O problema de Baekhyun.

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BAEKHYUN

A música de impacto regida por Led Zeppelin deixava a atmosfera competitiva e abafava os comentários dos torcedores. Quando eu surgi na vista do público, uma onda de palmas e gritos inundou a minha audição. Levantei uma das minhas mãos para cumprimentá-los com um sorriso simpático como agradecimento e corri para o meu lugar na ala exclusiva, esta que rodeava a pista de competição. Não era o meu estilo roubar toda a atenção para mim, a popularidade havia acontecido em recorrência das minhas vitórias e do peso que o meu título carregava, e mesmo após tantos anos, eu continuava tímido. Mas, bem, esse era o privilegiado destino do único filho da fundadora do primeiro comitê de esgrima do país.
Sentei-me ao lado de Xiumin, meu melhor amigo, e notei que havia um espaço vazio do meu outro lado.
― Onde ela está? ― questionei a Xiumin e ele se virou, suspirando pouca vontade.
― Dando entrevistas, é claro. Você não foi chamado também?
― Óbvio que fui! Mas achei melhor não aborrecer minha paciência. Ultimamente, eu tenho aceitado deveres demais, não acha?
Xiumin riu, entendendo minha indireta.
― E aí está! O esgrimista do momento. ― ele comentou a entrada do esportista como se fosse o narrador.
Virei minha atenção para onde meu amigo se referia e me deparei com Kim Jongin surgindo na visão do público, regado pelos mesmos dentes perfeitos e alinhados num sorriso galanteador junto ao topete de madeixas negras carregado de gel para trás. Ele estava todo apropriado para o combate individual, com as vestimentas especiais bem postas no corpo e acompanhado pelo treinador. Eles fizeram seus cumprimentos e se posicionaram no lado direito da pista enquanto esperava pela apresentação do oponente da noite. Enquanto o faziam, as palmas e os gritos eram ensurdecedores.
Eu me encolhi quando notei que Jongin vinha em minha direção.
― Ele não fará isso. ― Resmunguei para Xiumin. ― Por favor, cara, me diz que ele não fará isso!
― Tarde demais. ― Ele me respondeu achando graça de toda a situação, e eu só queria receber mentalmente o ingrediente para me tornar invisível.
Kim Jongin se achegou, pegou minha mão com uma civilidade que eu nunca presenciei em toda minha vida e beijou os meus dedos sobre o ar, ciente de que a ação seria testemunhada por várias pessoas e gravada por muitas câmeras. Os flashes dos fotógrafos pipocaram, e eu sabia que aquela cena apareceria em muitos tablóides durante a semana.
Eu nem sei por que havia me surpreendido com tamanha atitude, Kim Jongin gostava desse tipo de coisa. O tipo de gritar para o mundo inteiro que nós dois estávamos juntos. Mas eu não sabia se me sentia incomodado com tal preocupação romântica porque isso provinha de timidez ou porque, na verdade, eu não conseguia colaborar com o showzinho. Recolhi minha mão rapidamente e sorri falso com os comentários que recebi. Eles me olhavam como se eu fosse o cara mais sortudo do mundo, sendo que eu não passava de um co-protagonista de um grande circo.
Quando Jongin olhou para trás, para buscar por minha reação, eu o fitei com a expressão beirando a irritação e ele riu, claramente gostando que tivesse me deixado afoito.
Logo depois de anunciarem o oponente, senti uma presença ao meu lado.
― O que eu perdi?
Estreitei meus olhos para ver a dona da voz feminina.
― Nada importante. ― Me recostei à cadeira, suspirando e a analisei debaixo para cima.
Minha mãe não era nada modesta na hora de se vestir para as competições. Ela estava lotada de jóias, vestia um casaco de pele e por baixo, um vestido comprido.
― Esses saltos estão me matando. Os repórteres imbecis não cansam de lançar perguntas. Você deveria estar lá para responder as dúvidas sobre o casamento. Eu inventei tantas mentiras que meu estoque criativo se esgotou por hoje.
― Você já deve estar acostumada, mãe. Faz isso o tempo todo.
Ela riu, sem se importar com a insinuação.
― Amanhã teremos um almoço em família na mansão, então se sinta na obrigação de estar presente. Só estou te avisando isso porque sei que depois que começou a morar sozinho, você fica praticamente inacessível.
― Almoço em família? ― A encarei e ela sorriu tão abertamente que eu percebi o que queria dizer. ― Ah, droga! Não me diga que será mais de uma família.
