O dia da minha prova do concurso público estava chegando, e com ele, o futuro dessas crianças. O que aconteceria se eu não passasse? Morgan não conseguiria e acredito que nem teria tal interesse em tomar a guarda das crianças, era uma responsabilidade imensa.
Por isso, do momento em que senti que o Eixo e a Aliança haviam recuado, me coloquei para estudar e em algum lugar, comecei a acreditar que era capaz de no mínimo tentar e no máximo sair com a aprovação. Era só o que eu precisava; se provar digno em algo tão difícil. Se passasse na prova, estava dentro. Se estivesse dentro, só precisava assinar os papeis para ser legalmente adulto aos dezessete anos.
E mais alguns dias se arrastaram até que eu estivesse pronto e Morgan batesse na porta logo cedo naquele sábado que parecia estar reservando grandes coisas. Ele chegou cedo, me fez assinar alguns papeis para fazer a prova sem custos e me desejou boa sorte.
A porta estavam as criancinhas curiosas. Olivia em um vestidinho azul requintado e Ullises nas roupas de ficar em casa — que em si já eram melhores que as minhas. Hoje vesti um terno bem legal, arrumei o cabelo, passei álcool em gel na cara — segundo Olivia deixava fresco e absorvia suor, mas eu duvido que role — e estava pronto para sair, deixando-os aos cuidados de Morgan.
— Você está pronto, Sullivan?
— Estou... acredito. Meu pai me faria acreditar.
— E você acredita? — Ullises cruzou os braços, inquisitivo, indiferente.
Eu olhei para Olivia e ela sorriu lindamente.
— Tem que dar certo, crianças. Se não der, vai dar merda.
— Vai dar merda — repetiu Olivia, divertida. Ullises riu.
— Não repitam isso.
— Vai dar merdaaaaaaa! — ela saiu correndo e rindo.
Estendi o punho para Ullises e ele bateu, o maior e melhor gesto de boa sorte que poderia me dar. Morgan acenou com um joinha e me permitiu partir logo em seguida.
* * *
O prédio de registros públicos de Ottawa estava cheio de pessoas muito mais velhas que eu quando cheguei. Tomei uma fila imensa antes da recepção que mais se parecia um hospital; tudo branco, com uma bancada de mesma cor e um grande painel com o símbolo de um livro e uma estrela luminosa. Ali, chegando a minha vez, uma recepcionista loira — bonita demais — me entregou um papel que seria a minha permissão para seguir até a sala 22 e lá me encontrar com uma outra centena de candidatos.
Nós nos sentamos e logo em seguida uma mulher bem apessoada surgiu, ela vestia um terno azul claro e saia média preta, além de ter os cabelos escuros presos num coque bem feito.
— Bom dia a todos — disse ela. Todos correspondemos. — Estão abertas as provas de seleção para o concurso de número 1502 ao cargo de administrador de registros públicos da cidade de Ottawa. O cargo, como a maioria ou provavelmente todos já devem saber, exige alta responsabilidade e senso organizacional impecável, além de boa dicção, boa leitura e facilidade para lidar com muito trabalho — tudo isso direcionado ao cara que cuidava de duas crianças totalmente opostas uma da outra em personalidade durante sete dias por semana por todas as semanas da vida. — A nota de corte será de 8,5 e poderá ser obtida em dois dias. Seus cadernos serão entregues agora e a prova terá duração de 3 horas. Confiram as folhas de respostas, marquem apenas uma opção com caneta esferográfica azul ou preta. Boa prova e boa sorte a todos.
Quando ela acenou por último, dois caras surgiram pela porta trazendo uma caixa de papelão de onde tiraram os cadernos e a cada um de nós foi entregue. Meu futuro estava nessas páginas. O futuro dos Landyn estava nessas páginas. Calma, Sullivan. CALMA, SULLIVAN! Estou calmo, Sullivan, relaxa, ok? É só mais uma prova surpresa de física do professor Aristides.
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Sullivan, o Jovem Tutor
Ficção AdolescentePerdido com os rumos da vida pós-ensino médio, Sullivan Oliver sonha em ser um grande escritor. De família humilde, o jovem com mentalidade de adulto vê a vida pacata se transformar do dia para a noite quando, sozinho, herda uma difícil tarefa: cuid...