Capítulo 7 -Um Presente para Perséfone

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Hades observava com orgulho a expressão surpresa da moça ao seu lado. Apesar da boca estar coberta pelas mãos, no olhar de Perséfone era nítido o quanto estava maravilhada com o que via à sua frente.

Bem ali, não muito longe do palácio do deus do submundo, estava o mais belo campo que ela já tinha visto. Grama verdinha e viva se estendia até onde a vista alcançava, juntamente com fontes de agua, belas árvores frutíferas e locais para descanso.

-Eu batizei de Campos Elísios. -Ele explicou mediante o silêncio dela.

-Mas por que...

-Eu pensei bem no que você me disse mais cedo e realmente não é justo que as almas boas não tenham uma recompensa na hora de sua morte. Aqui eles poderão seguir a eternidade em paz e até mesmo renascer se assim quiserem.

Perséfone precisou piscar repetidas vezes para espantar as lágrimas que ameaçavam cair. Ele a tinha escutado. Escutado de verdade.

-É tão bonito. -Falou se virando para ele e segurando seu antebraço de maneira carinhosa. -Sua generosidade não tem tamanhos.

-Fiz apenas porque você o pediu. De certa forma você é tão responsável pela existência desse lugar quanto eu.

O coração da jovem deusa deu pequenos saltos dentro do seu peito e ela sorriu ainda mais largamente.

-Obrigada. De verdade.

E assim, com o ego inflado e o peito estufado, Hades se encarregou de mostrar sua nova obra para sua tão especial hóspede. Passou a notar com gosto a forma como ela andava muito próxima a ele, e não tinha medo de toca-lo em hora alguma. Podia parecer tímida ao faze-lo, mas era nítido que Perséfone não o temia. Pelo menos não mais.

Ao fim do dia ambos regressaram ao palácio dele para desfrutarem de um singelo banquete. Enquanto comia, Hades  não conseguia deixar de olhar para a bela jovem do outro lado da longa mesa. A maneira como ela enrubescia ao receber tais olhares só o fazia desejar partir aquela maldita mesa ao meio para que pudessem ficar mais próximos. Quase não conseguia sentir o perfume dela naquela distância.

-O que você achou do dia de hoje? -Ele perguntou afim de escutar sua voz.

-Sem dúvidas um dos melhores dias da minha vida. -Ela respondeu ao encolher os ombros sem nenhum pingo de hesitação. -Esse lugar é muito mais incrível do que as histórias que me foram contadas.

-Sua exploração foi bem sucedida?

-Ah sim. Temo que não tenha visitado tantos lugares quando eu gostaria, mas guardarei para sempre na memória os lugares que visitei. Também conheci alguns dos filhos de Nix. -A risadinha que ela soltou soou como um canto aos ouvidos dele. -Eles são engraçados.

-Ah eles. -Hades acenou com a mão em um gesto impaciente. -São um incômodo na maior parte do tempo.

-Eles também tem muita admiração pelo senhor.

Como um dos três grandes, Hades estava acostumado a receber bajulacões dos outros, mas elas não lhe significavam nada pois ele sabia que se tratavam de palavras vazias provindas de um sentimento de medo. Porém as palavras proferidas por Perséfone, por menores que fossem, tinham o poder de mexer com ele. Sabia que deveria se preocupar com aquilo. Via como Zeus era afetado pelas mulheres, e se negava a se parecer um asno no cio como seu irmão caçula.

Estava em um impasse. Queria Perséfone. Queria ela desesperadamente, e não sabia o que faria caso fosse rejeitado. Não teria corgem de fazer mal a um ser tão puro quanto ela, mas seu desejo era mante-la trancada com ele pela eternidade. Queria dar-lhe tudo. Seu reino, suas riquezas, seu poder, e seu coração frio se assim ela quisesse...

Por outro lado tinha receio de que aquele sentimento avassalador o transformasse em um tolo romântico. Em um relapso frouxo que só vivia para agradar a sua esposa. Olhando para a jovem deusa à sua frente, ele chegava a cogitar fazer tudo aquilo por ela, e esse fato o o deixava preocupado.