― Qual o problema? Lembre-se que agora os pais do seu futuro marido são a nossa família também.
― Eu ainda não aceitei o pedido dele ― lembrei. ― Está apressando as coisas, mãe. Deixe-me adivinhar quem te deu essa brilhante ideia. Jongin, certo?
Ela não respondeu e eu revirei meus olhos. O silêncio dela confirmou minha teoria.
― Ele só quer o seu bem.
― O meu ou o seu? ― Me exaltei e quando notei que meu tom havia aumentado, baixei minha voz. ― Era para ser um contrato de negócios, não de casamento.
― Vocês são perfeitos um para o outro. Adoram o mesmo esporte, possuem a mesma classe social, cresceram juntos, possuem a mesma idade e os mesmos hobbies. Qual é o problema de se casar com um homem desejado por tantas pessoas? Rico, bonito e inteligente, um verdadeiro galã. ― Ela contabilizava as qualidades como se fosse um pacote perfeito de aquisição, eu só o via como um padrãozinho facilmente enjoativo. ― Deveria estar agradecendo pelo apoio de sua mãe e que a mídia te ofereça tanto favoritismo.
― Eu agradeceria, mas só se fosse algo realmente sincero. Além do mais, nós dois somos amigos desde a infância. Jongin nunca fez o meu tipo.
― Certo! Então qual é o seu tipo ideal?
Eu não sabia bem o que responder. Aquela frase era tão automática na minha boca que não me parecia mais ter algum sentido sobre o meu futuro. Eu não era apegado a aparências, mas sabia que havia algum mistério que me levava a gostar mais de um estereótipo do que dos outros. Só que fazia tanto tempo que eu não me apaixonava que meus olhos correram pelas pessoas ao nosso redor com certa preguiça.
― Já entendi. Você não tem! ― Ela cansou de esperar pela minha resposta. ― Ou seja, não há nada a perder. Aceite o convite ou a família dele pensará que eu criei um filho desobediente que foge de um relacionamento sério. Se isso não der certo, perderemos tanto patrocínio que na próxima temporada, os alunos precisarão lutar com gravetos.
Minha mãe era uma excelente controladora emocional. Ela sabia muito bem como me deixar preocupado a ponto de roer os meus próprios dedos. Tentei ignorar o assunto, girando meu corpo para me atentar a competição. Eu não queria pensar que precisaria tomar decisões significantes para minha vida pessoal num momento tão importante da minha instabilidade individual, unicamente em favor de uma compulsão capitalista. No entanto, eu sabia que não conseguiria continuar fugindo por muito tempo.
A voz do narrador deu início à competição. Jongin estava conversando com seu treinador enquanto esperava chegar o grande momento de ir para o centro da pista. Seu rosto carregava um sorriso confiante e ele tomou alguns goles de água como se estivesse numa propaganda de televisão. Eu nunca saberia dizer se o costume de agir o tempo todo como um ator de cinema, era uma característica espontânea ou proposital, mesmo que aquele tipo de perfeição fosse admirado por vários tipos de interesses, menos, para os meus em particular.
Ainda que não fosse visível, havia tensão quando o duelo começou. As emoções estavam escondidas entre o silêncio do público. Aos poucos, conforme os passos de Jongin se tornaram ameaçadores e partiram em direção ao oponente de modo brusco, a pontuação foi obtida e ele comemorou, socando o ar com a mão livre. O bendito era realmente um bom esgrimista, mesmo que lhe faltasse um pouco da coordenação nos movimentos que careciam de sutileza.
Na segunda rodada, eu apertei minhas mãos uma na outra, nervosamente. O placar estava empatado e tínhamos chegado a dez minutos de competição. Quando a luta recomeçou, meu coração disparou no peito. Precisávamos daquela vitória, afinal, desde que eu havia saído do esporte até o ano passado, não houve nenhum sucessor nacionalmente garantido para disputar a Olimpíada em meu lugar e por conta disso, eles não puderam participar das competições entre equipes.
Anteriormente, éramos conhecidos pela mídia como os Três Mosqueteiros. Jongin, Xiumin e eu. Mas depois do acidente, outra pessoa foi colocada em meu lugar. Oh Sehun era o seu nome. Ele estava na primeira fileira da arquibancada, concentrado como uma águia e nervoso como um rato. E eu conseguia enxergar suas veias saltando, mesmo de longe.
