Vinte e Três

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- Então, qual foi a pior parte da viagem? – Jenifer me perguntou.
Peguei minha taça de vinho e tomei um gole, estava quente, desceu de uma forma diferente de todas as outras que eu tinha tomado. Idéia de Jenifer, que alegava ser ideia de Sean. Beber vinho quente é o mais adequado, foi o que me disseram.
Enquanto eu sentia o vinho descer pela minha garganta, parei para pensar na pergunta feita e na minha resposta. E eu me enganei em pensar em dizer que seriam todas as lembranças, pois não. Elas tinham sido a melhor parte de tudo, mesmo que as vezes dolorosas, elas eram necessárias.
- Dizer adeus pela segunda vez. – falei enfim. – Sabe, eu já tinha me despedido de Paris antes. Mas eu era um adolescente imaturo que queria sair da casa dos pais. Mas agora, me despedir como um homem é mais complicado. Não sei, deve ser a cidade querendo me puxar de volta.
- E você vai voltar? – dessa vez foi Sean que me perguntou.
Olhei nos olhos azuis dele enquanto eu tentava pensar na resposta, mas acabei me distraindo e sorrindo como um bobo ao ver ele acariciando a mão de Jenifer, ele nem parecia estar percebendo o ato assim como Jenifer não parecia perceber o sorriso que ela ostentava no rosto. Pela primeira vez em tempos, eu vi um casal decente e que realmente parecia adequado.
Tomei mais um gole do vinho. 
- Não posso dizer que não, mas também não ouso dizer que sim. – falei. – Parece uma resposta meio complicada, mas é que eu não sou dono da minha vida. O destino cuida dela, e por enquanto ele parece estar fazendo o trabalho correto. 
Sean acabou se levantando para ir ao banheiro. Então eu grudei em Jenifer.
- Então, como anda o relacionamento? – perguntei.
Ela sorriu, o sorriso que iluminaria o mundo.
Eu adorava ver minha garota sorrindo.
- Ele é um amor de pessoa. Ele nunca me trata mal, está sempre fazendo uma piada idiota quando eu estou mal com alguma coisa. Ah, Sean gosta de beijar. E quando digo isso, é literalmente. Quando estamos sozinhos ele me beija até...
- Tá bom, entendi. – falei levantando a mão. – Não estou a fim de saber onde ele anda colocando a boca dele. Obrigado.
Ela riu. 
- E você, anda colocando a boca nos lugares? – ela perguntou levando a taça a boca.
Balancei a cabeça negativamente.
- Celibato? – ela riu mais uma vez.
Ela não estava pegando leve no vinho, dava pra perceber.
- Não, eu só estou dando um tempo sabe. – dei de ombros. – Não é algo que eu necessite no momento.
- E o que você necessita no momento?  - perguntou levantando a sobrancelha.
De uma alta quantidade de drogas, pensei.
- Café, poesia, livros, inspiração. – falei. – Não quero distrações por um tempo. Percebi que depois que publiquei Silêncio, nada mais saiu. Estou tentando trabalhar nisso, trazer algo a tona, algo novo.  Depois de Evan eu não fiz muita coisa.
Logo Sean voltou. 
- Do que estão falando? – ele perguntou.
- Sexo. – Jenifer disse. 
- Poesia. – eu falei.
Ambos falamos ao mesmo tempo, o que fez com que nós dois rirmos até sair lágrimas pelos olhos.
- Me lembrem de nunca mais perguntar sobre o que vocês estão falando. – Sean disse. 
- A culpa não é minha se sua garota não aguenta vinho. – falei. – Ah, já que estamos nesse assunto, nunca deixe ela sozinha em um lugar onde tenha uma garrafa de rum. Muito menos de vodka. 
Sean levantou a sobrancelha.
- A última vez que isso aconteceu, eu encontrei ela pelada na minha cozinha e mostrando os peitos na janela. – falei. 
Jenifer riu e Sean engasgou com seu vinho.
- Tudo bem. Vou tapar as janelas e dar vodka pra ela. – Sean disse. – Não seria uma má ideia ver ela exibindo essas belezinhas pelo apartamento. 
Rolei os olhos.
- Me poupem vocês dois. Que nojo.  – fiz a melhor imitação de uma cara de desgosto, mas a verdade é que eu estava feliz.
Sean deu uma gargalhada.
Quando o garçom veio, pedi algo mais forte. Logo ele voltou com um copo com um líquido de cor âmbar, mas sem gelo algum. Era daquela forma que eu gostava, pois o gelo só tirava o gosto da bebida. 
- Whisky? – Sean perguntou.