Perséfone sentia o olhar firme de Hades sobre ela e tentava resistir ao impulso de olha-lo de volta. Não tinha coragem de encara-lo. Não depois do dia maravilhoso que tinha tido. Não depois do presente incrível que tinha ganhado. E principamente, não sem ficar hipnotizada por aqueles belos olhos escuros. Sentia que podia se perder neles, e não querer mais se encontrar.

Aqueles não eram pensamentos racionais, ela sabia, mas o que poderia fazer. Ele a estava conquistando aos poucos, e ela tolamente estava se deixando ser conquistada. Não conseguia controlar, era mais forte que ela.

Após a refeição ela se deixou ser conduzida por ele por um longo corredor, ansiando e temendo ao mesmo tempo o momento em que se separariam.

Enfim, estava na hora. Ela voltaria para os braços de sua mãe e provavelmente não sairia de lá nunca mais. Seu pequeno dia de folga foi bom enquanto durou, mas estava na hora de voltar para casa.

-Bom, chegamos ao seu quarto. -Hades falou ao pararem em frente a duas portas fechadas.

A ansiedade de Perséfone rapidamente deu lugar a uma expressão confusa enquanto ela olhava dele para as duas grandes portas fechadas as quais ele indicava.

-Eu pensei... eu não vou voltar para casa?

-Acredito que queira voltar com as forças renovadas para os braços de sua mãe, estou certo? -Ele não lhe deu a chance de responder e abriu uma das portas, indicando com a cabeca para que ela entrasse. -Vá Perséfone. Descanse e amanhã conversamos.

Ela apenas deu um rápida olhada no interior do quarto e apertou fortemente o que estava escondendo atrás do seu corpo desde que tinham se colocado a caminhar pelo corredor.

Notando sua crescente inquietação, Hades se sentiu culpado por te-la enganado, mas não foi capaz de se desculpar. Afinal, não se arrependia. Foi quando ele notou que ela escondia algo atras de si.

-E o que é isso aí? -Perguntou fazendo menção de tentar espiar

As bochechas naturalmente rosadas de Perséfone ficaram ainda mais vermelhas e ela se afastou um passo envergonhda por sequer ter cogitado lhe entregar aquilo.

-Eu queria te dar algo para agradecer por ter me mostrado tanta coisa hoje.  -Falou lhe mostrando uma coroa de flores silvestres. -Não é muito mas... Era para ser um presente de despedida.

Para a sua surpresa ele tirou o objeto de suas mãos e sorriu para ela de maneira terna.

-É o mais belo presente que me foi dado até hoje. Muito obrigada.

Ciente de que seu rosto ainda estava vermelho, Perséfone começou a entrar no quarto afim de encerrar aquela conversa.

-Certo. Hmm, até amanhã então.

Não esperou por sua resposta e bateu com a porta na cara dele. Com um suspiro cansado ela foi em direção á imensa cama no centro do quarto e deixou seu corpo cair sob os finos e delicados lençóis.

Estava frustrada por conta das coisas não terem saído como ela planejou. Um breve passeio pelo submundo e então de volta à superfície. Foi o que Hades disse que aconteceria.

"Mentiroso." Pensou afundando o rosto no macio travesseiro de penas.

Ao mesmo tempo ela não conseguia ficar totalmente zangada com ele, afinal, ele tinha lhe proporcionado uma experiência única na vida. Não tinha explorado nem a terça parte do mundo dos mortos, mas o pouco que viu a encantou de uma maneira quase sobrenatural. Ele também tinha escutado suas palavras sobre a recompensa das boas almas. Tinha levado em conta sua observação como se fossem iguais, e não como se ela fosse uma tola criança. Ele a tratava como uma igual, e aquilo era algo que ela não estava acostumada, mas gostava de todo modo.

Desde que seu caminho se cruzou com o de Hades, a vida da jovem deusa mudara de uma forma tão radical que ela tinha dificuldades para acompanhar. Aconteceu mais coisa em uma única tarde ao lado dele de que em toda uma vida na superfície ao lado de sua mãe. E ela não podia dizer que aquilo havia sido ruim ao todo.

Perséfone sabia que precisava sair daquele lugar, mas a questão era... Ela realmente queria aquilo?

O Conto de Hades e PerséfoneOnde histórias criam vida. Descubra agora