capítulo seis

434 107 7
                                    

❝ Is there a way back? Nobody knows

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

❝ Is there a way back? Nobody knows.❞

Meus pés se agitavam no ar de forma impaciente sentada atrás do balcão do caixa. Era difícil mantê-los fora do chão já que eu era bastante alta, mas conseguia o suficiente para poder chutar a madeira maciça no ritmo das batidas da música em meus fones de ouvido. Gostava da sonoridade que a banda ¹Hollow Coves trazia em cada álbum, e como suas letras me faziam viajar em lembranças ao lado da Culture Club. Talvez Hunter ainda pudesse reunir todos os integrantes para uma última apresentação.

Minha cabeça estava longe da loja naquele momento. Eu repassava de modo quase robótico o convite de Hunter para voltarmos ao Pappy's, me agarrando a margem da nossa amizade. Nem mesmo anos de distância pareciam ter feito diferença para o espaço vazio em meus pensamentos, para onde eu sempre voltava quando me perdia em imaginar cenas improváveis. Sobre o que nós conversariamos daqui a pouco? Tudo seria estranho como havia sido no ginásio da Sain't Mary? Será que precisaríamos retornar ao ponto inicial da nossa amizade, há quase dezessete anos atrás? Ou tudo pareceria como se nunca tivéssemos nos separado? Essas e outras perguntas me deixavam levemente tonta e preparavam meu corpo para o que viria pela frente quando, enfim, estivéssemos cara a cara.

A hora parecia passar lentamente no relógio brilhante da tela do computador, provavelmente como uma forma de tortura. Cada minuto que passava, cada interação que eu tinha com meu pai ou com os clientes que apareciam em busca de alguma ferramenta, eram as únicas formas de desviar a atenção do relógio e focar em outra atividade. Torcia para que Hunter chegasse logo, não porquê estava desesperada por sua presença, mas porque precisava me sentir agarrada novamente a Lincoln como era antes de sua ida para Cleveland. Me sentia um parasita sugando a energia dos meus pais cada dia que passava despertando mais um dia em meu quarto. Talvez Hunter pudesse me dar motivos para continuar gostando, mesmo que minimamente, daquela cidade.

Como se lesse minha mente, do lado de fora da loja, enquanto o céu começava a se fechar anunciando mais uma noite de chuva após um dia ameno de sol tímido, o moreno acenou para mim usando uma touca nos cabelos. Meu pai agiu primeiro do que minhas pernas conseguiram obedecer, e foi logo na frente para abrir à porta de vidro que sempre ficava encostada. Era um costume fechar as portas desse lado de cá dos Estados Unidos. — Hunter! Fico muito feliz em vê-lo de novo na minha velha loja. — cumprimentou meu pai de forma animada, com sua voz alta que facilmente seria ouvida até do outro lado da calçada. Gargalhei baixo enquanto saía do banco de madeira atrás do balcão e tentava dar um jeito em meu cabelo preso numa trança.

— Velha? Essa pintura aqui, para mim, é nova em folha. — retrucou Hunter, apontando para a cor cinza das paredes ao redor. Realmente, antes de sua mudança para Ohio, a loja mantinha uma cor azul nas paredes. Meu pai e eu levamos alguns dias para pintar aquele cinza chumbo em todos os cantos.

— Se você acha essas paredes novas, deveria ver as prateleiras móveis que eu coloquei no depósito. — Quando percebi que meu pai não pararia de falar se eu não salvasse Hunter de sua alegria, passei a jaqueta azul por meus braços e caminhei até eles para dar fim ao papo. — Se quiser ir lá dentro comigo, te conto tudo.

— Pai. Deixe o Hunter respirar. — abracei seus ombros e depositei um beijo contra seus cabelos lisos. Poderia deixá-lo bater papo em outro momento, quando não estivesse ansiosa para dar uma escapada das minhas funções. Precisava saber até quando Hunter ainda conseguiria mexer com meus sentimentos, e não seria numa loja de materiais de construção que isso iria acontecer. — Ele é quase um turista em nossa cidade novamente. — me virei para Hunter, sendo encarada por ele automaticamente. Não sei se ele estava estranhando algo em meu rosto ou talvez a camisa do uniforme da loja por baixo da minha jaqueta, mas seus olhos percorreram da ponta dos meus cabelos até a altura das botas em meus pés como se me analisasse.