Fiz que sim com a cabeça e ofereci o copo a ele, e surpreendentemente ele aceitou tomando um gole. Ao oferecer para Jenifer, ela sorriu e arrematou o resto do conteúdo. 
- Sabe o que eu acho? Que vamos pra uma boate. – ela disse.
Eu levantei a mão e bati na mesa.
- Eu topo. – falei.
Em seguida Sean fez a mesma coisa, então eu e Jenifer rimos. Se Sean soubesse como nós dois éramos numa boate, ele ficaria horrorizado. Mas tudo bem, ele tinha que me conhecer direito para saber onde estava me metendo. 
Ele mesmo se ofereceu para pagar a conta, eu e Jenifer não contrariamos.
Pegamos um táxi e paramos na porta da primeira boate que encontramos. O letreiro era neon e o nome me chamou muito atenção, e mesmo sem perceber, eu soltei uma risada nasal. Destino fazendo brincadeirinha comigo pela milésima vez, e quer saber? Eu não estava nem aí. 
O nome da boate era Free. Mais uma vez,universo fazendo piadinhas comigo. Mas aquela eu até que levei na boa.
O mais engraçado, era que Sean tinha se oferecido para pagar nossos ingressos. Eu aceitei, assim como Jenifer. 
Lá dentro era gelado, resultado o ar condicionado forte e pelo gelo seco saindo de máquinas em todos os lugares. As luzes coloridas piscando, os corpos suados na pista de dança, a música batendo tão alta que fazia com que meu corpo.
Era aquele o meu lugar.
Com uma risadinha, Jenifer agarrou minha mão e fez a mesma coisa com a mão de Sean. Nós três estávamos de mãos dadas no meio de uma balada. Aquilo podia ficar mais estranho do que parecia?
- Bebidas. – Jenifer gritou para ser ouvida através da música alta. – E depois pista de dança.
Nós três soltamos um grito e nos dirigimos ao balcão.
Jenifer pediu Coca com rum.
Sean pediu Gim com tônica.
Eu pedi vodka. 
Cada um virou seu copo ao mesmo tempo sorriu. 
Jenifer agarrou minha mão.
- Vamos dançar. – ela disse e começou a me puxar.
– Você vem, amor? 
Sean sorriu e balançou a cabeça. Ele se escorou no bar enquanto eu e Jenifer fomos para o meio dos corpos suados e aglomerados. Cheiros de perfumes misturados, cheiros doces de bebidas alheias. O riso de Jenifer nos meus ouvidos enquanto nós movíamos juntos.
Depois de alguns minutos pulando, Sean acabou chegando por trás de Jenifer e dançando com ela. Os dois estavam se esfregando ali sem dó, eu achei engraçado, mas saí os deixando lá. Me sentei no bar e pedi água gelada. Se eu bebesse álcool naquele momento, seria capaz de eu acordar no dia seguinte e não me lembrar de nada. Como já havia acontecido algumas vezes. 
- Você está sozinho? – ouvi uma voz atrás de mim.
Primeiramente, eu arrepiei. Era uma voz gutural, mas parecida com um grunhido. Uma voz selvagem. Mas assim que isso aconteceu, xinguei mentalmente. E foi quando eu me virei.
Ele era enorme. Ele usava uma camisa preta e mesmo estando escuro eu conseguia ver seus músculos sendo comprimidos pelo tecido que se aderia a sua pele. Seu cabelo loiro e comprido estava jogado de lado de uma maneira desgrenhada, mas sexy. Olhos azuis. Uma barba loira muito bem cuidada. Sorriso fodidamente sexy por trás daquela barba. 
Puta merda. Arfei.
- Eu... Eu... – droga de cérebro. – Estou com um casal de amigos.
Ele sorriu e se aproximou. 
- Então não se incomoda com minha companhia? – ele perguntou.
Fiz que não com a cabeça e mostrei a cadeira. Ele fez que não.
- Prefiro ficar em pé, obrigado. – ele se aproximou mais.
O braço direito estava quase na minha cara, e era grande. Um braço dele era a mesma coisa dos meus dois braços. Inspirei. Seu cheiro. Meu Deus, que cheiro era aquele. Que perfume... Forte, selvagem. Assim como ele.
Alguns segundos de distração, e ele estava segurando um copo de whisky. 
- Qual seu nome? – ele perguntou.
Como se fosse possível, ele se aproximou mais. 
- Jaime. – gritei para ser ouvido diante a música.
Ele se aproximou e falou no meu ouvido, e eu juro, eu arrepiei.
- Brock. – ele falou e se afastou, levando o copo aos lábios. 
Nome nada comum, mas sinceramente, combinava com ele.
- Posso dançar com você? – ele perguntou.