Nossos nervos cessaram de ser atormentados quando Jongin conseguiu a pontuação a tempo e ganhou a competição. Todos se ergueram de seus lugares aos gritos, pulando de felicidade pela conquista. Eu também me levantei, abracei Xiumin e me senti aliviado.
― Estamos dentro! ― Xiumin disse, entusiasmado ― Estamos na Olimpíada, cara! Nós iremos foder com todo mundo e mostrar que os Três Motoqueiros estão de volta.
Eu sorri.
― Olha a boca, garoto! ― Minha mãe o repreendeu e voltou o olhar em mim ― Vamos!
― Aonde?
― Dar os parabéns ao seu noivo, mas é claro!
Revirei os olhos e ela me atropelou a força para o lado, para conquistar espaço e atravessar nossa fileira. Xiumin pegou o mesmo caminho para segui-la e parou nas escadas quando notou que eu continuava no mesmo lugar, com as duas mãos dentro do bolso. Ele me lançou o olhar de melhor amigo, aquele que você nunca sabe se é um pedido ou uma ameaça.
Droga!
Eu pedi licença para as pessoas ao meu lado e comecei a descer as escadas, suspirando pesadamente enquanto o fazia.
― Meus parabéns! ― Lancei a Jongin assim que me aproximei, mantendo uma boa distância entre nós. Porém, o esgrimista me puxou para perto, passando um dos braços sobre meus ombros e me puxando para um abraço. Eu queria me afastar, mas no momento em que ele me abraçou contra seu corpo, os flashes vieram em sequência.
― Precisamos dar para eles material para a semana. ― Jongin sussurrou em meu ouvido, claramente sorrindo enquanto dizia aquilo e depositou um beijo em minha bochecha quando finalizou o abraço.
Eu senti vontade de socar sua barriga e puxar seu cabelo. Tal como quando éramos pequenos, após ele roubava minha comida escondido.
Voltei meus olhos para o público e compeli um sorriso convincente no rosto. Queria apagar aqueles últimos segundos da minha mente e ignorar as expressões fascinadas das pessoas, mas infelizmente eles eram facilmente manipulados, assim como eu. E isso chegava a ser lamentável.
Meus olhos percorreram por alguns torcedores, repórteres, fotógrafos, até que permaneceu em uma pessoa específica que estava atravessando uma das fileiras. Ele era um homem alto, tinha jaqueta jeans no corpo, mas feita de um tom mais claro que o do jeans da calça. Só uma pessoa usava aquele tipo de jeans antigo. O boné escondia sua fisionomia e deixava um ar misterioso rondando sobre toda sua aura. Engoli em seco, sem saber por que a pessoa em si estava recebendo tanto da minha atenção. Até que notei o cabelo loiro e comprido, cair da região da nuca. Meus lábios se entreabriram ao reconhecer o detalhe.
Era Park Chanyeol. Franzi o cenho, pensativo. Dois dias tinham se passado desde que havíamos feito o acordo no barco e ele não havia me ligado desde então, sequer o encontrei no porto quando fui visitá-lo para entender o motivo pelo desaparecimento repentino. Nem mesmos os outros companheiros de porto sabiam de seu paradeiro. Então, por que diabos, ele havia vindo numa competição de esgrima? Era um pensamento egoísta e preconceituoso o meu, mas Chanyeol não parecia ser do tipo fascinado por esse esporte. Ou eu estava errado?
Ele subiu as escadas com certo desânimo e as mãos escondidas dentro dos bolsos da calça, sem sequer olhar para trás. Meus pés formigaram para correr atrás dele e eu só não o fiz, porque Jongin me puxou a força para uma foto com um fotógrafo que esperava ansiosamente por aquele momento.
Depois de incansáveis fotos, algumas entrevistas rápidas e perguntas irritantes sobre o casamento, finalmente estávamos livres numa sala para conversar. Xiumin estava esparramado no sofá, Sehun estava inquieto e Jongin entrou em nosso espaço com um sorriso de orelha a orelha. Ele veio em minha direção, pronto para mais um abraço, eu desviei e o idiota quase bateu na parede como consequência.
Eu sorri.
― Estamos aqui para conversar ― argumentei ―, não pra continuar com o espetáculo.
Jongin olhou triste para mim.
― Você não é nem um pouco romântico, sabia? Eu deveria ter escolhido um noivo melhor.
― Digo o mesmo! ― rebati, sorrindo.
