Capítulo 14

279 21 2
                                    

                Estouram-se os fogos e todos brindam eufóricos. O DJ mantém a música no último volume e o ambiente das luzes é um tanto excitante, mas bem alucinógeno. Perturbador para mim, que não estou acostumada, mas é o que mantém as pessoas animadas. Essa foi apenas a primeira sessão de queima de fogos. 

                Vejo funcionários carregarem caixotes para todos os lados. Uns ornamentam a mesa às pressas, outros montam a iluminação, outros distribuem alegorias e fantasias. Todos estão apressados e cumprem minha ordem. Tem ainda aqueles que trocam cochichos sobre o nível da minha loucura. 

— Isso não vai acabar bem... Isso não vai acabar bem! – ouço de longe. 

                Dane-se também! Todos estão se divertindo. 

                Chegam os músicos e muitas pessoas com instrumentos, espalham-se pela vasta grama e todos se divertem às suas maneiras. Muita luz, muita bebida, roupas e fantasias brilhosas. É uma noite iluminada. Árvores estão ornamentadas com pisca piscas. Máquinas espalham bolhas de sabão para todos os lados. A piscina está liberada e muitos saltam dentro dela. Garçons servem bebidas e petiscos leves. O público se torna meus convidados. 

                Chegam também os artistas circenses, e tenho a leve impressão de que da parte dos súditos, os que tem alguma habilidade, mesmo que seja só para dança, contribuem de alguma forma para que a festa se torne mais atrativa. Os que cantam, fazem pequenos shows. O DJ arquiteta uma pista de dança especial, cuja música ecoa por todo o quarteirão. Instrumentistas se unem a folia. Confetes coloridos e brilhosos caem do céu com fitas decorativas. É a festa mais louca que já vi. 

                Percebo que pouco a pouco até mesmo os funcionários da casa se rendem à dança. Alguns deles param constrangidos ao me ver, mas incentivo que continuem. Que se divirtam. Que me esqueçam! 

                Até mesmo Fionna, que outrora estava preocupada, embora ainda esteja hesitante, começa a balançar as pernas no ritmo da música. Seu olhar de precaução procura por algum incidente. Ela tem medo que suja alguma briga que tudo caia em sua conta, no final. Mas ela só precisa de algum tempo para se acostumar. 

                Algumas pessoas vem falar comigo e me cumprimentar. Resolvo atender à algumas pessoas da imprensa, antes que Fionna perceba e me impeça. 

— Majestade, o que se passou na sua cabeça quando o noivo não apareceu?
— Acho que essa não é mais a questão, - respondo. – O que importa é que a festa está a todo vapor. Por que não vai pegar uma bebida? 

                Outro repórter me indaga. 

— Alteza, como a senhorita definiria essa festa?
— Acho que é um acontecimento histórico. Veja só tudo isso! Veja só essas luzes, essas pessoas, essa música que não para. Há muita comida, há diversão para onde quer que se olhe. Se você der um pulinho na direção do jardim, encontrará muitos casais. Acho que um fato tão constrangedor quanto ser largada em pleno casamento real não foi o suficiente para me derrubar. Da tragédia surgiu a diversão.
— Alteza! Alteza! – outro jornalista chega. – Por favor, duas perguntinhas bem rápidas. Como a senhorita se sente nesse momento?
— Surpresa. Eu não imaginava que as coisas ganhariam essa dimensão.
— A senhorita é nova, acha que irá se abrir para um novo amor futuramente?
— Tudo tem o seu devido tempo.
— O que se passa na sua cabeça nesse exato momento?
— Agora...? Bem, agora estou pensando que eu poderia ter feito uma burrada abrindo ao grande público. Imagine se surge alguma confusão ou tumulto?! Agi de cabeça quente sim, mas de repente tudo virou uma grande e épica festa. Tem pessoas até do lado de fora da mansão. Tudo está cercado de pessoas em busca de diversão. Estou surpresa!
— A senhorita não está triste?
— Já estive. Já chorei, já xinguei, já me lamentei, mas passou. Tudo sempre passa. 

                Dou alguns passos, mas ele me segue e me para outra vez. 

— E quanto ao casamento?
— Só tenho uma coisa a dizer: “Tudo o que se vai, se renova”. 

