Lucas iria embora no dia seguinte, ele dissera que tinha reservado uma passagem para algum lugar perto da Califórnia, mas não disse exatamente onde era. Eu me sentia estranho quando alguém dizia aquela palavra perto de mim.
E claro que antes de ir embora, ele arrumaria convites para festa. Na verdade ele sempre arrumava, eu não sabia como, mas ele arrumava. Talvez fosse por sua beleza ou seu charme, o que eu sabia é que eu não tinha nada daquilo.
A festa Free acontecia todo ano em um lugar diferente de Paris. Eu tinha ido somente uma vez com as amigas de Jolie, mas eu não tinha achado nada de interessante. Decidi não ir nos próximos anos. Mas naquele eu iria porque Lucas ia, nada mais.
Assim que ele me deu os ingressos da festa – pulseiras coloridas com um carimbo estranho – eu pensei em Richard. Não sabia se ele já tinha ido numa festa de Paris, e nem sabia se ele gostaria, mas eu chamaria por educação. Minha única vontade é que ele
-Você realmente vai? – Lucas perguntou escorado no batente da porta.
Fiz que sim com a cabeça.
-Lucas, você já me perguntou duas vezes. Eu já disse que vou. – falei.
Ele deu de ombros e saiu.
Depois de algum tempo pensando, resolvi chamar Richard para ir à festa. Era falta de educação não convidar.
Andei pelo corredor, bati duas vezes na sua porta e abri.
Ele estava deitado na cama, sem camisa. Estava com fones de ouvido e um livro na mão. Ele não me viu assim que entrei, mas não demorei muito tempo para me pronunciar. A cena que eu via, era melhor não observar muito. Eu sabia que ficaria na minha cabeça, mesmo eu não querendo... Tanto assim.
- Jaime. – Richard falou.
Escorei na porta do lado de dentro e observei enquanto Richard tirava os fones de ouvido e deixava o livro aberto sobre a cama.
- Oi. – falei. – Hum... Você vai na festa Free?
Ele levantou a sobrancelha.
- O que seria essa festa? – perguntou.
Dei de ombros.
- É uma festa que acontece aqui todos os anos, mas sempre é em um lugar diferente. Costuma rolar todo
tipo de coisa. Bebida, comida, tipos de pessoa. Como o nome diz, é livre. Então pode rolar literalmente de tudo. – deixei de fora a parte das orgias, ele não iria querer saber daquele tipo de detalhe. – Então, vai querer ir?
Ele pareceu pensar, mas logo fez que sim com a cabeça.
- Eu gostaria de ir. – disse.
Merda, era pra você dizer não.
Eu me aproximei com uma pulseira na mão e mostrei para ele.
- Esse é o ingresso. Agora me dê seu braço. – ele me estendeu seu braço e me concentrei em amarrar a pulseira antes de olhar para as veias ressaltadas. – A festa começa onze horas, não precisa ser pontual. Geralmente essas festas vão até de manhã.
Quando eu fui me afastar, ele agarrou meu braço.
Depois de alguns segundos eu congelei, seu toque era quente. Eu não sabia o que estava sentindo somente com aquele mínimo toque, mas era bom. Ou talvez não fosse.
Virei-me e olhei para ele.
- Obrigado. – ele disse. – Por ser gentil.
Forcei um sorriso, que logo sumiu. Eu estava meio nervoso para sorrir.
Idiota.
- Sem problemas. – falei.
- Eu sei que não estou sendo um bom hóspede então obrigado pela... Gentileza. – ele disse e largou meu braço.
- De nada. – falei e me apressei para sair do quarto.
Quando fechei a porta atrás de mim, parecia que eu tinha corrido uma maratona. Minha respiração estava ofegante e meu coração batia um pouco mais rápido. Falei para mim mesmo que eu estava bem e que era só um efeito psicológico.-----------------------------------------
A festa estava animada.
As luzes piscando e a música alta. Cheiro de vários perfumes importados misturados no ar. Gelo seco saindo das caixas de som, vários corpos se chocando no meu.
O calor humano que tinha ali fazia meu corpo quase arder em febre. O que me fez pensar em qual era a temperatura do lado de fora.
Lucas já tinha bebido mais que eu. Eu tinha dito para ele que não beberíamos tanto assim naquela festa, mas ele tinha ignorado meu comentário e continuou bebendo. Mas eu acho que não era só pela bebida que ele estava daquela forma.
