Capítulo 3 - O Rapto

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O banquete continuava a todo vapor, mas havia alguém que já estava farta de comemorações.

Perséfone estava entediada em um canto quando decidiu ir até a sua mãe na esperança de que pudesse sair dali.

-Mamãe, vou pegar um ar e colher algumas flores no bosque, tudo bem?

Deméter sorriu amorosa para a sua filha e lhe deu um beijo na testa.

-Está certo, mas leve as ninfas com você. Não quero que fique sozinha por aí.

A jovem deusa conteve o suspiro de resignação e desceu o monte Olimpo, levando Leucipe e Aretusa consigo para lhe fazer companhia. Ela não tinha nada contra as ninfas, mas gostaria de poder estar sozinha por um tempo para variar.

Quando ambas desceram até um bosque repleto de flores, as duas ninfas sumiram da vista de Perséfone como costumavam fazer de vez em quando, deixando a deusa um pouco em paz na companhia dos seus próprios pensamentos.

Cantarolando para si mesma, ela colheu algumas flores e as colocou em uma cesta. Estava em uma área mais isolada do bosque quando uma espécie de fumaça negra surgiu do chão e cresceu tomando a silhueta de um homem. Quando a fumaça se dissipou, Hades se revelou para a jovem.

-Olá. -Cumprimentou com um meio sorriso.

Espantada pela aparição repentina, Perséfone tomou a defensiva e recuou alguns passos de maneira cautelosa.

-Olá. -Respondeu timidamente.

Acho que não começamos muito bem. Pensou Hades vendo a atitude arisca da moça.

-Peço que perdoe a minha falta de modos. -Ele falou levando uma mão ao peito e fazendo uma reverência. -Hades, ao seu dispor.

Os olhos verdes da jovem se arregalaram e ela deixou o ar escapar audivelmente pela sua boca.

-O deus do submundo. -Falou, quase sussurrando.

Hades sorriu satisfeito por ela reconhece-lo.

-Único, porém creio que não o primeiro. E você é Perséfone, não é mesmo?

Ela já tinha escutado histórias sobre o impiedoso rei do submundo, irmão dos seus pais. Ouvira histórias sobre a frieza daquele deus e sobre o seu temperamento ruim. Sua mãe ficaria louca se soubesse que ela havia ficado sozinha na sua presença e a ciência daquilo a fez ficar tensa.

-Sim. -Respondeu nervosamente. -Me perdoe por perguntar, mas o que você faz tão longe de casa?

-Não há o que perdoar. Eu vim checar o estrago que Tifão fez. Tive muitos prejuízos lá embaixo.

Hades observou a forma como ela estremeceu quando o nome do monstro foi mencionado, e seu primeiro instinto foi acalenta-la, mas ele não podia fazer aquilo ou iria assustar a jovem.

-Ah, aquela criatura horrível. Felizmente papai conseguiu dete-lo antes que o pior acontecesse.

Claro. Viva a Zeus. Pensou ele amargamente.

-Sim, foi uma grande vitória. Mas o que você faz sozinha aqui?

Ele achou encantadora a forma como ela encolheu os ombros e balançou sua cesta cheia de flores.

-Vim colher algumas flores. Estava na companhia de algumas ninfas mas acabamos nos separando. Acho que prefiro assim. -Resmungou a última frase.

-Gosta de ficar sozinha? -Perguntou Hades interessado.

Ao se dar conta do que havia dito, as bochechas de Perséfone adquiriram um tom vermelho carmesim e ela cobriu a boca com uma mão ao virar o rosto envergonhada.

-N-não é isso. Elas são apenas meios que mamãe tem de me espionar. É um pouco sufocante, sabe?

Ela era adorável, e o deus se viu ainda mais encorajado por saber que ela não era plenamente satisfeita com a vida que levava. A inocência e a curiosidade eram notas tão gritantes em sua personalidade que para ela era quase impossível disfarçar.

Dito isso, ele começou a caminhar calmamente pelo bosque, sendo seguido constantemente pelo olhar desconfiado da jovem.

