Quando entramos em casa nos comportamos normalmente como se nada tivesse acontecido. Como se eu não tivesse levado uma surda, como se Richard não tivesse dado uma surra em alguém, como se não tivéssemos feito confissões.
Mas antes de entrar no seu quarto ele me deu um abraço e puxou meu rosto para olhar em seus olhos.
Fique bem, foi tudo o que ele disse.
Não ouvi ele abrir ou fechar sua porta, então concluí que ele tinha deixado aberto caso eu quisesse entrar a qualquer hora. E naquele momento era aquela minha vontade. Abrir aquela porta, pular sobre ele e o beijar até ficar sem ar e fazer tudo mais uma vez. Mas naquela hora não foi o que eu fiz.Deitei na cama, coloquei o travesseiro na minha cabeça e repeti cada momento daquele beijo em câmera lenta. Minha pele se arrepiou instantaneamente.
Parecia que eu ainda podia sentir seu toque, seu cheiro tinha impregnado na minha pele.
Eu queria experimentá-lo como uma droga, usando cada vez mais. O intuito daquilo? Viciar-me em Richard.
Tudo aquilo que estava acontecendo eu estava levando no piloto automático. Richard tinha me beijado, eu ainda não tinha surtado. Ele tinha dito que me admirava, eu ainda não tinha surtado. Ele se preocupou comigo, eu ainda não tinha surtado. Mesmo que pouco, tive sua pele em contato com a minha eu ainda não tinha surtado. Ainda...
Parecia que eu estava levando tudo numa boa, como se aquilo acontecesse freqüentemente. Mas não, eu não estava levando tudo numa boa e não, aquilo não acontecia freqüentemente comigo. De madrugada eu não conseguia dormir. Parecia que meus pensamentos – mesmo que sórdidos – queriam me consumir.Então fui para a cozinha e encontrei mamãe escorada na pia, com a janela aberta e um cigarro no meio dos dedos.
Fazia muito tempo que eu não a via fumar. Geralmente era algo que ela usava para relaxar, mas ela sempre estava tão calma que eu achava que ela não precisava. Mas cigarro era uma droga, então significava que ela queria um pouco de paz. A paz que poucos tinham.
Aquilo me fez perguntar onde meu pai estava. Eu imaginava que ele estava no seu escritório lendo ou cuidado de algum tipo de negócio.
Quando mamãe me viu, ela entortou o rosto. Ela ainda não tinha visto meu rosto desde sábado a noite, então é claro que ela se assustaria. Na verdade eu ainda nem tinha visto meu rosto, então pela sua cara, devia estar ruim.
Ela largou o cigarro sobre a pia e tocou meu rosto com delicadeza.
- O que aconteceu com seu rosto, criança? – ela perguntou.
Balancei a cabeça.
- Só um idiota. – falei, o que era verdade. – Não é nada demais.Ela levantou uma sobrancelha. Mas não disse nada... Por um tempo.
- Você e Richard viraram amigos? – ela perguntou.
Super amigos.
- Digamos que sim. – falei sabendo que ela ficaria curiosa.
Ela me deu aquele olhar de, eu disse que estava certa, não me contrarie criança.
Abri a geladeira e procurei coisas para comer, no fim peguei um pote de macarrão e esquentei no microondas. Eu não tinha almoçado naquele dia, nem Richard. Imaginava se ele estava com fome, e se já tinha procurado algo para comer.
Quando voltei para meu quarto, vi a porta de Richard ainda do mesmo jeito. Entreaberta e com um feixe de luz saindo. Fiz uma votação mental. Eu deveria entrar? Eu deveria não entrar?
Decidi tomar um banho.
Decidi olhar no espelho. Meu rosto não estava tão ruim assim. Meu lábio inferior estava machucado, meu olho tinha uma bola meio roxa meio vermelha, mas olhando o conjunto, não estava tão ruim. Ruim estava bastante, mas não tanto.Debaixo do chuveiro, tentei não pensar muito em Richard. Não estava a fim de me tocar pensando em alguém que estava do outro lado da minha parede.
A porta do seu quarto ainda estava da mesma forma depois que saí do meu quarto. Entreaberta, com uma lufada de ar passando.
Hesitei em bater. Se ele realmente tinha deixado a porta aberta para mim, eu não deveria bater para entrar.
Eu entrei.
Ele estava deitado na cama, com um livro em mãos.
Quando entrei, ele não me viu, mas quando eu me movi para deitar ao seu lado na cama, e ele fechou parcialmente o livro, olhou para mim e sorriu.
- Pensei que não fosse vir. – ele disse.
Eu sabia que você viria.
Palhaço, resmunguei.