                Pego a taça de champanhe que está sobre a bandeja nas mãos do garçom que passa por mim. 

— Divirtam-se!

                 Vou até frente da mansão. Os portões estão abertos e quase não há mais espaço para pessoas. Até onde a vista alcança, vejo multidões e mais multidões. Todos se divertindo. Vou até lá dentro com certa dificuldade, pedindo licença e passando por uma brecha entre uma e outra pessoa. Encontro uma das mesas do bufê. Tinha nada menos 

— Meu Deus! Eu quero comer tudo isso!
— Vai com calma, gatinha – John se aproxima.
— Ah John! Sem essa! Eu quero comer tudo. 

                Ele me põe delicadamente um brigadeiro em minha boca. 

— Oh! Brigadeiro...! Hummmm...! Meu Deus! Como eu amo essa coisa! – falo com a boca cheia. 

                Pego pelo menos mais três e coloco na boca. 

— Oh meu Deus! Sorvete! 

                Encho uma colher e a coloco inteira na boca. 

— Que delícia! Que delícia gente! Dá até vontade de chorar, de tão gostoso!
— Pega leve, Mel. Parece que nunca viu comida. 

                Ele ri e limpa o canto da minha boca com um lenço de bolso. 

— Olha só... Um homem que ainda usa lenço. Pensei que essa espécie já havia se extinguido junto com os dinossauros.
— A maioria sim. Mas só porque algumas mulheres substituíram os próprios dinossauros.
— Quem diria John...! Logo você.
— Eu não sou esse ogro todo que você pensa, Melanie. Eu sou gentil.
— É... Às vezes sou obrigada a concordar. – Pausei. – Obrigada John. Obrigada por me ajudar e me dar tanto apoio, mesmo eu querendo cometer grandes loucuras.
— A loucura nunca foi um problema.
— Sério? Por quê? – sorrio.
— Porque “as melhores pessoas são assim”. – Ele me devolve aquela piscadela. 

                Ergo a taça de champanhe em sua direção, lhe dando a razão, e dou outro gole. 

              A festa parece nunca ter fim. Cada vez que a olho como um todo, parece que a vejo apenas começando. Pessoas chegam e saem, em busca de outros atrativos na mesma festa. Cada um que entra dá uma cara nova ao ambiente eufórico. Entram cuspidores de fogo e contorcionistas. As pessoas dançam sem parar, tenho vontade de me juntar à elas. 

— Mel, cuidado amiga. Você está começando a querer passar dos limites.
— Que nada, Fionna! Não viaja! Eu estou feliz! – grito.
— Senta um pouquinho, senta. Você está ficando bêbada.
— Não se preocupe comigo. Vá se divertir, vá! Me deixa! 

                Fionna parecia minha mãe, mas ela só queria moderar minhas ideias, para não haver nenhuma extravagância. E por falar em extravagâncias, acabo de ter uma ideia! 

                Aproveito que todos estão dançando no salão principal e subo as escadas, de onde posso vê-los melhor. Olhando agora, de uma vista geral, há mais pessoas ali do que parece. Duzentas? Talvez trezentas? São muitas! Talvez muito mais que isso. 

— Ei! 

                Grito para chamar a atenção. Recebo muitos olhares, mas nenhum deles para de dançar por minha causa. Fionna quase enfarta quando vê o que eu segurava. Em meus braços havia um grande montante de dinheiro. Jogo para o alto e cai sobre todos. Alguns catam, outros parecem nem ligar e dançam por cima das notas que caem no chão. Fionna tenta subir as escadas, mas é contida por John, que sussurra. 

— Não... Deixa ela ser feliz, deixa. 

                Ela aceita seu impedimento, mas sei que só por enquanto. Ela irá puxar a minha orelha mais tarde. Mas quer saber...? Advinha...! Dane-se! 

                Só então percebo que uma das câmeras da imprensa me filmava ao vivo. Ouço o repórter me intitular com uma frase que me parece cair como uma luva: “Melanie Morschel pode ainda estar solteira, mas a sua marca de noiva pródiga irá perpetuar até o próximo século!”.

Deixada no altarOnde histórias criam vida. Descubra agora