Rapidamente me levantei e andei em direção a pista e olhei para trás para ver se ele estava me seguindo. Eu o vi dar o último gole e vir em minha direção.
Eu estava na merda. 
A música começou e uma batida nova veio junto, uma batida mais sensual. O destino estava de sacanagem comigo, eu sabia. O Satanás devia estar rindo do meu pavor, lá do inferno.
Comecei a me mover lentamente, então eu senti mãos fortes agarrando minha cintura, engoli em seco. Ele estava apertando minha cintura com uma força que eu não imaginava, ele provavelmente poderia deixar marcas daquele jeito. Ele estava me pressionando contra o corpo dele, e eu estava reagindo rebolando. 
Merda. Merda. Ele está duro igual pedra. 
Meu cérebro estava gritando, mas eu não estava ouvindo.
Em segundos eu estava virado de frente para ele, ele estava olhando fixamente para mim e eu só conseguia enxergar sua boca. Sua altura comparada a minha era muito diferente, mas era uma coisa boa. Eu sabia que se olhasse nos olhos dele, eu certamente faria uma merda muito grande.
Ele me colou na sua parede de músculos e abaixou a cabeça para beijar meu pescoço. Me contorci na batida da música. Até seus lábios virem de encontro com os meus e sair um grunhido de sua boca. Sua língua explorou minha boca pelo máximo de tempo que consegui, eu estava sentindo ele quase na minha barriga. 
Me afastei para respirar. Ele estava sorrindo para mim, mas um sorriso sexy.
Se afaste antes que seja muito tarde. 
Meu cérebro disse, e pela primeira vez eu consegui ouvir e obedecer.
Me aproximei de Brock e pedi que ele abaixasse.
Falei em seus ouvidos tentando me controlar para não respirar muito fundo e sentir o cheiro do seu perfume. Foi meio impossível.
- Sinto muito, mas tenho que ir. – falei.
Ele fez que sim com a cabeça e me beijou mais uma vez. Levei a mão aos seus cabelos, sedosos que loiros. Cheiro maravilhoso. No fim, ele deu uma mordida no meu queixo, e eu de pernas bambas, me afastei. Ele sorriu e eu tremi.
- Essa foi por pouco. – grunhi para mim mesmo ao sair para procurar Sean e Jenifer. 



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Quando cheguei em casa joguei as chaves no balcão, peguei um copo e enchi de água gelada, então eu me sentei no balcão e comecei a pensar em tudo. Uma das boas coisas que aconteciam quando eu estava bêbado, eu sempre conseguia pensar com mais clareza na vida.
Brock parecia ser um cara legal, mas acho que eu não seria capaz de levá-lo para minha cama. E nem eu iria para a cama dele. Não que eu não fosse capaz daquilo ou que eu tivesse me tornado um santo, eu só não queria alguém na minha cama. Só não queria ter que expulsar alguém da minha cama, ou me preocupar com despedidas. Eu não queria nada. Eu só queria eu.
Ser eu mesmo com meu café forte. Com minhas janelas abertas em dias de chuva. Com música alta nos fones de ouvido. Com uma caneta na boca e um caderno na mão, perambulando sem camisa pelo meu apartamento. Eu mesmo. 
Meu apartamento. 
Minha casa.
Eu não me sentia em casa na minha própria casa. Eu não sentia o conforto que costumava sentir quando morava com outras pessoas. Eu não queria pensar em seus nomes. 
Uma geladeira sempre cheia. Um tapete e almofadas jogadas pelo chão da sala e uma cama no quarto. Nada mais mostrava que alguém morava ali. Eram somente paredes brancas que não contavam nenhuma história minha. Eram paredes brancas assim como eu, mas ao contrário da casa, eu estava me reescrevendo como pessoa. Eu estava me criando.
- Filosófico. – pensei em voz alta.
Saí em busca de uma caneta, mas somente achei um marca texto escuro que tinha usado para identificar minhas caixas que estavam guardadas debaixo da cama. Então ali mesmo, na parede branca, eu o fiz. Eu escrevi na parede. Assim como tinha me escrito meses atrás.
Horas depois, eu estava deitado no tapete macio da sala observando a obra de arte que eu tinha feito.
Na parede que ficava ao lado das janelas altas, estavam escritos vários versos a esmo. Um diferente do outro, esboçando sentimentos contrários. Mas mesmo com aquela bagunça de letras e linhas tortas, eu descobri uma coisa. Aquele era eu. 
Entre poemas estranhos e linhas tortas, era eu. Poemas mal escritos. Aqueles poemas eram os arranhões no fundo da minha jaula mental, a que eu estava cada vez mais abrindo as barras. 

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