Capítulo 4 - A Ira de Deméter

3.4K 303 160
                                    

-Perséfone!

Algumas das divindades presentes se viraram na direção de Deméter, que apertava o peito com uma mão como se quisesse impedir que o coração lhe saísse dali.

Hera, mulher de Zeus, se aproximou de sua irmã com a testa fanzida.

-O que houve Deméter?

-Minha filha está em perigo. -Ela respondeu com horror na voz.

Ela tinha ouvido. Tinha ouvido sua menina gritar com horror. Já não conseguia mais sentir sua presença. Ela tinha desaparecido, e esse fato causou em Deméter um pavor imenso.

Hera revirou os olhos e apoiou uma mão em sua cintura enquanto bebericava um pouco do néctar de sua taça.

-A menina desceu para colher flores minha irmã. Você não devia ser tão controladora com ela.

Era quase possível ver o ar pesado que pairou sobre as duas após essas palavras. Deméter era dócil na maior parte do tempo, desde que não mexessem com sua filha ou interferissem na criação que dava a ela.

-Eu estou protegendo-a. Perséfone é muito inocente para esse mundo cruel. Ela não sobreviveria sozinha.

Dito isso ela virou de costas e começou a caminhar a passos largos para longe. Devido ao seu estado de humor tempestuoso, a multidão ia abrindo espaço para que ela passasse como se temesse ser arrastada caso não o fizesse.

-Aonde voce vai? -Gritou Hera, apesar de já ter suas suspeitas. Deméter não descansaria enquanto Perséfone não estivesse de novo debaixo de suas asas.

-Vou encontrar minha filha. -Ela respondeu sem se virar.

A deusa do matrimônio permaneu ali olhando-a sair do salão e suspirou negando com a cabeça. Apesar de ter ciúmes de sua irmã por ter concebido uma criança de Zeus (ainda que tenha ocorrido antes que ela e Zeus se casassem), ela também sentia pena, porque sabia que Perséfone era a única coisa que Deméter tinha no mundo.

Lançando um olhar na direção de seu marido o qual ela tinha certeza que tinha escutado toda a conversa, Hera cruzou os braços e se aproximou analisando-o.

-Meu marido parece muito calmo diante do sumisso de uma de suas filhas. Será que existe algo que eu não sei sobre isso?

Zeus sorriu diante da perspicácia quase irritante de sua esposa e apoiou as costas confortavelmente em seu trono.

-Digamos apenas que não há com o que se preocupar. -Hera ergueu uma sobrancelha de maneira questionadora e ele continuou. -No lugar onde está, Perséfone não sofrerá nenhum mal. Eu garanto.

******

Enquanto isso na terra, Deméter olhava com pura ira para as ninfas as quais ela escolheu para acompanharem sua filha. Ambas estavam molhadas e parcialmente nuas, prostadas às margens do mar e tremendo diante de sua senhora.

-Como assim não a viram? Estavam brincando na água enquanto minha filha sumia?

-Perdão minha senhora... -Leucipe começou, mas logo foi interrompida.

-Vocês negligenciaram minha filha para ficar cantando e brincando na água com homens. -A voz de Deméter era áspera e cruel.

Dito isso ela lançou nas duas a sua maldição. A deusa decretou que ambas teriam que passar a se alimentar do sangue do homens se quisessem viver, e já que gostavam tanto de cantar, transformou-as em criaturas semelhantes a pássaros gigantes, porém com o busto de uma mulher. Decretou também que ao entrarem em contato com a água se transformariam em nereidas, sempre com uma fome incessante por carne humana.

Ao olharem uma para a outra, as criaturas que outrora foram belas ninfas gritaram horrorizadas.

-O fez conosco?! -Aretusa berrou aos prantos.

-Esse é o meu castigo para vocês. Agora sumam da minha vista antes que eu me arrependa por ter sido misericordiosa. -Deméter falou olhando-as com asco.

Leucipe se arrastou choramingando para o mar, enquanto Aretusa batia suas grandes asas e saía voando dali.

Deméter esperou que se afastassem e caiu de joelhos na areia húmida. A preocupação com Perséfone só crescia à medida que passava o tempo, e ela não gostava nem de imaginar o que sua filha estaria passando sozinha longe dela. Seu choro foi tão sofrido que comoveu o coração dos outros deuses. A jovem deusa da primavera era muito querida entre os habitantes do Olimpo.

-Não fique assim tia. -Ártemis falou surgindo por trás dela e colocando uma mão no seu ombro. -Meus irmãos e eu faremos o possível para trazer Perséfone de volta. Todos vamos ajudar.

Olhando por cima do seu ombro, Deméter viu a deusa da caça juntamente com Hermes, Apolo, Atena e Dionísio, entre outros deuses que haviam se prontificado em procurar pela jovem deusa das flores.

-Ah obrigada. -Pediu emocionada. -Obrigada a todos. Juntos eu tenho certeza que vamos encontra-la.

-Sim minha irmã. -Falou Poseidon abrindo caminho por entre os deuses. -E eu faço questão de acompaha-la na procura pela jovem Perséfone. Pode contar com a minha ajuda.

Os olhos dourados de Deméter se encheram de lágrimas perante tanta sensibilidade por parte de sua família, e a esperança de encontrar sua filha só fez crescer.

-Obrigada irmão.

Porém não se pode dizer que as intenções do deus do oceano eram as melhores. Bastou que ele ficasse sozinho com Deméter para que se aproveitasse de sua fragilidade e violasse sua própria irmã. E como se já não tivesse aflição o suficiente com as buscas por sua filha, a deusa da colheita teve de lidar com um incômodo a mais: estava grávida.

O Conto de Hades e PerséfoneOnde histórias criam vida. Descubra agora