No começo de Maio, eu e a Emília começamos a ter pacientes demais então não tinha mais nenhuma brecha no meio da semana. Acordar, café da manhã, trabalho, almoço, trabalho, jantar, banho e dormir. Minha rotina se resumiu a isso no mês inteiro. No final de semana, eu e minha sócia fazíamos qualquer coisa que não estava na rotina; ir ao cinema, se exercitar no parque, comer comidas diferentes e entre outras coisas como as duas vezes que arriscamos a fazer trilha.
Tinha certeza que íamos aprimorar no quesito “coisas diferentes a se fazer no final de semana sem se matar”. Era questão de tempo e prática. Enfim, com essa correria que se instalou na minha vida, acabei me distraindo totalmente de qualquer pensamento que não fosse trabalho e eu mesma.
Até o interfone tocar.
— Pode o deixar subir — eu digo ou é o que meu coração queria realmente dizer.
Não fiz questão de arrumar a pequena bagunça que se estabelecia no meu apartamento toda semana, eu sempre limpo de sábado e hoje é quarta-feira. Não sou virginiana e realmente não me importa que vejam minha bagunça ainda mais uma pessoa tão.. Íntima.
A verdade era que eu estava inventando diversas desculpas na minha cabeça para parecer despreocupada na frente dele como se eu nem tivesse me declarado para ele há uns meses atrás.
— Está aberta. — Berrei assim que ele bateu na porta.
Fui ao quarto apenas para trocar meu pijama curto afinal não queria demonstrar que queria tentar ele ou algo do tipo. Longe de eu participar de uma traição, logo eu, a traída do ano.
— É.. Oi. — Ele disse assim que entrou.
— Oi, tudo bem? —Perguntei logo porque só de olhar seu rosto apertou meu coração.
— Você sabe que não. Cada mensagem que mandei você me ignora e isso me destrói. Você faz parte do meu dia, da minha vida e não tem o direito de simplesmente sair dela quando quiser.
Eu não esperava nem de longe que ele iria falar essas palavras como se me desse um sermão. Ele estava me dando uma bronca.
Quando o cara que eu amo virou minha mãe?
— Boris, eu precisava de um tempo..
— Quando você estava com o Heitor, eu fiquei do seu lado mesmo depois de eu dizer que eu te amo. — Seu rosto estava vermelho e seus punhos cerrados.
Isso acontecia quando o assunto Heitor fazia parte do diálogo.— Eu não sou você. Não tenho que fazer o que você fez por mim porque não sei simplesmente ignorar tudo e sorrir pra você dizendo que está tudo bem. E também eu sou uma confusão! Estou uma confusão. Você estava certo do que sentia e eu demorei um pouco porque enterrei o que sentia por respeito a você também, e mesmo assim permaneci do seu lado. — Minha voz já não estava baixa e controlada. — Posso não ser tão clara com os meus pensamentos e sentimentos as vezes, mas uma coisa que não sei fazer é fingir mesmo sendo essa confusão. Então não. Não está tudo bem, Boris. Eu quero te ver feliz só que isso aqui que está acontecendo não vai facilitar. Eu sei que não quer machucar a Rebeca e isso é mais uma coisa que me faz te amar mais e respeito sua decisão. Agora está na hora de você respeitar a minha.
— Eu terminei. — Ele anuncia e rio sem dar importância alguma ao que ele diz.
A expressão rindo de nervoso nunca foi tão bem expressada por mim.
— Pelo amor de Deus, para de me iludir. Sai da minha casa, me deixa sozinha. Eu não quero lidar com mais confusão além da minha. — Meu choro formava um enorme nó em minha garganta.
Eu queria gritar e ficar sozinha.
— Fefe.. — Ele me chama pelo apelido que me deu e o nó em minha garganta aperta ainda mais umedecendo os meus olhos. Por favor, não. — Eu sei que sofreu demais e que tudo aconteceu em menos tempo do que esperava e é intenso demais. As coisas sempre foram intensas demais entre nós. Você não pode negar isso. — Eu neguei com a cabeça porque Boris sempre foi um assunto intenso para mim e mesmo sabendo não queria dizer que falaria sobre isso. — Me deixa cuidar de você, de verdade agora.
— E a Rebeca? — É o que eu consigo perguntar.
— Ela é uma boa garota que merece alguém que a ame de verdade. — Ele soa sincero, conhecendo-o bem sabia que queria dizer que não a amava. — É. Eu nunca a amei, eu gostava dela e da sua companhia, quem sabe podia amá-la um dia, mas eu sempre amei você.
— Boris..
— Diz um motivo para nós não acontecer agora.
Eu nego com a cabeça mais uma vez e as lágrimas começam a escorrer em meu rosto. Esses dias sem ele foram bem mais difíceis do que depois da descoberta da traição de Heitor.
Eu amei o ex, eu sei disso e não nego. Doei tudo que eu tinha para fazer dar certo, aquele tipo de amor altruísta, porém não foi tão recíproco e doeu ao entender isso, doeu demais, mas eu tinha o meu maior apoio ainda. Eu tinha Boris, aquele que literalmente estava em todos os momentos em que o Heitor não estava, que era a maior parte do tempo como a minha colação de grau e baile de formatura que alguma criança podia realmente estar precisando do Doutor Heitor ou não. Nunca saberei a verdade e nem quero.
Todos esses anos eu e Boris permanecemos um na vida do outro como nunca imaginávamos que alguém permaneceria e esse nosso relacionamento foi intenso desde o começo de tudo. Desde o primeiro latido para sua apresentação até esse momento. A prova disso é ele aqui me abraçando enquanto eu choro por todos esses anos que ficamos nos encontros dos nossos desencontros e não nos demos o verdadeiro sentimento que temos.
— Então essa é a nossa vez? — Minha pergunta saiu como um sussurro porque minha voz está fraca por causa da força do choro.
— Essa é a nossa vez. Eu estava procurando alguém que me completa, mas na verdade eu precisava de alguém que me transborda e esse alguém é você. — Ele colocou uma mexa do meu cabelo atrás da orelha como naqueles filmes ridiculamente românticos e completou com mais uma dose: — Já sabia disso algum tempo, mas você não estava pronta para saber.
— Acho que estou transbordando agora. — Tento fazer uma piada em relação ao meu choro.
Claramente desesperada.
— Ah! — Ele ri percebendo a minha situação. — Sim, definitivamente. — Seus lábios beijam minhas lágrimas, calmamente.
Depois de anos, Boris me toma como definitivamente sua enquanto meus sentimentos transbordam mais uma vez por ele.
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Alguém que te transborde (Completo)
Short StoryMaria Fernanda se encontra em um novo mundo. Depois de cinco anos se doando alguém, descobre que essa pessoa se doava para ela e mais algumas outras, muitas. Juntando os cacos para ir em busca da sua vida. Viver sozinha parece algo tenebroso no com...