Então ele realmente tinha deixado a porta aberta para mim, seria assim todo aquele tempo? Eu também deixaria minha porta aberta para ele? Mas o que seria a porta de um quarto se a porta do meu coração estava escancarada?Comecei a prestar atenção no que ele estava lendo. A Comédia Divina, de Dante Alighieri.
Eu não sabia que ele gostava daquele tipo de livro. Mas eu não sabia tanta coisa sobre ele, então eu não podia julgar seus gostos.
- Dante? – perguntei como se não soubesse.
Ele fez que sim, olhou para mim e virou uma página.
- Gosto dos clássicos.
Parece que não, huh.
Mas ele não viu, então sorri sozinho.
Por um tempo considerável fiquei prestando atenção nele.
A camisa branca e fina delineando seus músculos, a calça de moletom escuro que cobria suas pernas. Seu peito subindo e descendo com sua respiração. A pedra, que concluí ser a pedra da estrela, subia e descia em seu peito conforme ele respirava. As páginas sendo viradas a cada minuto. E estava realmente lendo, e não me observando de forma indireta.
Então ele pegou minha mão e começou a brincar com meus dedos. Eu estava gostando da atenção que eu estava recebendo. Podia parecer clichê, mas eu não recebia aquele tipo de carinho de ninguém. A não ser da minha mãe, mas minha mãe não contava.Quando ele largava minha mão para virar a pagina do livro ou para mexer nos seus cabelos, eu encostava o nariz em seu braço e beijava. Eu parecia um cachorro pedindo atenção, e pelo visto, meu dono não se negava a dar.
Ele ria e eu embebedava minha cabeça com seu cheiro, emanava de seu corpo de uma forma que eu nunca vi.
Quando ele largou o livro, achei que era um sinal para sair dali e deixá-lo dormir, afinal já era de madrugada. Mas quando me levantei ele puxou meu braço e me pediu para ficar somente com um olhar.
Eu fiquei, me deitei e ele se deitou de frente para mim.
Observei seu rosto para guardar todos os detalhes de sua fisionomia.
Você é tão lindo, suspirei.
Ele tinha sardas quase invisíveis, olhos castanhos quase negros, cabelo castanho claro, boca levemente avermelhada e tinha rugas nos olhos quando ele sorria. Eu achava lindo.
- Você fala francês? – perguntei.
Seu pai falava fluente, eu imaginava que ele também sabia.
Ele sorriu.- Mon français est rouillé. – ele disse. – Meu francês está enferrujado.
Parecia que ele morava em Paris, seu sotaque era tão lindo. O timbre de sua voz me afetou de uma forma que eu nunca imaginei que a voz de alguém me afetaria.
- Desolé de frapper sur votre ami. – ele disse. – Desculpe por bater no seu amigo.
Mas na verdade eu não me arrependo, Richard disse sem usar os lábios.
Eu sorri.
- Não se desculpe. Ele mereceu.
Eu sei.
- Il était um idiot.- ele disse. – Ele era um idiota.
Eu concordei.
Por um tempo indeterminado ficamos nos encarando.
Eu sentia meu coração bater um pouco mais rápido.
Então veio sua mão. Ele passou pelo meu braço até meu rosto. Por onde seus dedos passaram, eu sentia queimar. Era bom.
Sua mão parou no meu cabelo, ele mexeu. Eu pensei ter ronronado como um gato preguiçoso.Ele se aproximou mais de mim. Pude sentir sua respiração quente no meu rosto.
- Tu es l'une dês plus belles choses que j'ai jamais vues. – ele demorou para traduzir a frase. – Você é uma das coisas mais lindas que eu já vi na vida.
Richard tinha me elogiado e eu ainda não tinha surtado.
- Mercí. – falei a única coisa que eu sabia de francês.
Então ele me beijou.
Da segunda vez foi para valer. Ele puxava e beijava meus lábios com intensidade, como se ele tivesse fome. Puxava meus cabelos, passava as mãos pelo meu corpo. Eu estava sentindo aquele calor. Ele estava excitado, eu também. Mas naquele momento, eu não podia fazer aquilo.
Eu me afastei um pouco.
- Richard... Eu... – tentei falar.
Ele fez que sim com a cabeça, eu vi um pouco de decepção no seu rosto, mas logo sumiu.
- Desculpe. – ele disse envergonhado.
Sussurrei "tudo bem" e deitei minha cabeça em seu coração e tracei meus dedos sobre sua roupa. Tentei não descer minha mão... Muito.A última coisa que eu me lembro, é de começar a passar a mão sobre sua camisa. Então o quarto ficou escuro, e senti a mão de Richard em meus cabelos.
Eu apaguei.
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Genius
RomanceJaime conhece Richard, filho de um amigo de seu pai, no começo das férias de verão de ambos. Uma irritação instantânea da parte de Jaime faz com que aquele novo hóspede, por mais indesejado que seja, seja seu divisor de águas. A mudança de comportam...