O MEIO
"Seja sua própria estrela!"
Dante Alighieri
Dois anos depois
2002
Meus olhos se incomodaram com a luz do dia entrando pela minha janela. Virei-me de lado e conferi meu relógio, que marcava onze da manhã. O mês era julho.
Finalmente eu não era obrigado a acordar cedo para trabalhar. Eu podia acordar na hora do almoço, podia demorar no meu banho, podia andar pela casa despreocupado por não precisar sair apressado.
Levantei-me e fui até a janela, observei de cima todo o caus que Nova York era de manhã. O tumulto marítimo, cheio de pessoas andando de um lado para o outro, carros e motos buzinando, o cheiro de ovos com bacon do restaurante ao lado.
Quando olhei no calendário me deparei com um número em específico. Sete de julho. Aniversário de Lucas Silvano, meu ex melhor amigo, meu ex amor. Uma pessoa que nunca mais ouvi falar.
Todas as pessoas do meu passado tinham desaparecido do nada. Marrie, Lucas, Richard. Eles pareciam somente páginas de um livro muito antigo que eu costumava a ler. Desde que deixei Paris, nunca mais fiquei sabendo de nenhum deles.
Richard me mandou três cartas. Uma no Natal, no Ano Novo e no meu aniversário. Nunca mais tive notícias suas. Amadureci o suficiente para perceber que se ele quisesse notícias minhas, ele simplesmente as teria.
O mesmo comigo.
Saí do quarto e me dei de cara com uma garota andando pelada pela casa. Ela estava somente de calcinha, comendo cereais numa tigela e olhando para a televisão. Ela parecia entretida, aquilo acontecia quase todos os dias.
- Jenifer! – falei.
Ela se virou para mim e riu.
Largou a tigela e tentou procurar alguma camiseta, tirei a minha e joguei para ela. Talvez eu não tivesse mais roupas minhas, agora eram todas dela. Que usava lata tudo, principalmente para trabalhar. Ela usava minhas roupas velhas para trabalhar, meu Deus.
- Sabe, é bom parar de andar pelada pela casa. – falei.
Ela riu e levantou a sobrancelha.
- Que foi? Não se garante? – ela riu.
- Jeni, eu sou gay. – falei. – E é exatamente por isso que não quero ver peitos pela manhã.
Provei uma xícara do café dela, estava doce.
Jenifer sempre fazia café pela manhã. Mesmo que parecesse mais uma calda do que café, eu agradecia, colocava na xícara, esperava ela se virar e jogava dentro da pia. Era meio maldoso, mas ela não precisava saber.
Pelo menos ela fazia, ela já tinha aprendido a compartilhar dos deveres de casa. Ela morava comigo a mais de um ano, uma colega de trabalho e a melhor amiga que alguém podia ter.
Ela era magrinha, tinha cabelo curto e tinha um senso de humor imortal. Até mesmo quando ela terminou com o namorado chegou em casa dando crises de riso, depois ela chorou, claro. Ela era bipolar, mas aquele era seu normal. Tudo bem, ela me fazia bem.
Ela me fazia tão bem quanto Evan, o cara que eu estava saindo a algum tempo. Mas sinceramente, eu não sabia se eu realmente estava interessado nele ou se estava usando ele para curar meu tédio.
Nenhum tipo de relacionamento me atraia. Mas o mais engraçado era que relacionamentos mal resolvidos eram como cocaína para mim. Eu quebrava, separava, usava, e o pior era que eu sempre queria mais. Eu tinha um certo vício para tudo que me destruía. Não me espantava, a forma que eu tinha ficado quando Richard foi embora tinha sido minha pior época.
Jenifer estalou os dedos na frente do meu rosto, me tirando do meu torpor.
- Dormindo acordado? – ela perguntou.
Balancei a cabeça e tentei não vomitar com aquele café. Sinceramente, como ela conseguia gostar daquilo? Eu tinha a total certeza que um dia ela teria algum tempo de doença se não parasse com aquilo. Onde estava o bom e velho café preto e amargo como minha alma?
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A campainha tocou.
Olhei para Jenifer e ela balançou a cabeça. Evan com certeza não apareceria no meu apartamento do nada, ele nunca fazia aquilo. Ele respeitava meu espaço com educação.
Levantei-me a abri a porta.
Eu reconheceria aquele rosto em qualquer lugar, ele podia envelhecer milhões de anos, mas de qualquer forma eu sabia quem ele era. Só não sabia como ele tinha me achado e como eu me joguei nos braços dele no segundo em que o vi. O que poderia ter sido uma cena bastante patética, visto em terceira pessoa.
- Lucas. – suspirei.
Ele se afastou de mim e eu pude olhá-lo nos olhos. Ele estava mais bonito, parecia um homem de verdade. E eu não sabia como era possível, mas ele tinha mais tatuagens do que da última vez que eu tinha o visto.
- Eu procurei você. – ele disse. – Procurei por todo esse tempo, e b,om, parece que finalmente eu te encontrei, Jaime.
Não fazia sentido o que ele dizia. Mas eu não ligava.
Não falei nada por alguns minutos. Tudo passou pela minha cabeça, principalmente o motivo de ele ter ido embora. Será que ele ainda era o mesmo, será que ele tinha mudado?
- Uau. – foi tudo que consegui falar.
- Então... Podemos dar uma volta? – ele perguntou.
Engoli em seco.
Não mais uma vez.
Amores mal resolvidos, justo quando tudo estava indo numa boa. Mas é claro que eu iria, afinal, era somente uma volta. O que podia acontecer?
