I - A MUDANÇA

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Tudo muda. Absolutamente, tudo muda. Nossas escolhas, nossos sonhos, nossos desejos e personalidade são tão voláteis como a água. Como dizia o ditado, 'ninguém se banha duas vezes no mesmo rio', ou como cantava a canção, 'seguir sem mudar ou crescer é o mesmo que não ter aonde ir'**. Nossas experiências, cotidiano e convivências nos transformam, diariamente, e de forma profunda, ainda que imperceptíveis. O mesmo que nasce, não é o mesmo que morre. Somos uma constante oscilação de altos e baixos, como o registro gráfico das ondas sonoras, ainda que semelhantes, jamais serão iguais.

Karen soube, no exato momento em que Gabriel disse "eu não vou mudar", que estava entrando em uma história sem futuro, mas, a duas semanas de irem morar juntos, decidiu arriscar, afinal, todo mundo muda. Como ele não mudaria?

E não mudou... Continuava, exatamente, como o conhecera. Não aprendeu a dirigir, não voltou a estudar, não mudou de profissão, não largou o cigarro, não cortou a barba e não mudou de cidade. A única mudança nos últimos cinco anos foi trocar de casa, quando decidiram morar juntos. Sem cerimônia, sem festa, sem papeis assinados, sem casamento e a mudança para uma pequena casa logo na entrada de Araras, no interior de São Paulo.

Ela, por outro lado, se sentia a personificação da metamorfose: mudava o tempo todo. Estava sempre se reinventando, mudou de cidade, deixando amigos, familiares e emprego. Mudou a cor e o comprimento dos cabelos, pelo menos, dez vezes. Encarou desafios e assumia tudo que aparecesse, estudou inglês, computação e até contabilidade, sempre pensando em uma forma de melhorar os ganhos da empresa. Sentia como que se estivesse correndo uma maratona, mas tivesse que voltar a cada 100 metros para puxar as mãos de Gabriel e só então continuar correndo, para ter de voltar novamente dali a 100 metros.

Era cansativo. E estava exausta. Sentia não ter mais forças para mudar por ele, já bastava as mudanças latentes que sugavam suas energias diárias, suficientemente, para deixá-la sem brilho. Aquele 'natural glow' que todos falam. Quando percebeu que estava apenas vivendo, sem viver, se deu conta que algo estava errado. Tentou agarrar os ombros de Gabriel e, como que em um chacoalhão, acordá-lo de um transe. Mas foi em vão. Ele até poderia mudar, mas não seria por ela, com ela, não agora. E não dava mais para esperar esse "click" que o tiraria da imobilidade confortável dos dias que apenas são.

Ela até poderia tolerar e manter mais alguns meses, anos, apenas vivendo aquela vida tão confortável quanto almoçar e jantar MC Donald's todos os dias. Era fácil, prático e até gostoso, mas somente até você esgotar todas as opções do cardápio e repeti-las mais de dez vezes no mesmo mês, durante cinco anos.

O enfadonho se tornou usual e tudo estava 'ok', "tudo bem por aqui", como dizia repetidamente aos outros e a si mesma. E tudo continuaria da mesma forma cotidiana se não fosse aquela noite de quarta-feira.

Gabriel tinha saído para o futebol e ela ficou sozinha em casa trabalhando no computador. Nunca fora o tipo de pessoa ciumenta, talvez no começo do relacionamento, quando ainda namoravam vasculhava suas redes sociais e procurava algum sinal de infidelidade. Mas, há algum tempo, isso sumiu da lista de necessidades.

Entretanto, naquele dia, despropositadamente, encontrou a rede social de Gabriel conectada e foi involuntário, uma mensagem apareceu na tela. Karen não conseguiu ignorar aquela mensagem, que vinha de uma pessoa desconhecida, uma garota bonita aparentando uns 20 anos. Foi apenas o estopim para que passasse as próximas duas horas lendo as mensagens trocadas e descobriu que as conversas se repetiam com outras garotas tão bonitas quanto e talvez mais jovens.

Não soube explicar se a sensação no momento foi de raiva, decepção ou apenas tristeza, por constatar o que já aguardava há algum tempo. Aquela relação não estava certa. Ao ler as insatisfações de Gabriel, escritas a garotas que ela nunca tinha ouvido falar, percebeu que a sensação era recíproca. Tanto ele, quanto ela, não estavam felizes e aquilo que em um momento parecia a realização de uma vida, se tornou uma prisão para ambos. "Eu tenho vontade de fugir na maior parte do tempo." De todas as frases lidas, essa foi a que marcou fundo no coração de Karen.

