— Aquela velha indesejável Rachel Lynde veio aqui hoje novamente, importunando-me para que contribuísse com a compra de um novo carpete para a sacristia – disse o irado Mr. Harrison. — Eu detesto aquela mulher, mais do que qualquer pessoa que conheço. Ela consegue condensar um sermão completo, com texto, comentário e aplicação em meia dúzia de palavras, e arremessá-lo contra você como um tijolo!
Anne, que estava sentada na beirada da varanda naquele cinzento entardecer de novembro, desfrutando do suave encanto do vento oeste que soprava pelo campo recém arado e assobiava uma extraordinária melodia por entre os pinheiros retorcidos atrás do jardim, virou o rosto sonhador por cima do ombro.
— O problema é que o senhor e Mrs. Lynde não se entendem – ela explicou. — Sempre é este o caso quando as pessoas não gostam uma da outra. Eu também tive meus problemas com Mrs. Lynde no princípio, mas aprendi a gostar dela tão logo comecei a entendê-la.
— Pode ser que o jeito de Mrs. Lynde satisfaça o gosto de algumas pessoas, mas eu não continuaria comendo bananas só porque me disseram que aprenderia a gostar delas se o fizesse! – rosnou Mr. Harrison. — E, quanto a entendê-la, entendo que é uma intrometida incorrigível, e eu disse isso a ela!
— Oh, deve tê-la magoado profundamente – disse Anne, em tom de repreensão. — Como o senhor pôde dizer uma coisa dessas? Eu disse coisas terríveis à Mrs. Lynde, muito tempo atrás, mas apenas porque estava fora de mim. Não conseguiria falar nada assim de forma deliberada.
— Eu disse a verdade, e acredito que a verdade deve ser dita a quem quer que seja.
— Mas o senhor não disse toda a verdade – objetou Anne. — Disse somente a parte desagradável da verdade. Ora, o senhor já me disse uma dúzia de vezes que meu cabelo é ruivo, mas nunca disse que tenho um nariz bonito.
— Atrevo-me a dizer que a senhorita sabe disso sem que seja necessário qualquer comentário sobre o assunto – zombou Mr. Harrison.
— Eu também sei que tenho o cabelo ruivo, embora esteja bem mais escuro do que costumava ser... então, não há nenhuma necessidade de ressaltar essa característica também.
— Está bem, está bem. Vou tentar não mencioná-lo de novo, considerando que a senhorita é muito sensível. Deve me perdoar, Miss Anne. Tenho o hábito de ser franco, e as pessoas devem ignorá-lo.
— Mas não há como ignorá-lo. E não creio que seja de alguma serventia dizer que é um hábito. O que o senhor iria pensar de alguém que andasse por aí espetando os outros com agulhas e alfinetes, dizendo: "Oh, perdoe-me, não dê importância a isso... é só um hábito que eu tenho"? O senhor pensaria que era um louco, não é? E quanto à Mrs. Lynde ser intrometida, talvez ela seja. Entretanto, o senhor também disse que ela é uma senhora que possui um coração muito generoso e que sempre ajuda os pobres? E que ela jamais proferiu uma palavra sequer quando Timothy Cotton furtou um pote de manteiga de sua leitaria, e mentiu à esposa dizendo que havia comprado? Mrs. Cotton protestou assim que ambas se encontraram, afirmando que a manteiga tinha sabor de nabo; e Mrs. Lynde apenas respondeu que lamentava que isso tivesse ocorrido.
— Presumo que a dita senhora tenha algumas qualidades – reconheceu Mr. Harrison, de má vontade. — A maioria das pessoas tem. Eu mesmo tenho algumas que a senhorita nunca suspeitaria. Contudo, de qualquer maneira, eu não daria um centavo para esse carpete. Parece-me que as pessoas daqui estão sempre implorando por dinheiro. Como está indo o seu projeto da pintura do Salão de Avonlea?
— Esplendidamente! Tivemos uma reunião da S.M.A. na noite da última sexta-feira, e descobrimos que arrecadamos dinheiro suficiente para pintar o salão e cobri-lo com telhas de madeira também. A maioria das pessoas doou generosamente, Mr. Harrison.
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Anne de Avonlea | Série Anne de Green Gables II (1909)
Teen FictionObra da canadense L. M. Montgomery.