Capítulo 10

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                Caso você tenha se esquecido da história, deixe que eu te lembre, porque eu gostaria de ter o prazer de esquecê-la também. 

                Eu ainda estava naquele lugar horrendo, na companhia do homem que não era meu marido – marido esse que não havia aparecido no próprio casamento, e eu nem sei se realmente posso chamá-lo de marido! – eu havia acabado de ser exposta para o mundo inteiro, para todas as câmeras, para todas as mídias, para todos os meus amigos e familiares, e o dia que já não começou muito especial para mim conseguiu ficar ainda pior. Eu havia acabado de conhecer o inferno... Deus realmente me odeia! 

                Erick Hazel, meu primo de quarto grau a quem chamo de John, desde pequenos, chegou bem na hora certa para me ajudar, como quem cai do céu. 

                Mas caiu do céu me levando direto para a boca do ferrolho do inferno... Não é possível! 

                Ele conversa com o garçom carrancudo, que lhe aponta uma porta para a direita. 

— Vem. É logo ali.
— O quê que é ali?
— O cara que pode nos ajudar. Você quer saber como desbloquear esse celular, não é? Então. Ele é um mago da informática. Entende tudo de absolutamente tudo.
— Espero que não nos cobre, eu não estou com nem um centavo.
— Não, ele não vai. 

                Olho para nossas mãos e dedos entrelaçados. Puxo a minha. 

— Você... Você costuma sempre frequentar esses botecos, é?
— Só quando não suporto mais ser da realeza. 

                Ele deu um sorriso. 

Pouco mais atrás, eu sorri também. Éramos tão diferentes, mas bem parecidos até. Eu também me entedio às vezes dessa vida de regras. De não ter privacidade no meu próprio jardim, no meu próprio quarto. De tempos em tempos ter minhas coisas reviradas por peritos, que são pagos para descobrir alguma possível ameaça terrorista na mansão. Mas é claro que não tem, nunca encontraram nada. Mesmo assim, eu preciso acordar cedo e ser apalpada enquanto reviram minhas coisas – como se eu fosse uma mulher bomba. Ah que tédio! Se me demoro mais de vinte minutos no banheiro, Harrys chegava com seu sotaque francês batendo à porta, para saber se ainda estou viva. Se me jogo na piscina, vem alguém oferecendo uma toalha. Se saio do carro, alguém com um guarda chuva. Se saio com Fionna, de quatro a sete seguranças vão atrás... Liberdade? Talvez apenas nos meus sonhos, se assim eu tiver privacidade de sonhar sem que o mordomo mais afeminado e barrigudo do mundo invadisse meus pensamentos. 

                E novamente John bate na porta, exatamente como fez lá fora, naquele mesmo ritmo. É... Agora tenho certeza. Isso é realmente um código. 

                Espero outro grandalhão nos atender, quando na verdade chega um homem baixinho e raquítico. Um legítimo nerd. Vesgo, com uns óculos maiores que a própria cara, ele já parece conhecer John; eles se cumprimentam. Aquilo era seu quarto, onde só havia bagunça e televisão e computador ligados – pareciam ser as únicas fontes de luz daquela masmorra. Em compensação era bem menos asqueroso que lá fora. Ele nos convidou a entrar, mas a minha vontade era de sair. E para bem longe! 

                Eu entrei quase que forçada por John, que me empurrava pelas costas. Ele sabia que eu não entraria ali. 

— Vocês querem água? 

                Deus me livre! Eu não vou beber água nesse copo de mendigo, sujo, coisa de boteco. Ah não! E sim, sou fresca! 

— Não, obrigada.
— Valeu – Erick agradece, mas dispensa, embora não pareça sentir nojo algum. 

                Ele negocia por mim. E cada segundo que se passa é mais difícil ficar ali dentro. Espero não aparecer nenhuma barata. E eu juro que se eu ver algum rato... Meu Deus...! Eu saio derrubando essas paredes até chegar em casa! Eu tenho horror, pavor, fobia, pânico desses roedores terroristas. 

Deixada no altarOnde histórias criam vida. Descubra agora