Com toda certeza eu não me apaixonaria por ele novamente. O raio não caía duas vezes no mesmo lugar, eu não seria tão azarado duas vezes, era simplesmente impossível.
- Você trabalha por aqui? – ele perguntou.
Ele estava caminhando ao meu lado com uma lata de coca cola nas mãos. Aquele dia estava quente, mas o vento ajudava.
- Eu moro perto do Central Park. – ele disse. – Trabalho numa empresa de publicidade aqui perto. E por incrível que pareça, sua editora as vezes contrata nossos serviços.
Assenti. Aquilo fazia sentido, mas não fazia o menor sentido de ele ter me procurado naquele exato dia. As contas não fechavam.
Sentamos nos bancos de concreto, ele se aproximou de mim e olhou nos meus olhos.
- Sabe, fazem mais de dois anos. – ele disse. – E não há um dia em que eu não me arrependa de tudo que eu fiz a você. Sei que acabei com nossa amizade...
Você não acabou com nossa amizade. – falei. – Eu só não queria ver você, mas segui em frente e creio que você também. Mas sabe, você nos machucou bastante. Fez mal para nós dois. Não era justo, entende?
Durante um tempo considerável, eu não falei nada. Assim como no passado, éramos adolescentes ingênuos e cheios de hormônios. Mas nada nunca justificaria o que ele fez comigo.
- E Richard? – Lucas perguntou.
Suspirei.
Lucas tinha acabado de cutucar a ferida inflamada. Eu deixei de ouvir e de pensar naquele nome por tanto tempo, e do nada ele era simplesmente jogado em cima de mim como uma avalanche.
Durante meses eu virei uma bagunça completa. Saía e bebia quase todas as noite somente para esquecer dele e chorar no outro dia.
Então finalmente criei coragem e sai da casa dos meus pais. Sem rumo, sem dinheiro. Sem nada. Apenas com um pensamento. Me livrar de Paris. Me livrar de tudo que me fazia lembrar dele. Mas algumas coisas eu guardei, como o livro de Dante que ele deixara para mim.
- Ele foi embora. – falei simplesmente.
- Você chorou? – ele perguntou.
Minha risada saiu mais seca e mais cortante do que eu queria.
- Todo maldito dia. – falei.
Ele riu e eu também.
- Notícias dele? – ele perguntou.
Balancei a cabeça.
- Nunca mais. – falei. – E você? Sua vida...
Lucas coçou o queixo e respirou fundo.
- Isso é complicado. – ele disse. – Seria muito estranho se eu dissesse que não consegui manter ninguém na minha vida além de você?
Sim, seria. Por que você ainda é um mentiroso do caralho.
Tudo acontecendo novamente. Merda. Descobri que sim, o mesmo maldito raio podia cair no mesmo lugar novamente..
- Lucas... – comecei.
Incrivelmente ele me calou com um beijo. Não queria que meu corpo cedesse a ele, não queria ceder sob seu toque. Mas quando ele beijou meu pescoço, eu desisti e o beijei de volta.
Ele não me beijou como fazia antes. Ele era afoito antigamente, agora ele tinha uma calma que eu estranhava. Ele nunca tinha sido daquela forma antes. E estava diferente. Mas eu continuava o mesmo idiota de antes.
Quando ele me soltou olhei em seus olhos e observei meu mundo desabar. Todas as barreiras que construí durante anos, caíram quando seu sorriso se reergueu. Lucas era um amor de tempos.
Ele sumia e aparecia de uma hora para outra, mudava meus planos e quebrava meus muros de confiança. Ele parecia uma bola de destruição que quebrava todas as paredes que eu fazia, com uma facilidade tão estanha.
E o pior é que não parecia que era a intenção dele. Parecia que somente acontecia. Ou eu era muito tolo por me entregar tão facilmente. Ou ele era mais mentiroso do que eu conseguia identificar.
- Eu não tinha a intenção. – Lucas disse.
Eu ri.
- Você teve. – falei. - Você sempre tem a intenção, Lucas.
O silencio foi inquietante.
Observávamos as pessoas passando, mas eu estava completamente em pânico. Lucas e Evan. Eu estava no meio novamente. Só que dessa vez eu não sabia quem eu queria, não sabia o que fazer.
Meu coração estava inclinado a virar uma pedra, pois ele não suportava bater mais forte por mais ninguém.
-Você pode... – eu já sabia sua pergunta antes mesmo de ele começar.
-Eu não sei. – falei. – Eu tenho alguém, Lucas. Eu nem mesmo sei o que estou fazendo da minha vida. Eu saí de Paris pra tomar um rumo na vida e eu ainda não o encontrei, e preciso fazer isso antes que eu enlouqueça, e nesse momento, você não está ajudando nem um pouco.
Lucas suspirou.
Era uma boa oferta. Algo quase irrecusável, mas eu tinha medo de tudo aquilo acontecer novamente. Ficar entre dois e no fim não ficar com ninguém. Aquilo sempre acontecia.
Você sabe que eu não posso fazer isso não é? – perguntei. – Eu gosto dele, do Evan. E...
- Tudo bem. – Lucas disse tocou minha mão. – Eu não vejo problemas em esperar por um tempinho. Eu esperei dois anos para te ver, posso esperar mais dez, vinte ou trinta. Eu só quero você, Jaime.
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Genius
RomanceJaime conhece Richard, filho de um amigo de seu pai, no começo das férias de verão de ambos. Uma irritação instantânea da parte de Jaime faz com que aquele novo hóspede, por mais indesejado que seja, seja seu divisor de águas. A mudança de comportam...