CAPÍTULO 4 - SOBRE O QUE TODOS SABEM.

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— Onde você estava? — Minha mãe quase gritou quando abri a porta de casa. Não foi preciso nem um milissegundo para que ela percebesse que era eu, mas, ainda assim, ela podia ter assustado a qualquer um.

— Eu... — Comecei a responder, sem manter contato visual direto com ela, meio envergonhado por ter esquecido de ligar para meus pais. — Eu estava com uns amigos.

— Amigos? — Ela ecoou. — Ficamos preocupados durante a noite inteira!

Comecei a andar no corredor, deixando de lado o olhar repreensivo dela. Na verdade, queria ir logo para meu quarto, queria ver as consequências de toda aquela história – mas, supus, a briga dos meus pais já era uma das consequências. Meu pai, que estava na sala de estar, nem se moveu quando passei. Contudo, consegui escutar sua voz atrás de mim:

— Escute a sua mãe, Theodore. — Parei de andar imediatamente. — Você deveria ter nos avisado.

— Eu teria, se meu celular não tivesse morrido. — Menti, olhando para o aparelho na minha mão. Tentei convencê-los com uma desculpa esfarrapada e fui pego no ato.

— E com quem você estava? Essa pessoa não tem um carregador de celular? — Minha mãe disse.

— Eu...

— Além disso, você está cheirando a cigarro. Andou fumando? — Ela continuou, com a voz carregada de nojo. Parecia que estavam me direcionando a um exorcismo.

— Não, eu só fiquei perto de gente que fuma. — Falei a verdade, me lembrando das dezenas de pessoas no clube onde ocorreu o Mala Suerte. Provavelmente, todas as pessoas naquele lugar fumavam.

Minha mãe não disse mais nada, mas ficou parada na saída do corredor, com a mesma cara de desaprovação. Meu pai não mudou nada em sua postura, parecendo superficialmente indiferente (mas, eu sabia que essa indiferença dele indicava que estava com raiva). Olhei para ambos, tentando pensar em uma desculpa melhor, mas qualquer coisa que eu dissesse não seria levada a sério. Provavelmente, estavam achando que eu ainda estava bêbado ou algo do tipo.

— Vá tomar um banho. — Minha mãe disse. — Você está péssimo. Depois conversamos.

Segui as ordens dela e me virei para o outro lado, começando a andar. Ainda podia sentir seu olhar na minha nuca e ainda pude ouvir seus murmúrios quando fechei a porta do meu quarto. Eles estavam certos, obviamente. Eu devia ter mandado uma mensagem ou ligado para eles, mas, pensando pelo meu lado, não houve tempo nem disposição para ficar mexendo no celular na noite passada. Tudo o que eu queria era focar no Mala Suerte. Não queria desbloquear meu celular e receber quinhentas mensagens da Cora ou de outros alunos do colégio. Por isso, não tirei meu celular do bolso no dia anterior.

Agora, num lugar calmo e familiar, finalmente consegui relaxar. Ainda havia aquela discussão com meus pais, marcada para mais tarde, mas deixei isso de lado enquanto me sentava na cama. Parecia que tinha sido atropelado dez vezes por um caminhão de carga. Todos os meus músculos estavam doendo e dormentes, como se eu tivesse feito um grande esforço físico. Ainda não sabia se o drama psicológico do sorteio conseguiria afetar minha saúde, mas não duvidei disso naquele momento. Minha mãe estava certa: eu estava péssimo.

Me deitei na cama, sentindo os cobertores ao meu redor, e no mesmo instante meu celular vibrou. Tirei ele do bolso para descobrir que, de fato, algumas consequências não poderiam ser evitadas. Levei um tempo para desbloquear a tela ou para sequer achar alguma informação útil no meio de tantas notificações.

Aparentemente, o resultado do sorteio foi viral. Havia notificações de todos os tipos: solicitações de amizade em redes sociais, mensagens em aplicativos de conversa, marcações em fotos e comentários em posts misteriosos. Tentei achar alguma coisa que fosse útil, algo que não mostrasse que as pessoas realmente achavam que eu e Brian iríamos transar, mas não havia nada além disso. Alguns comentários nas minhas fotos diziam que eu me dei bem, como se ficar com Brian fosse um prêmio. Em algumas marcações do meu nome (nas fotos do Brian), as pessoas falavam que não sabiam que Brian gostava de garotos. Revirei os olhos. Se eles realmente achavam que aquele menino estava mentindo sobre sua sexualidade durante todo o ensino médio... o que estavam pensando de mim? Como eu poderia ter certeza de que não me achavam oferecido ou algo do tipo? Se acreditavam que fui o responsável por trazer à tona a sexualidade do Brian, o que eu deveria esperar no dia seguinte? Que tipo de comentários fariam? Quais insinuações percorreriam o colégio?

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