Alguém que te transborde (Completo)

II

— Você está metade depressiva e metade radiante — Katia, minha cabeleireira comentou pensativa enquanto me encarava pelo espelho. — Ok, o que vamos aprontar para você ficar totalmente radiante como a Mafê que sempre conheci?

Katia cuida dos meus cabelos castanhos desde sempre. Só que era sempre o mesmo procedimento botox para alisar e cabelos castanhos até a cintura. Mostrei a foto do pinterest para ela e nunca a tinha visto tão animada. 

Heitor gostava de morenas e quando nos conhecemos tinha luzes no cabelo, aos poucos elas foram morrendo por ele. Um jogada que achei esperta na época e nunca contei para ninguém. Porque no fundo sabia que não fazia sentido nenhum. Então o primeiro passo para a Mafê nova é o cabelo.

Da cintura para um dedo acima do ombros com luzes. 

Loira. 

Pode soar bobo e até superficial ao falar que minha nova identidade estava em um novo corte e luzes. Mas é a mais pura verdade. Não cheguei a chorar, mas senti no fundo do meu coração, apertado, que eu estava olhando para mim. Para eu mesma, a versão de verdade e não a versão apagada por qualquer cara. 

Nosso relacionamento estava desgastado, no fundo do coração sabia que nosso tempo tinha acabado e ele só endossou ainda mais a grande verdade. Não vou mentir e dizer que saber da traição não me doeu porque foi um baque surdo mas estrondoso ao mesmo tempo. Independente disso dei dois dias de choro, gordices, depreciação e essas coisas, mas depois disso chega. 

Parei cinco anos da minha vida por ele, já tinha perdido demais. 

Katia ficou tão radiante como eu e quase me levou ao choro ao se despedir com um:

— É bom te ver de novo. 

Era muito mais do que apenas uma visitinha a uma amiga. Muito mais e nós duas sabíamos disso. 

Andar na rua e chamar atenção de olhares tanto femininos como masculinos era algo praticamente inexistente na minha vida, mas não a partir de hoje. Eu me sentia linda, bonita, sexy e tudo o mais. Porém o mais importante é que me sentia eu mesma. Além de voltar ao meu amado loiro também deixei meu cabelo ondulado dominar o seu local. Sem botox, apenas uma boa hidratação para eles tomarem as suas belas curvas. 

— Uau — cada letra se prolongou por um tempo me deixando apenas com um sorriso bobo no rosto.

Emília correu em minha direção apenas para me abraçar forte e por bastante tempo. Aquele abraço dizia mais do que apenas um “amigo, eu estou aqui” mas só nós duas precisamos saber disso. 

— Eu amei. — Ela disse por fim me segurando pelos braços. 

Emília e eu estamos juntas desde o primeiro dia da faculdade quando as duas queríamos comer algo no intervalo mas não conheciam nada da instituição. A comida nos uni. Literalmente tanto de momento como nosso profissão: nutricionistas. 

Fizemos todos os trabalhos possíveis juntas e fazíamos uma dupla imbatível, estagiamos no mesmo lugar e depois abrimos nossa pequena clínica em nosso bairro. Não via minha vida sem ela, a irmã que sempre quis ter. 

— Você merece muito mais, sabe disso né? — Apenas concordei com a cabeça antes de Silvia e Júlia chegarem para comentar sobre meu novo visual. 

Por mais que tenha tido uma pequena dose de amor próprio com o Heitor, o nosso relacionamento acabava girando em torno de apenas uma pessoa: ele mesmo. Sempre era ele que tinha algo, alguma coisa que fazia com que as minhas coisas não fossem tão grandes assim. E eu deixava. 

— Temos que nos cuidar, meninas. Aprendi isso com um belo tombo, mas estou levantando e quero mudar muita coisa, uma delas é me colocar em primeiro lugar. 

Os meus pacientes foram um grande bônus para eu começar a pesquisar uma especialização. Precisava começar a me mexer mesmo com pequenos passos, isso já era uma grande começo.

Por incrível que parecesse o dia passou rápido, o que não acontecia a muito tempo. Cada dia era um grande peso nos meus ombros, como se literalmente fosse apenas mais um dia. E realmente é, porém cada dia é uma benção. Afinal estou viva, não?

Estava pronta para mandar mensagem para o Boris para saber onde iríamos e Emília fez questão de me esperar até saber o meu futuro paradeiro. Mas ele estava ali, encostado em seu carro esportivo. Boris sempre foi um cara atraente com seus cabelos castanhos escuros assim como os olhos, era uns bons dez centímetros maior que eu e, por ser um atleta, tinha seus músculos definidos nada absurdo. Eu o proibi de ser tão definido, achava feio mesmo não sendo o meu lugar de escolha.

Não hesitei em correr para seus braços abertos. Ele conseguia me erguer um pouco, o que me fazia indagar se era pesada ou não afinal não tinha uma barriga chapada e sim umas gorduras. Gorduras boas, tá bom? Não estudei a toa. 

Chegava a ser engraçado como eu e o Boris conseguimos demonstrar que nos amamos apenas com gesto sem precisar realmente dizer aquelas três palavrinhas, eu sempre conseguia sentir como agora. Meu peito começou a aquecer com o abraço e soltei o ar com força porque eu realmente precisava disso, precisava do meu Boris.

— Que tal um milk-shake? 

Essa simples pergunta fez meu corpo formigar e o coração pular com a lembrança. 

Gorduras boas.