― Parem os dois com essas brigas idiotas. Vamos falar do que interessa! ― Xiumin se endireitou no lugar. ― Temos um problema, um baita de um problema, para ser bem sincero.
Eu o encarei, confuso.
― Acabamos de ganhar uma competição ― Jongin reclamou ―, céus, vocês realmente não me dão uma pausa. O que aconteceu dessa vez?
― Dez quilos de maconha, foi isso que aconteceu. ― Xiumin lembrou, sério. ― Sehun foi pego pela polícia semana passada, nós abafamos com o casamento dos pombinhos do ano, mas parece que os juízes da Olimpíada insistem que Sehun não deve participar das próximas competições.
― Que merda! ― Jongin xingou. ― O que eles estão pensando? Que conseguiremos treinar um amador com menos de um mês para as Olimpíadas? Minha bunda que conseguimos. Sehun não é a nossa melhor arma, mas é a única que serve no momento.
― Ei! Eu estou aqui, pessoal. ― Sehun protestou ― Foi uma besteira das grandes, eu sei! Mas eu estava com o cara errado, na hora errada e passando num lugar errado.
― Juízes olímpicos não querem saber quem estava fumando a erva toda, Sehun ― Xiumin disse ―, eles não são da polícia, então não pense que sua palavra irá limpar seu nome de um dia para outro. Esses sugadores de dinheiro jamais iriam querer associar um evento grande como esse, a um escândalo como o seu.
Puxei uma cadeira e me sentei, ignorando a discussão.
― Eu irei lutar no lugar do Sehun.
Todos me encararam, desacreditados.
― O que disse? ― Jongin se aproximou e parou ao meu lado.
― Eu disse que irei lutar, assim conseguiremos ganhar a Olimpíada.
― O caramba que você vai! ― Ele apontou para a minha cicatriz. ― Você quer perder seus últimos movimentos da mão? Eu nunca vou permitir que lute. Escalaremos outro esgrimista, ou algo assim.
― Você não entende, Jongin? Não há outro esgrimista disponível. Nossa última opção era o Sehun e agora que não o temos, é como nos afogarmos próximo da superfície. Não vale a pena desistir agora.
Jongin riu alto, se mostrando irônico.
― Me desculpa, mas eu não irei deixar que foda com a coisa mais importante que tem, por um capricho seu. E daí que estamos alguns anos afastados da Olimpíada? Eu sei que é importante pra você, mas sua vida vale mais do que isso.
Eu me levantei e o empurrei pelo peito.
― Nem nos casamos ainda e você já está me dando ordem? ― O sarcasmo em minha voz ficou evidente. ― Nós somos lendas nesse país, e não vamos ser abafados por tantas mentiras.
Eu estava a ponto de sair quando Jongin me parou, atrapalhando meus passos com o próprio corpo. Seus olhos piscaram ligeiramente enquanto ele me encarava com uma expressão abatida. Estava pronto para dizer algo, mas eu o cortei:
― Amanhã de manhã estarei no clube para começar com o treinamento. ― O driblei decidido e fechei a porta atrás de mim.
Só quando finalmente me tranquei dentro de carro que pude respirar com tranquilidade. Minha cabeça latejava e eu só queria desaparecer. Olhei para a minha lateral e encarei minha sacola com equipamentos de esgrima, a mesma que eu usava quando treinava feito um louco antes do meu acidente. Meu vício esmagou meu estômago e meu coração deu saltos com o pensamento esperançoso. Eu sentia tanta, mas tanta falta de lutar que foi inevitável não ficar feliz com a ideia.
Apertei meus olhos e depois minha atenção foi roubada pelo meu celular, pousado em cima do painel. O desbloqueei, mas não havia nenhuma notificação de mensagem ou de ligação. Fui até meu bloco de notas e encarei o endereço salvo. No dia anterior, um dos funcionários que trabalhava no porto, havia encontrado nos documentos de históricos, o lugar onde Chanyeol morava. Infelizmente, lá não havia número de celular.
O caminho de ida do centro da capital até o distrito demorou cerca de trinta minutos. Eu tentei me entreter com o rádio ligado, mas a ansiedade estava fritando meus neurônios. E eu nem sabia o motivo para estar tão nervoso. Nem quando eu lutei pela primeira vez, na minha primeira Olimpíada, meu coração estava tão acelerado.

BLACKOUT | ChanBaekOnde histórias criam vida. Descubra agora