Capítulo II

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Capítulo II

 

Roberto

- Passa, passa, Zé!

Zé fez uma finta e cruzou a bola que caiu um pouco à frente de Betinho. O garoto magrelo e ágil, correu mais que o beque do time adversário e chegou na bola e chutou para o gol.

- Gooooooooooolllll!

Saiu correndo e deu um soco no ar, imitando seu ídolo Pelé. Sempre comemorava os gols dessa forma.

Betinho adorava futebol. Era o melhor momento de seu dia dentro da Casa de Detenção do Rio de Janeiro. Já estava lá há três meses e nessa hora esquecia de todo o sofrimento que era viver dentro daquele lugar.

Dividia o quarto-cela com mais vinte garotos menores de dezoito anos, num espaço onde apenas dez já se sentiriam apertados. O lugar era sujo e viviam em completa tensão. Apesar de ainda adolescentes, muitos já haviam matado, roubado, eram traficantes e drogados. Era preciso estar sempre atento para se defender. E nunca arranjar briga com as pessoas erradas.

Tinha sido detido por trabalhar para traficantes na favela onde morava. Nunca tinha matado ninguém, nem trabalhava diretamente com a droga. Era apenas um “contador”, como era conhecido.

Morava naquela favela do Rio de Janeiro desde que seu pai tinha morrido. Morava no barraco de madeira com sua mãe e mais três irmãos mais novos. Todos seus irmãos eram filhos de diferentes pais, com os quais, não tinham contato. O barraco tinha uma sala onde todos dormiam em colchonetes, um banheiro e uma pequena cozinha com pia, geladeira e fogão. Na sala, sobre um caixote, tinham uma televisão. A eletricidade vinha de “gatos” feitos nos postes. Era uma prática totalmente comum na localidade.

O pai tinha morrido quando ainda era bebê. Era policial militar e tinha levado um tiro, quando tentava deter um assalto. Seus pais eram ainda recém-casados e a mãe não conseguira reagir à perda. Como ele sustentava a casa, sua morte e a consequente falta de dinheiro fizeram com que a família acabasse se mudando para uma favela. Pior. Com todos os problemas, sua mãe acabara tornando-se alcoólatra. Dos relacionamentos com outros namorados vieram os três irmãos. Porém, esses relacionamentos nunca duravam muito tempo e os namorados iam-se quando os filhos chegavam. Betinho sempre imaginava como teria sido sua vida se o pai não tivesse morrido.

Antes de ser detido, estava estudando em uma escola pública. Era um aluno brilhante e tentava esconder isso. Não gostava de ser diferente dos outros e detestava ser tratado como “nerd”. Contudo, todos sempre acabavam percebendo que tinha mais facilidade que a maioria para aprender. E assim, continuavam a chamá-lo de nerd. Aprendera, com isso, a nunca responder as perguntas dos professores na escola para tentar fingir que também não tinha entendido. Queria ser igual a todos os colegas.

A escola tinha um ensino muito fraco. Todos sabiam que as escolas do governo eram piores do que as particulares. Assim, nas escolas públicas só estudavam as crianças que não podiam ter seus estudos pagos. O caso de Betinho. Tinha começado a trabalhar aos nove anos para ajudar no sustento da casa. Ele e seus irmãos só não tinham largado a escola, pois, além de tomarem café da manhã e almoçarem lá, um projeto de incentivo do governo pagava à mãe um salário família, desde que ela comprovasse que os filhos eram mantidos na escola.

A mãe, Josefa, trabalhava esporadicamente como faxineira e casas de família. Quando não encontrava trabalho, a única renda era o incentivo do governo. Por isso, os filhos continuavam na escola. Para ajudar na pouca renda, Betinho tinha começado aos nove anos vendendo balas nos semáforos.

Com os amigos, aprendeu a fazer malabarismos com bolas, limões e o que mais caísse em suas mãos. Passou a então fazer shows nos semáforos para ganhar dinheiro. Com o tempo, foi se especializando e durante as noites também jogava bastões pegando fogo.

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