DEPRESSÃO

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O tempo estava ameno largando fogo e algum vento, Luciana Vendeta fitava o horizente com o rosto macambuzio. Sentia‑se perdida, o pensamento desvairado, lembrando todo infortunio que se infiltrou na sua vida, perdida naquela praia, lagrimava e sussurrava com o destino atroz. já não tinha o doce encanto das semanas anteriores e voltou a colher a solidão. Tudo era vago, tudo era triste e sem cor, a vida era uma cilada, uma alma penada num eco de tristes gargalhadas. As ondas rebentavam violêntas e indignadas com aquela nuvem de cinzas que pairava sobre ela, pedaços do abismo pintavam a outra parte do quadro paisagistico.

Ignorando a candura habitual do mar, Luciana encolhia‑se como um mendigo pedindo esmola a vida, reclamando alguma bondade aos céus e a Deus para desprender‑se de tudo. Seria tão simples, seria tão facil se pudesse rasgar aquela pagina e come‑ çar denovo, mas no livro da vida as paginas tinham que ser lidas uma a uma com a mesma motivação e determinação.

Queria conversar com os seus pensamentos, mas estava per‑ dida naquele turbilhão. Decidiu não contar nada a Meiying, para ter certeza de que não seria incomodada.

Carregou consigo uma cafeteira termica cheia de café para lhe fazer companhia na meditação, tudo era muito calmo por ali e apenas o murmurio das andorinhas tentava cortar o fio de silêncio, mas não o suficiente para distrai‑la.

Ligou o ipod e decidiu relaxar ao som de uma opera, era a melhor terapia que encontrava para desafiar a solidão. Tentava relaxar os musculos com gestos lentos inalando algum ar puro, mãos que dançavam a um ritimo doce e solitário. Um choro leve nascia dos seus olhos pesados com a violência do destino, era como se o seu espirito não estivesse ali e o corpo uma marioneta que recebia instruções de algo invisivel.

Numa posição de lotus, começou a entrar em soluços expul‑ sando seus males para o mar.


Seus pais reagiram muito mal diante da sua pessima condu‑ ta, quando decidiu convidar Daniel para passar consigo aquela noite trágica, as coisas certamente iam mudar e toda confiança depositada nela começava a esmorecer. Porém tinha noção de que errou muito e que seus pais estavam certos.

Luciana Vendeta era uma sombra esguia. Perdida num mar de emoções, sentia‑se revoltada com Deus e com o mundo, a primeira vez que provou o sabor do amor, foi mais azedo do que o sabor destruidor de uma taça com vinagre, a opera seguia em seus sentidos dispersos como um velório. De repente, abriu os olhos num gesto de rebeldia, mas aquele eco atroz a invadia sem tréguas fazendo‑a retesar.

Serviu café para ganhar alguma lucidez, enquanto servia ob‑ servava o rugido das ondas, fios de sol que pintavam o horizonte anunciando o romper do dia. Chegara ali de madrugada porque queria ver o sol nascer.

O nascer do sol é um ritual com linhas de eternidade, espe‑ rava que essa condição especial do sol a atingisse e quebraria todo enguiço. Mas não tivera a mesma benção do sol e aquele escapismo não seria eterno. Aquele escapismo não seria tão su‑ premo como uma borracha que apaga nossos erros ortograficos. Saboreou aquela caneca como alguém sedento pelo nectar da paz e depois cruzou os braços. Veio uma corrente quente que se desfez a beira da praia e iluminou seu rosto pungido de soleida‑ de muito por culpa de toda veleidade que vivera ardentemente, queria ler e absorver alguma coisa que a distraisse mas se esque‑ cera de um livro. Fugir não era a solução ideal e sobre a luz que pintava a beira mar decidiu caminhar. Caminhava para molhar os pés, para abençoar seu corpo, para banhar o seu calcanhar de aquiles que lhe arrastou para a noite de volúpia.

A melodia era cada vez mais triste e já não lhe apetecia con‑ viver com aquele funeral. Desligou a musica e tentou correr para expurgar todo mal mas rapidamente fora vencida pelo cansa‑ ço. Esgotada e a transpirar muito ajoelhou‑se na areia umida desalinhada.