Ele estava mais que bêbado, ele estava muito eufórico para alguém que estava só bebendo. O que me dava certo medo, pois ele tinha certa vulnerabilidade com drogas ilícitas, e só eu sabia como era Lucas alto. Ele não era tão legal.
Certas vezes ele chegou a ser agressivo comigo, mas pediu perdão e disse que não aconteceria nunca mais. Eu acreditei, mas sempre fiquei com um pé atrás. Na verdade eu sempre fiquei com os dois pés atrás dele, eu o conhecia bem demais para saber que uma hora ou outra, aquela bomba poderia estourar para cima de mim.
Eu olhei para ele, ele estava dançando com uma garota. Decidi que por alguns minutos eu não me preocuparia com ele.
Enquanto isso procurei Richard pela festa, ele não estava lá. Em nenhum lugar. Talvez ele já tivesse ido embora, talvez ele nem tivesse aparecido. Seria menos um problema.
Olhei para Lucas mais uma vez. Desta vez ele estava cheirando algo na mão, o que me deu um início de pânico. Ele cheirou a mão e coçou o nariz, eu sabia que nada de bom sairia dali.
Fui até ele e o observei durante alguns minutos. Ele estava alto, eu podia perceber pela intensidade dos seus movimentos. Lucas nunca era tão intenso, tão sorridente, tão... Diferente. Isso, ele estava diferente.
- Lucas. – gritei e ele olhou para mim. – Vem aqui.
Ele veio, chegou perto de mim e eu olhei bem em seus olhos. Ele estava suando, muito. Suas pupilas estavam dilatadas. Seu olhar não era o mesmo olhar focado, era um olhar perdido, como se ele não conseguisse enxergar nada, mas na verdade ele podia enxergar sim, eu sabia.
Levei-o até o balcão e pedi uma água.
Entreguei o copo para ele.
- Bebe um pouco de água. – falei. – Fique quieto por um tempo.
Ele bebeu a água em segundos. Pediu outro copo, e mais um.
- Lucas, o que você estava cheirando? Você está usando cocaína? – perguntei.
Ele balançou a cabeça.
- Lucas, eu vi. Vi você cheirando aquilo na mão.
Ele continuou balançando a cabeça.
Colocou a mão no bolso e tirou um pacote. Pedacinhos de papel. LSD.
- Merda. – xinguei. – Lucas, que merda você está pensando? Quer morrer de overdose?
Ele não disse nada.
- Olha, você vai beber água. Pode até passar mal de beber água, mas você vai. – pedi mais água e observei ele beber. – Você me prometeu que não ia exagerar. O que aconteceu?
- Me desculpe. – foi só o que ele disse.
E minha maior vontade foi de estapear seu rosto até que ele resolvesse ficar sóbrio pelos tapas, era minha única vontade. Mas eu era Jaime, o bonzinho, então eu não fiz absolutamente nada.
Naquele momento eu só queria correr e me esconder, eu sabia que seria uma noite ruim. Aquele lado de Lucas sempre me arruinava. Desde quando éramos mais novos ele fazia aquilo. Achava que não estava se divertindo o bastante e usava o que tinha ao seu alcance. Eu sempre o ajudava a sair aquilo, mas ele voltava.
Eu odiava quando o lado ruim de Lucas ficava entre nós dois. Aquele era um dos motivos pelo qual eu não amava Lucas. Pois aquele lado dele não tinha cura, e ficar com aqueles dois lados, seria como um suicídio assistido. Um suicídio do meu amor próprio.
Durante vários minutos ficamos ali, eu com raiva e medo por Lucas. E ele bebendo água sem parar ao meu lado. Ele só ficava com sede quando o nível de droga no seu corpo era muito alto, e determinado ao quanto de água ele havia ingerido... se ele dormisse ele poderia não acordar mais.
Sabia que água adiantaria somente se ele tivesse só bêbado, mas ele estava drogado. No momento água era minha única esperança.
- Lucas, eu acho melhor a gente ir embora. – falei.
Eu o agarrei pelo braço e sai puxando-o pela multidão de pessoas.
Do lado de fora o clima estava mais frio, sem o calor de tantas pessoas do lado de dentro, comecei a sentir frio.