— Vocês vão precisar do carro para alguma coisa? — meu pai já começava a estender a chave da caminhonete em minha direção, quando a voz de Hunter tomou frente.

— Na verdade, estava planejando que fôssemos de ônibus. Como nos velhos tempos. — Ele sorriu agradecido para meu pai, e depois voltou a me encarar. — Vamos?

Larguei os ombros do mais velho ao meu lado e lhe direcionei uma piscadela, antes de acompanhar o moreno porta à fora na direção da calçada. — Bebam com moderação! — brincou ele, enquanto começávamos o percurso até o ponto de ônibus mais próximo dali, que se encontrava ao final da rua principal.

Por alguns segundos, o silêncio entre nós reinou de forma incômoda. Eu não seria a primeira a dar início a uma conversa naquela altura do campeonato, então esperei que ele tomasse a atitude de dar o primeiro passo a uma conversa sem precisar de mim. Eu precisava me esforçar para não dar o braço a torcer tão fácil assim, mesmo que ele já estivesse torcido desde à noite do encontro no colégio.

— E então — começou, de forma amigável. — Como ficou tudo por aqui, nesses cinco anos? — Ele me olhava de soslaio enquanto caminhávamos calmamente. Uma vontade repentina de gargalhar da sua pergunta tomou conta do meu corpo, mas eu a retive apenas abrindo um sorriso irônico.

— Lincoln continua a mesma, como pode ver. Eu continuo a mesma. — fiz um gesto apontando meu corpo e soltei uma careta. Era preciso quebrar o clima, e eu não gostava de ficar desconfortável numa conversa, mesmo se tratando de uma conversa com Hunter James.

— Lincoln realmente continua a mesma coisa, já você... — a frase morreu no ar, e foi levada pelo vento que dançava a nossa frente. O olhei esperando que continuasse sua observação sobre a minha pessoa. — Você está ótima. Mais alta, bonita. Não sei em que momento você se tornou uma mulher adulta, e eu um homem adulto. — Ele riu, nervosamente, e coçou os cabelos por cima da touca, como havia feito no ginásio quatro noites atrás.

— Provavelmente quando o ensino médio terminou.

— Provavelmente. — concordou.

Para mim, aquela observação atingiu um ponto trancado dentro do meu cérebro, me transportando para a nossa última noite novamente. Talvez para ele não tenha sido aquele o momento de transição da adolescência para a nossa forma adulta, mas era claro para a minha versão atual como ter dormido com Hunter havia sido um divisor de águas. Após sua passagem por meu corpo, poucos também tiveram essa chance.

— Robbi! O ônibus! — fui puxada dos meus devaneios pelo grito do moreno, que já estava correndo pela faixa de pedestres que nos separava do ponto de ônibus. — Vem! — apressei meu passo gradativamente, correndo brevemente até alcançar o ponto onde o ônibus estava parado graças a Hunter, que segurava a porta à minha espera.

Agarrei sua mão e com um impulso, subi pelos degraus entregando o valor da passagem nas mãos do motorista. Por pouco, o ônibus que nos levaria até o bar que tanto frequentávamos na adolescência não nos deixava para trás. — Essa foi por...

— Muito pouco. — Seus lábios terminaram a frase que eu havia começado, enquanto nos jogávamos contra os bancos vermelhos aos fundos do ônibus. À medida em que a rua comercial foi sendo deixada para trás e as luzes da cidade eram acesas com a chegada da noite, eu não conseguia desviar a atenção do olhar de Hunter em meu rosto, mesmo que eu encarasse a janela aberta.

Aquela noite seria uma das mais longas para a minha sanidade.

• • •

A música que tocou no capítulo:

¹Hollow Coves — The Woods
https://youtu.be/2Q466ZPyNAo

A Todos os Amores da Sua Vida - RETORNO EM BREVEOnde histórias criam vida. Descubra agora