Estava na hora de partir para casa, começar de novo, com‑ bater a hidra e alcançar a sua total libertação daquela prisão emocional. Tirou as sandálias que estavam cheias de areia e


decidiu caminhar descalça. Decidira fazer um caminho mais lon‑ go, apenas queria ter a certeza de que ia demorar a chegar em casa e que encontraria a casa silenciosa para não ter de sentir‑

‑se rejeitada com todo pesar. Com o rasgar das nuvens, algumas pessoas começavam a chegar e a dar vida a praia fazendo os seus exercicios matinais. Muito soturna quase nem ouvia o barulho de alguns cães que estranhavam o rebentar das ondas e se pu‑ nham a latir perdidamente, encostou‑se a beira da praia e parou para molhar o rosto cansado.

Olhou para a carteira e conferiu se ainda tinha as chaves do seu lamborghini miura, e pôs‑se a admirar com todo aquele luxo, as joias, os carros, as loucas viagens e as roupas caras não eram capaz de aliviar a sua dor. Ela tinha todos bens materiais que uma rapariga na sua idade podia desejar, o amor incondicional dos seus pais também, mas perdera o seu avô.

Perdera o seu avô que era o seu heroi, aquele sentimento de culpa era uma gargalhada do diabo a rir dentro da sua alma, todas as riquezas que possuia eram apenas coisas sem impor‑ tância porque não podiam nem tinham a força para trazer o seu avô da mansão dos mortos.

Apressou‑se para chegar ao seu belo automóvel, aquele con‑ forto e toda a sua luxuosidade não a animavam nem a faziam sentir‑se feliz, fitando o céu enxergava Deus num rosto des‑ denhoso para ela. Sabia que não era bem assim mas sentia‑se abandonada pela sorte e por Deus. Partiu sem rumo esperando encontrar naquela viagem alguma alegria ou algum momento de paz mas tudo era dificil em seu caminho e por pouco não teve um acidente. Valeu a concentração de outro condutor que evitou o pior, concentrou‑se pedindo desculpas e estava decidida a voltar para casa e enfrentar seus problemas. Luciana Vendeta perdera todo brilho de outrora...

***

A casa estava vazia quando chegou, apenas Meiying vagueava pela cozinha preparava alguns petiscos para as pessoas que che‑ gariam para o velório. Correu as cortinas do quarto e jogou‑se na cama exausta do passeio matinal, exausta de tudo que acon‑ tecera e ficar cansada podia ser uma solução. Ao menos podia


cair num sonho profundo e mais uma vez fugir a todos males que lhe incineravam, que teimavam em arrasta‑la ao abismo. Os pés cheios de areia faziam‑lhe muita confusão, gostava do cheiro do mar e tudo que estava ligado ao mar, mas não lhe agradava deitar‑se assim e entregou‑se ao chuveiro. Gotas que limpavam seu semblante, mãos estranhas que esfregavam seu corpo, tera‑ pia contra o mal procurando paz e relaxamento total. O banho lhe dera alguma força, mas a cama a convidava para mergulhar em outro mundo, vestiu o seu pijama de flanela, espreguiçou‑se, penteou os seus lindos cabelos e depois aplicou um creme a sua linda pele para relaxar seus musculos. No espelho estranhou a bandeja atrás dela e sorriu com os ovos estrelados, torradas e bacon. Sorriu para o espelho. Abanou a cabeça e sabia que não conseguiu escapar os olhos rasgados de Meiying. A verdade e que estava esfomeada, o cheiro e a gula falaram mais alto e agra‑ deceu por ter alguém que se lembrava sempre de si e continuava a acudi‑la.

Repousou a beira da cama e começou a degustar todas aque‑ las coisas deliciosas. Meiying era uma cozinheira de mão cheia, tinha arte e sabia misturar sabores orientais com ocidentais na perfeição e foi o que encontrou num molho chinês e algumas coisas deliciosas. Sorria enquanto comia, alguém encontrou um motivo para faze‑la sorrir. Aquela mistura de sabores conseguiu agir como um balsamo tocando o seu paladar e arrancar alguma emoção positiva. Depois de comer, sentia‑se um pouco melhor e preparada para embalar num sono profundo e entretida com um livro fez a digestão deixando‑se apagar docemente na sua cama. Luciana Vendeta tinha que ressuscitar.

o assassino de corações - Falsa SubmissãoWhere stories live. Discover now