Era uma linda e ensolarada tarde, os pássaros cantavam e quase não havia nuvens no céu da nossa pequena cidade no meio do nada — se é que as poucas ruas podiam ser chamadas de cidade, mas era aqui que eu vivia havia muitos anos. Meu humor nublado e quase sempre cínico, me fazia questionar onde eu poderia me encaixar no mundo, com raízes em duas nações, costumes distintos, duas famílias e culturas diferentes eu raramente encontrava meu lugar. Ser metade latina e metade americana não facilitava as coisas, a não ser por me dar dois passaportes.
Sentada ao lado de um túmulo no cemitério vazio, estava pronta para a festa dos Clark, quando senti necessidade de fazer algo que não fazia havia quase dois anos: desabafar. Minha vida mudou completamente após conhecer Andrew. Anos atrás, nos esbarramos, discutimos e nos apaixonamos à primeira vista. Pelo menos, foi assim para mim — tão clichê como os filmes que eu odiava. Seus olhos amendoados e seu sorriso marcante chamaram minha atenção quando o pisei sem querer na arquibancada, naquele dia ele descansava da educação física, e eu fugia dela. E, a partir daquela tarde, nos vimos todos os dias, por mais de dez meses.
Abraçada aos joelhos, eu encarava a grama seca.
O filho mais velho dos Clark era uma das pessoas mais perfeitas que conheci, não apenas pela aparência ou comportamento, ele parecia perfeito diante de todas as minhas imperfeições. Ele seguia as regras, e eu as quebrava. Ele amava a cor branca, e quase todas as minhas roupas eram pretas. Ele almejava um currículo impecável, enquanto eu só queria passar de ano. Ele era calmo e eu, explosiva. Andrew era um raio de sol no meu mundo nublado.
Foi isso que ele fez na minha vida: entrou como um sol invadindo meu céu sem pedir licença e iluminou tudo ao meu redor e nossas diferenças acabou nos ensinando muitas coisas novas. Eu fui ensinada que seguir algumas regras não matava ninguém e ele percebeu que o preto o deixava mais bonito. Ele me mostrou que eu podia sonhar com a faculdade, e eu acabei o ensinando a curtir um pouco mais a vida em nosso vasto tempo juntos.
Há dois anos, quando estávamos prestes a assumir nosso relacionamento, ele se foi. Em uma manhã de inverno, a vizinhança começou a comentar sobre a tragédia. Eu relutei em acreditar, afinal, a vida não podia fazer isso conosco, podia? Sim, ela pode e não pediu permissão para abrir um buraco em meu peito. Ao perde-lo, eu me perdi.
Quando ele morreu, uma parte de mim morreu também — pelo menos, pensei que tivesse morrido até conhecer sua irmã, que, por ironia do destino, tinha o mesmo sorriso. Nos tornamos amigas em uma manhã chuvosa, e consegui me abrir para novas possibilidades de vida, inclusive me dar a chance de conhecer alguém novamente. Só não esperava que essa pessoa fosse o melhor amigo de Andrew, uns chamam isso de mundo pequeno e outros de acasos, mas foi assim que conheci Alex, de quem só ouvira falar.
Tornamo-nos amigos, cúmplices de livros de terror e, por fim decidimos nos conhecer melhor como duas pessoas obviamente atraídas uma pela outra. Tive, mais uma vez, a sorte de conhecer uma pessoa doce, engraçada, gentil, que iluminava todas as minhas partes boas. Mas, para o meu coração, não foi tão simples assim. Mesmo com todo meu esforço, ele não conseguiu se abrir novamente, e não consegui tê-lo completamente como todo meu ser desejava, eu não me apaixonei.
Há uma semana, encerramos nossos momentos juntos e retornamos para onde nunca conseguimos sair: Uma bela amizade.
Pousei uma rosa no túmulo e senti meu coração doer ao encarar sua foto.
— Está bravo comigo por nunca ter tido coragem de vir aqui desde... — Suspirei, segurando o choro. — Desde sua partida? — Passei a mão sobre seu nome, junto à sua data de nascimento e à data de sua morte. — Sabe que parte minha ainda não aceita sua morte?
Era como se eu pudesse ouvi-lo reclamar por eu ter sumido e seus dramas sobre uma ligação perdida.
— Preciso te contar algo que já sabe, mas espero ter aceitado bem. Tentei gostar de alguém novamente...— Sorri, imaginando-o bufar. — Acho que você vê tudo, não é? Mas não consegui deixá-lo entrar em meu coração, e a culpa talvez seja por ainda amar você. — Com minha blusa, enxuguei uma lágrima.
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Acasos Do Coração
RomanceJoanne Clark sempre foi uma garota cheia de sonhos e sorrisos, mas um evento devastador apagou sua luz. Ao invés de sonhar com o primeiro amor, Joanne anseia apenas por escapar da cidade que representa sua dor e deixar para trás todas as lembranças...