Alguém que te transborde (Completo)

V

Eu não fico uma bêbada triste, muito pelo contrário quando fico bêbada o que eu mais faço é falar! E não é necessário chegar a um ponto extremo de bebida no meu corpo, só o estado alegre já começou o despejar as verdades guardadas. E às vezes era melhor ter deixado bem enterradas mesmo. 

— Você falou pro Boris do Heitor? — Emília indagou colocando mais vinho tinto em sua taça.

Deveria ser a oitava taça sem contar os shots de tequila que viramos. O lado emocional do meu cérebro falava: nós merecemos e estamos seguras no meu apartamento, enquanto o lado racional dizia: vai dar merda. 

— Falei... Ele ficou mais puto com o Heitor do que ele já era. — E eu sorri com a lembrança. — Falar com o Boris depois de estar tanto tempo com alguém me fez lembrar como nos conhecemos e o que aconteceu na época.

 O jeito que eu falei soou meio melancólico quase como se eu quisesse viver aquilo de novo. E isso estava fora de cogitação porque eu teria que viver tudo com o Heitor novamente. 

Jamais.

— Vocês são ótimos juntos — ela começou então fez uma pose teatral esticando os braços ao completar: —  quase como se emanasse que tudo é possível. - As palavras da Emília já começavam a não ter sentido algum então eu dei um chocolate a ela. 

Destilados + doce. 

Aprendam.

— Nem tudo é possível. Ele está namorando aí que tudo se torna impossível. — Confessei sem cogitar o filtro antes de falar, que eu normalmente usaria.

— Ah, amiga, desculpa, mas dá pra perceber como ele olha pra você. Naquele dia que foi te buscar. — Ela apontou para mim como se fosse culpada de algo. — Dúvido que ele olhe para essa namoradinha como ele olha pra você durante esses cinco anos. — Um balde de esperança foi jogado em mim a partir daí.

Neguei rápido com a cabeça e peguei a taça da mão dela, virei terminando o último vinho que tínhamos. Sem cabimento pensar nisso. Não, não e não mesmo! 

— Não me iluda. Ele está feliz e é isso que importa. — O olhar da Emília ficou grudado no meu, eu sabia o que ela queria dizer com aquilo. — Precisamos de mais um shot urgentemente.

Depois de amanhã lidaria com isso afinal já eram cinco da manhã. 

Resolvemos assistir O Diário de uma Paixão. Claro. Chorei três vezes. Três vezes!

Com o coração tomado pelo romantismo, minha cabeça começou a rever tudo o que aconteceu em minha vida nesses últimos quatro meses. Primeiro o término depois descobrir que fui traída acabei me descobrindo ainda mais, resolvi me conhecer e isso ocasionou o desenterramento de sentimentos a muito tempo enterrados. 

Realmente sem filtros agora. Quando Boris me disse que não queria nada sério comigo antes de conhecer Heitor optei por soterrar os meus sentimentos por ele. Não era uma paixão avassaladora que iria me fazer ficar na cama lamuriando pela minha vida. Ele avisou antes que qualquer sentimento forte realmente brotasse, mas o ponto é que esse sentimento foi se aflorando aos poucos sem eu perceber, cada momento que vivemos —  e isso mesmo que eu estivesse com o Heitor — fez com alimentasse aquela pequena semente que foi soterrada. Sim, eu amei o Heitor naquele momento. Mas não impediu de que um sentimento só do Boris nascesse em mim e que florecesse agora. 

Em um momento, que eu julgava ser maravilhoso resolvi ir escrever um texto dizendo tudo o que me coração parecia bombear, agradecendo enormemente por esses anos e às vezes lembrando de algum momento nosso como o que eu tinha escondido tão bem esse sentimento.

Me exaltei assim que minha mãe começou a me ligar, o que me deu tempo o suficiente para entender a grande merda que estava fazendo! Meu celular pareceu concordar ao travar enquanto apertava o botão de desligar repetitivamente a fim de deletar aquela mensagem agora mesmo. 

Uma travada, vários cliques impacientes em vários lugares com a tensão do momento para que o celular apenas apagasse todo o texto escrito… Lido!

Tentei ligar desesperadamente para ele, mas nada. Caixa postal. Precisava explicar para ele que era um engano, um pensamento causado pelo álcool e nada mais. Uma grande mentira inventada… Como eu poderia explicar isso para ele? Onde eu estava com a cabeça para ser simplesmente egoísta de expressar algo tão escondido como isso? Ele não merece isso. Não mesmo.

Como a melhor opção enviei um “desculpe” e me afoguei em mais um shot.