CAPÍTULO TRÊS

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CAPÍTULO TRÊS – IDADE 15 ANOS – PASSADO
 

— O que você vai fazer sobre isso, Florence?

Havia formigas andando pelo estômago de Florence.

Ela sentiu o desejo de vomitar todo o café da manhã, desejou não ter comido as panquecas com mirtilo, mas a empolgação de ter sua mãe fazendo um esforço especial para prepará-las havia sido suficiente para Florence esquecer temporariamente o que tinha testemunhado na noite anterior. Seus órgãos pareciam grandes demais para caber em seu corpo, ou pelo menos era assim que ela se sentia. Seus dedos apertaram o pulso, tentando soprar uma veia, não seria ótimo? Isso resolveria todos os problemas.

Os ponteiros do relógio batiam como um martelo raivoso em seus ouvidos vermelhos pelos olhares. Os dedos se curvaram sozinhos na alça da mochila, como se algo estivesse pressionando sua garganta, o suor se formava nas costas e prendia no suéter verde. Ela adorava aquele suéter, mas sabia que, mesmo depois de lavá-lo, os vestígios de angústia não iriam embora. Sua covardia estava inarredável no tecido, era mais fácil simplesmente jogar fora e comprar outro na liquidação de verão.

Ela não conseguia pensar em nada inteligente para dizer naquele momento, além de voltar para a segurança de sua cama, de onde não deveria ter saído.
 
Florence não dormiu muito naquela noite, os carros estavam indo e voltando para a casa dos Reeds, seus faróis refletindo nas cortinas e projetando sombras inquietantes no teto do quarto. Quando o alarme marcou três horas da manhã, uma briga irrompeu do lado de fora. Não era comum, mas também não era totalmente surpreendente naquela vizinhança conturbada. Ainda assim, Florence hesitava em levantar-se e espiar pela janela, temendo o que poderia encontrar. Ela ouviu sua mãe murmurar através das paredes finas "vermes amaldiçoados" com o mesmo tom de raiva e desprezo que sempre usava ao se referir a seus vizinhos.

Ela foi na ponta dos pés até a janela, rezando para que as tábuas apodrecidas não chorassem embaixo dela.

Movendo as cortinas o mais furtivamente possível para olhar pela janela, não demorou muito para encontrar o caos instalado do outro lado da rua.
 
Havia três pessoas destacadas pela luz dos postes na calçada, mas o que realmente prendeu a atenção de Florence foi a cena que se desdobrava no gramado, coberto pela neve. Ela viu a figura de uma mulher estendida no chão, com o corpo de um homem robusto e alto segurando-a pelos pulsos acima da cabeça. A mulher lutava contra ele, emitindo rosnados de resistência, enquanto ao redor, as outras pessoas pareciam indiferentes, cruzando os braços e desviando o olhar para qualquer outro lugar.

Pinwood estava sofrendo naquela época do ano, a neve cobria todas as entradas e era necessário limpá-las antes de partir. As folhas das árvores congelavam como cristais e o ar frio tornava-se visível com a fumaça branca que saía durante a respiração. Mas Florence sabia que, naquela situação, diante de seus olhos, a nuvem de fumaça não era apenas um sinal do clima gelado. Ela reconheceu após alguns segundos: charutos. Eles eram um sinal distintivo das gangues cubanas que operavam no oeste da cidade, pois apenas eles tinham acesso ao tabaco caro. Não era algo relacionado aos Reeds, até mesmo a palavra parecia muito peculiar, muito chique.

Florence não precisou pensar muito para reconhecer a mulher caída no chão, rugindo como um porco prestes a ser abatido: era Dixie, a mãe de Racer. Ela era alta, com um corpo desajeitado que parecia prestes a quebrar, os ossos quase perfurando a pele. Seu cabelo loiro contrastava com a neve, pintando-a com um tom dourado. Quando o homem ergueu o punho diretamente para o rosto dela, Florence observou horrorizada o sangue jorrar violentamente, penetrando na alvura.

A pergunta ecoava em sua mente: por que ninguém estava ajudando? Onde estava a senhora Bennet, que costumava ficar na janela e ligar para a polícia ao menor sinal de problema? O silêncio e a inação da vizinhança pareciam ainda mais perturbadores diante da brutalidade da cena diante de seus olhos. A ideia de chamar sua mãe despertou em um canto de sua mente, mas conhecendo Louise e seu desprezo pela família, soube que seria inútil. Sua mãe provavelmente arrastaria uma cadeira e assistiria tudo com um sorriso fincado no rosto anestesiado.

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⏰ Última atualização: Jun 06 ⏰

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