-Na verdade não, eu não entendo. -Ele respondeu despreocupadamente. -No meu reino eu vou aonde eu quero, faço o que quero, quando eu quero. Claro, não é fácil governar um lugar tão grande como o mundo inferior, mas eu considero um preço a se pagar pela liberdade e pelo poder.

Quando voltou a se virar na direção dela, deu de cara com um par de olhos verdes sedentos por informação.

-Parece fascinante. -Ela falou com admiração.

-Eu posso lhe contar mais se quiser.

Perséfone hesitou por um segundo. Ela não deveria falar com o sexo masculino, fossem eles homens ou deuses. Sua mãe a proibia. Mas sua curiosidade não a deixaria recusar aquela proposta. Sua mãe não precisava ficar sabendo daquilo.

-Isso não o aborreceria? -Perguntou tímida.

Como se isso fosse possível. Pensou Hades abrindo um pequeno sorriso.

-De forma alguma. Para mim será um prazer e uma honra.

E assim, Hades passou a tarde explicando a jovem deusa das flores sobre os mistérios do mundo inferior. Ela ouvia tudo com uma expressão que era um misto de curiosidade e admiração, o que o deixou ainda mais inspirado ao contar as histórias.

Perséfone estava completamente maravilhada. Palavra por palavra, suas barreiras foram caindo por terra e em pouco tempo ela estava completamente entregue ao momento. O fato de Hades ser tão encantador e atencioso só colaborava para o seu estado. Ele estava longe de ser o monstro que todos diziam. Era educado, carinhoso, paciente e muito bonito.

Não era bronzeado como os outros deuses que conhecia. Pelo contrário. Hades era extremamente pálido e tinha longos e fartos cabelos pretos que iam quase até o meio das costas. Nao podia dizer a certo como era o seu físico por baixo daquele manto negro, mas imaginava que fosse tão atlético quanto os outros deuses a julgar pela sua altura.

Ela estava prestando atenção demais aos detalhes e sabia daquilo, mas era mais forte que ela. E quando ele terminou de contar suas histórias ela já estava completamente envolvida na sua atmosfera.

Ambos estavam sentados na grama, usando o tronco de uma grossa árvore como apoio para as costas.

-Nossa. -Ela suspirou sonhadora. -Eu nunca pensei no mundo dos mortos dessa maneira. Me parece tão incrível.

Hades sabia que não podia perder tempo. Era agora ou nunca, então ele decidiu arriscar.

-Você é bem vinda para descobrir por si mesma.

A expressão de Perséfone foi mudando e ela se deu conta do que estava fazendo. Estava conversando muito próxima de Hades. Um deus, um homem. Não deveria sequer estar ali.

-Mamãe nunca permitiria. -Se levantou abruptamente, virando sua cesta e fazendo com que as flores que outrora havia colhido se espalhassem pelo chão. -Eu... Perdão, mas eu preciso ir.

Hades também se levantou e antes que ela se afastasse ele segurou delicadamente seu pulso, sentindo pela primeira vez o calor e a maciez da sua pele.

-Espere. -Ela se virou para olha-lo. -Você confia em mim?

A expressão indecisa de Perséfone só durou um segundo antes que ela admitisse para si mesma que sim, ela confiava naquele deus que havia acabado de conhecer. Ele havia sido bom com ela, a fazia sentir coisas que nunca havia sentido antes e mesmo sabendo que não devia, tudo que ela queria era ficar mais tempo na sua companhia.

-Sim. -Ela murmurou, se sentindo culpada por estar desobedecendo sua mãe, mas viva pela primeira vez na vida por estar fazendo algo que ela realmente queria.

Hades não tinha tempo a perder. Lentamente ele a puxou para mais perto e começou a aproximar seus rostos. Ele via o medo e a incerteza nos olhos de Perséfone, mas bastou que ela os fechasse para que ele recebesse o incentivo de que precisava.

Aproximando seus lábios, o deus do mundo inferior delicadamente a beijou, e foi nesse momento que um grande buraco se abriu na terra e engoliu os dois. A única coisa deixada para trás foi o grito de Perséfone e sua cesta de flores ao alento.

O Conto de Hades e PerséfoneOnde histórias criam vida. Descubra agora