Ela pensava sobre como ele poderia querer fugir, quando nunca conseguiu tomar uma decisão sequer na vida. Se lembrou de como se conheceram e de que, na verdade, fora ela quem o convidara para sair e até mesmo ela que havia sugerido morarem juntos.

🎸🎸🎸

Era fevereiro de 2013, ela estava em um show num barzinho de sua cidade. A amiga que tinha ido com ela, encontrou um cara e simplesmente sumiu. Em meio a multidão do lugar, localizou Tato, um amigo de infância, que estava sempre pronto para fazer companhia, conversar ou fazê-la rir. Se sentaram na frente do bar, enquanto o show acontecia lá dentro. Ele estava triste por ter tomado um 'fora' de uma menina que estava apaixonado. E Karen tinha acabado de se separar de um carinha que não queria assumir compromisso.

- Eu quero um namorado, Tato.

- Eu também, mas eu queria aquela namorada.

- Eu também quero uma namorada - disse uma voz vinda de trás do orelhão, que ficava bem em frente ao bar.

- Então se junte, Gabriel. Aqui é o clube dos corações partidos - brincou Tato.

O cara de camiseta preta e cabelos pretos curtos se sentou ao lado de Karen, ali no chão e começaram a conversar. Tato já o conhecia de outros shows.

- Esse é o Gabriel, ele é de Araras, mas sempre vem para os shows aqui.

- Oi, tudo bem?

Começaram a conversar sobre amores, música, shows e viagens. Descobriram alguns gostos em comum e no dia seguinte ele a adicionou na rede social. Começaram a conversar e criaram o hábito de se falar todos os dias, como ambos trabalhavam no computador, a conversa nunca tinha fim, durante todo o dia estavam em contato.

"Acho que agora poderíamos nos rever, o que acha?" - sugeriu Karen.

Gabriel não titubeou. Aceitou o convite no mesmo instante. Ela estava solteira há algum tempo, havia saído com vários rapazes nos últimos meses, depois de um namoro de dois anos. O último cara com quem estava saindo, frequentemente, estava 'dando o bolo'. Marcava e não aparecia, dava desculpas esfarrapadas e, em seis meses, nunca havia mencionado a palavra compromisso. Tudo o que queria era alguém para acompanhá-la no cinema, para fazer companhia numa festa de aniversário ou, simplesmente, levá-la para tomar sorvete. Mas estava cada vez mais difícil, ninguém queria comprometimento. Naquele momento, Gabriel se mostrava o parceiro que procurava, pois estava disponível o tempo todo.

Quando ele desceu do ônibus foi instantâneo. Não houve conversa, apenas um beijo apaixonado. Saíram dali de mãos dadas.

🎸🎸🎸

- Você está me traindo, Gabriel? - Karen não insistiu na pergunta, porque não queria saber a resposta e antes que ele pudesse responder emendou - Se você não está feliz e eu também não estou eu ainda não consigo entender o sentido disso tudo. Por que isso aqui ainda existe? - tinha sido o grande questionamento daquela noite, quando ele chegou e foi confrontado sobre as conversas da rede social.

- E por que você foi ler as minhas coisas? Por que foi mexer nas minhas coisas?

- A pergunta aqui não é essa. A pergunta é, por que estamos aqui? - Insistiu na pergunta mais uma dezena de vezes, enquanto ele encontrava respostas a outras perguntas que nem haviam sido feitas. Karen sabia que de nada adiantava, se fosse terminar, a iniciativa seria dela, como sempre fora. - Para mim não dá mais. Não quero mais brigar, eu não tenho mais energia para discutir com você - disse já sem voz, depois de tanto chorar.

- Se é assim que você quer, para mim tudo bem.

E foi assim que Gabriel saiu de casa naquela tarde de quinta-feira. Levou apenas a roupa do corpo e saiu andando. Ainda, se tivesse carteira de motorista ou, ao menos, se interessado em aprender a dirigir, poderia ter levado o carro. Não quis saber para onde ele iria. No dia seguinte, tentou telefonar. Discou 16 vezes para o celular e deixou mais de 40 mensagens. Não teve resposta. Não queria ele de volta, mas havia assuntos pendentes e o principal deles era o show de sábado à noite. 

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**Música "Montes Claros", de Mariana Volker - confere o clipe aí em cima! ;)

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Gente! Este foi apenas o primeiro capítulo! Na quinta-feira tem mais!!!

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E aí... Quem será esse tal cara do poster?! Será que é o fim definitivo do relacionamento de Karen e Gabriel?

O cara do pôster - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora