Capítulo I

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Capítulo I

 

CARMEN

Era uma quarta-feira de setembro e, como acontecia todas as semanas, Carmen ia em direção ao treino de voleibol. Treinava às segundas e quartas. Se pudesse, jogaria todos os dias. Era sua grande paixão.

Para seus pais, os treinos nada mais eram do que um exercício físico que a fazia ficar cada vez mais alta e magra. Carmen Rodriguez tinha dezesseis anos e um metro e setenta e cinco de altura. Seus lisos e longos cabelos castanhos emolduravam um rosto perfeito. Olhos verdes, lábios carnudos, pele morena. Sua beleza desde criança fez os pais acreditarem que ela poderia ser Miss ou modelo. Como a Venezuela, seu país, era considerado uma “indústria de misses” o sonho dos pais parecia algo natural. Aos catorze anos, já tinha sido contratada, por um pequeno salário, para uma agência de modelos que, ao mesmo tempo era uma “escola de misses” onde aprendia tudo sobre esse mundo glamoroso.

Embora fosse o sonho de seus pais, Carmen não se sentia nem um pouco à vontade no meio das candidatas a Miss. Era uma menina tímida e quieta. Desfilar, fazer caras e bocas para fotos era um suplício. Além disso, tinha a nítida sensação de que sempre ficava um tanto artificial nas fotografias. As meninas que conhecia também não a ajudavam a se sentir mais à vontade. Não tinha amigas na agência. Todas aquelas adolescentes pareciam estar em eterna competição umas com as outras e não havia espaço para coleguismo sem interesse. A grande vantagem do sonho de seus pais era ter uma desculpa para continuar jogando voleibol.   

Uma vez, eles haviam cogitado a hipótese de tirá-la do treinamento. Argumentaram que bastava aumentar a dieta (ela vivia com a alimentação restrita para não engordar) e ela continuaria magra. Carmen nunca ousava discutir uma ordem dos pais, mas dessa vez posicionou-se de forma firme. Argumentou que não poderia parar com o exercício, pois ficaria flácida. Disse ainda que todas as suas 'amigas' faziam esportes.

Por fim, acabou vencendo e continuou a treinar.

Entendia o sonho dos pais e seu sacrifício. A família era pobre e Carmen ainda tinha uma irmã um ano mais velha, Anabela. Moravam na periferia de Caracas, num dos maiores Barrios sobre um morro, onde viviam cerca de trezentas mil pessoas. Viviam numa casa pequena, que ficava no segundo andar de um sobrado. Os pais dormiam no quarto e as meninas acomodavam-se na sala. Completava a casa uma minúscula cozinha e um banheiro. Para ter acesso a ela, subiam por uma estreita escada de cimento colada à parede que sustentava a casa, sem corrimão do outro lado. De tanto subirem e descerem, ao longo dos anos que moravam ali, acostumaram-se com a falta de corrimão e assim ela ficou desde a construção. O pai, Juan, trabalhava como padeiro e a mãe, Ana, cuidava da casa. Com isso, apostavam tudo que Carmen os faria ricos e desde pequena ela tinha sido educada para tal.

Anabela também era linda e muito mais sociável que Carmen. Porém, era um pouco mais baixa, o que fez com que os pais tivessem colocado todas as fichas na carreira de Carmen. E, por isso, ela aceitava seu destino pacificamente, pelo bem da família.

 No fim do ano, tinham combinado que ela faria um implante nos seios. Sabia-se que, por mais bela que fosse a candidata, todas as misses tinha algo a consertar, tirar ou acrescentar. Estavam juntando dinheiro para seu implante nos seios. Ela não tinha nenhuma vontade de passar por uma cirurgia por um motivo tão tolo, mas, novamente, seus desejos eram menos importantes que os sonhos da família.

Estudava pelas manhãs em uma escola pública. O ensino era fraco, porém no curso de miss, aprendera a falar Inglês e estudava geografia e história. Para pagar as o treinamento de voleibol e ajudar nas despesa da casa, Carmen participava de algumas campanhas publicitárias. Entretanto, não era muito solicitada e desconfiava que isso se devia ao fato de suas fotografias não apresentarem naturalidade.

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