Não sei por que ele não para de sorrir para mim!

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Recebi aquela correspondência avisando sobre o falecimento da minha avó. Nunca tive contato com ela, com exceção da época em que ainda morava na sua casa junto com a mamãe. Depois disso, nós nunca mais nos falamos. Ouvi boatos de pessoas próximas mencionando que ela estava cada vez ficando pior com os seus problemas, já não sabia mais quem era ninguém e o seu quadro clínico era ficar na maior parte do tempo internada.

Sinceramente, nunca tive motivos para choramingar, pois eu já havia perdido os meus pais tão cedo e me tornei um adulto acostumado com esses tipos de tragédias na família. É claro que levei em consideração que em seu falecimento era uma velha com seus quase oitenta anos, certamente viveu o suficiente. Bem, voltando ao assunto, eu havia recebido a correspondência falando sobre sua morte e eu precisava voltar para minha cidade de infância com o objetivo de assinar alguns documentos. Ela não deixou nada além da sua velha e grande casa, foi a única coisa que ganhei em toda minha vida.

A nostalgia bateu forte enquanto eu estava carregando uma mochila pesada no meu ombro direito e observando os bairros, o parque onde brincava com meu melhor amigo, as casas as quais estão todas destruídas pelo tempo, tudo parece diferente e, da mesma forma que eu envelheci, parece que tudo decaiu junto com o passado. Com certeza não foi difícil encontrar a decrépita casa da vovó, o seu quintal com aquelas duas árvores grandes ganhava destaque por causa do tamanho com um casarão para um bairro tão pobre. Estive navegando em meus pensamentos por alguns minutos, caminhando e me aproximando até que observei para a moradia da frente... Toda minha atenção foi roubada para o que eu estava olhando.

As pessoas estavam com roupas pretas, amontoadas e algumas no quintal, senhoras e senhores, conversas solenes e murmuradas. De repente, senti uma sensação estranha, aquele mesmo sentimento quando você começa a achar que toda a ardência do seu corpo foi roubada por um sentimento de gelo anavalhado. Foi estranho, desde o momento que ignorei o meu objetivo e aproximei-me mais um pouco da moradia, como se não quisesse nada. Percebi, próximo da porta de entrada, um caixão pequeno. Considerei, comigo mesmo, se poderia aproximar mais, porém não desejei causar nenhum tipo de irritação para aquelas pessoas que não me conheciam na região. Enquanto estava dobrando os meus pés para sair, observei uma criança aparecendo no meio da multidão e aproximando-se de mim.

Aparentemente, ignorado, quase como uma penumbra no meio daquela multidão, ele foi arrastando-se entre os pés e foi aproximando da minha direção. Desenhou no rosto um olhar curioso e espantado. Dei alguns passos para trás, incomodado com a figura daquele garoto estranho, olhando para mim. Finalmente parou, reparou com mais atenção e deu um sorriso... mesmo com aparência triste, ele estava rindo. Fui distanciando e observando aquele menino olhando em minha direção com o mesmo sorriso no rosto até que eu entrei na casa, após forçar a chave umas três vezes para que a fechadura velha abrisse e me tranquei.

Foi uma sensação inquietante e desconfortante. O mesmo calafrio, desde que pisei no meu bairro de infância, parece me perseguir. Coloquei lenhas na chaminé e usei casacos, mas não consigo parar de sentir a mesma abominação de frio extremo. A casa estava empoeirada, móveis coloniais. O sentimento de melancolia ficou ainda maior quando olhei para as escadas, os quartos e suas portas. Apesar do tempo, recordei a época em que chegava do colégio com os meus amigos para brincar, o meu melhor amigo se escondendo dentro dos cômodos e eu o procurando. Os momentos bons de infância parecem que foram as únicas coisas boas que sobraram.

Mais tarde, saí para encontrar algum lugar para que eu possa comer. Já havia dormido no sofá por causa da viagem e a fome veio feroz, rosnando no meu estômago e doendo. Não me preocupei em trancar a porta, lembro muito bem das pessoas desse bairro, mesmo que aparentando ser um estranho na vizinhança, sei que ninguém aqui ousaria entrar na minha casa com intenções de roubar ou fazer mal.

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