo preto e o outro era loiro, ambos com roupas de frio, sapatos de couro nos pés e não pareciam ter muito mais que a sua idade.

— Sim? — Falou com um discreto tom de zombaria. — Você nunca viu um antes?

— Na verdade não.

As vezes Patryk esquecia dos próprios privilégios. Os outros dois garotos estranhos se entreolharam, mas ficaram quietos.

— Entendi.

— O livro é sobre o que?

Ele aparentava estar verdadeiramente interessado, curioso no mínimo, sobre o livro quando ajeitou o cachecol com as mãos – e, diferente dos outros, não usava luvas. Olhou na sua direção, esperando, enquanto Patryk alternou entre olhar para a capa do livro e o garoto mais baixo.

— Fala de um cavaleiro que recebe a missão de Deus para proteger o reino. — Respondeu meio incerto. — Eu acabei de começar a ler.

— Parece legal.

Há três minutos estava pronto para brigar com aquele garoto e era muito estranho como isso tinha mudado em tão pouco tempo. Mas não pensou muito sobre isso, ele tinha tentado lhe ajudar enquanto Patryk estava pronto para ser esnobe e desagradável.

— Você pode ler?

Mais uma vez foi surpreendido por um pedido que, definitivamente, não estava esperando. Só que também não pensou muito antes de responder:

— Claro...

Descobriu que o nome dele era Paul e que os dois amigos dele se chamavam Yuu e Yanov quanto todos ficaram ali para lhe escutar narrar a história. Sua leitura não era perfeita, mas boa o suficiente para impressionar aqueles garotos e outras pessoas que passavam pela rua, algumas que também pararam para escutar.

Quando a vendedora que Patryk estava esperando no começo de tudo aquilo chegou, precisou parar a leitura para fazer o que seu avô tinha pedido mais cedo – farinha e mel, felizmente ainda lembrava. Enquanto dava as cinco moedas de bronze e meia para a senhorinha da carroça, reparou que Yuu e Yanov haviam ido embora, mas não Paul. Guardou o saco de farinha e o pote de mel na bolsa de couro, junto do livro, quando ele se aproximou.

— Patryk, você tá com tempo para terminar o livro-? Tipo, outro dia, sabe?

— Claro — Sorriu. — eu posso vir aqui amanhã, se não estiver nevando.

Patryk realmente foi para a fonte na manhã seguinte e Paul já estava lá esperando, então continuo indo ler para ele, meia dúzia de páginas ou mais, sempre que podia. E foi assim um tempo considerável até que o garoto se viu, aos poucos, narrando para cada vez mais pessoas que quisessem escutar.


Até que aquilo aconteceu.

Não-me-esqueçasOnde histórias criam vida. Descubra agora