Quando comecei a andar percebi que Lucas não estava me acompanhando. Olhei para trás e vi-o sentado no chão. Com certeza ele já estava na fase de sentir pena de si mesmo. Uma das piores fazes de Lucas drogado.
- Desculpa. – ele disse alto. – Eu menti. Eu nunca parei com isso. Eu apenas dizia que estava indo bem, mas eu não estava. Eu estava escondendo de você porque eu não queria que você fugisse de mim. Me desculpe.
Eu decidi não ter pena. As pessoas boazinhas sempre se davam mal nas histórias, e eu estava cansado de ser uma pessoa boa e me ferrar no final. Eu sempre fui bom com Lucas e ele acabava com meu psicológico.
- Sabe, por um tempo eu esqueci que você era um idiota completo. Eu esqueci que você fazia merdas que me afetavam e só por essa semana, eu fingi que você era uma nova pessoa. E não o babaca que não tinha resistência emocional. Eu cansei disso. De ficar mal quando você usa essas coisas, cansei de me sentir culpado. Você lembra como me deixou a alguns anos atrás e eu tentei te perdoar por ser um filho da puta drogado, não mais. – me aproximei dele e olhei em seus olhos. – Você pode até ser bonito, mas por dentro você é podre.
Sem que eu pudesse controlar, as lágrimas surgiram dos meus olhos. E como sempre, eu estava chorando, como um bebê. Como uma criança. Mas minhas lágrimas não eram de tristeza mas sim de raiva. E tudo que consegui fazer foi puxa-lo para um canto e desferir inúmeros tapas em seu rosto e seu peito.
Mas Lucas revidou, e doeu quando seu punho acertou minha bochecha em cheio, a queimação e o gosto de sangue foi tudo que percebi naquele único momento, então um segundo golpe, tudo girou e mais gosto metálico de sangue.
Só fechei os olhos, então senti o peso do corpo dele caindo em cima do meu. Quando abri meus olhos, vi Richard ali, suas mãos contra o rosto de Lucas, desferindo inúmeros golpes em seu rosto, assim como meu amigo havia feito comigo a poucos segundos. Mas o pânico me tomou, e tudo que pensei era que se Richard desmaiasse Lucas, os olhos dele poderiam se fechar para nunca mais abrir.
- Não. – eu gritei e tentei parar Richard com minhas mãos. – Para com isso.
Por favor.
Ele instantaneamente parou e olhou para mim. Sua feição era furiosa, ele parecia tão perigoso quanto Lucas. Mas tinha alguma outra emoção em seu olhar, compaixão não era com toda certeza. Era algo que me desafiava a perguntar o que era. Era perigoso mas ao mesmo tempo era... Proferir.
Levantei-me correndo e olhei para Richard.
- O que você fez? – perguntei ao ver o corpo de Lucas jogado no chão. – Por que foi bater nele, seu idiota. O que estava pensando? Se ele desmaiar ele morre.
Richard tentou tocar em mim, mas desviei.
- Saia de perto de mim. – falei com a voz tremendo. – Saia e não se aproxime.
Depois de alguns segundos tentando, consegui levantar o corpo de Lucas e o carregar pelo caminho de volta para casa. Meu rosto doía, eu ainda conseguia sentir o sabor do sangue.
Mas além de tudo, eu ainda conseguia ver o rosto de Richard. A forma que olhou para Lucas, a forma que olhou para mim. Doeu. Ardeu.
Eu já sabia que minha noite ia ser uma merda desde que vi Lucas cheirando aquilo na mão, agora eu estava emocionalmente e psicologicamente esgotado e acabado. Eu só queria dormir e talvez entrar em coma
Não ousei olhar para trás, eu sabia que Richard estaria me encarando. Mas eu não ligava. Na verdade eu não ligava para nada. Só liguei o suficiente para não deixar que Lucas morresse.
Liguei o suficiente para deixar que ele ficasse em minha cama, e eu no chão. Não queria dividir a cama com ele, na verdade, duvidaria que em muito tempo gostaria de dividir qualquer coisa com ele.
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Genius
RomanceJaime conhece Richard, filho de um amigo de seu pai, no começo das férias de verão de ambos. Uma irritação instantânea da parte de Jaime faz com que aquele novo hóspede, por mais indesejado que seja, seja seu divisor de águas. A mudança de comportam...