7. pássaros que cortam o oceano.

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"Esperei tanto por ti. Na verdade, achei que não estaria aqui quando tu chegasse. Mas eu tô bem aqui e tu bem aqui. E isso é lindo demais. É bom sentir teu cheiro, ouvir teu nome, e sentir teu toque macio, leve. Tive que te tocar três, cinco, oito vezes pra perceber que sim, tu estava aqui. Bem aqui. E eu também."

(Com amor, a ― diatrintaequatro)

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A luz que escorre pelas frestas, quando o vento escancara minhas cortinas, se remonta em linhas imaginárias que beijam meu chão, mas tocam os seus lábios. Escuto uma risada vinda pelo corredor, acendida no lusco-fusco com a incandescência de quem enxerga além da pele e busca memorizar cada miudeza: um adjetivo florido se esconde numa mecha desgrenhada do seu cabelo e tatua uma saudade na palma da minha mão, seguindo sempre uma direção cíclica que não possui norte ou sul. Rasuro na minha prosa aquele beira-mar no qual você nasceu; insisto em fazer sua presença um movimento uniforme de quem se recusa a acelerar o tempo. Não consigo descrever cenários gloriosos, mas narraria até onde se colocam as vírgulas daquela vez em que a noite desabrochou seu rosto nos jardins suspensos dos meus cílios, instantes depois de o cansaço embalar meu sono; pingos nos i's que guardei como um perfume em vãos secretos da memória.

Eu traçaria uma estrada de tijolos amarelos se o destino final me trouxesse alguma espécie de convergência entre mundos que nunca se alinham, como você e eu. Gosto de pensar que você é um fato inevitável, um caminho pré-determinado do destino antes do encontro; tenho consciência de que estes podem ser apenas o começo fatalista da separação, ainda assim, esforcei-me para decorar cada sopro de vida criptografado no seu coração bonito e confidenciei às madrugadas de que você é uma parte do meu, também. Me abriguei na cadência da tua voz como quem finalmente abraça um lar, parti ao meio minha antiga armadura de lata que impedia a entrada de paixões ― e qualquer desejo de permanecer ― só para que a tua poesia não dita vagueasse pela casa e respingasse no meu peito. Gosto de achar que sei prever seus passos e que em algum momento verei a sobreposição dos meus pés no mesmo sentido dos seus, apesar de sermos paralelos ― cartográficos, solsticiais, planetários. Giro meu mapa-múndi e finjo que a longitude não passa de mera ilusão de óptica, superada num estender dos braços, em um despertar da lua. A geografia não existe; um par de trópicos que se fundem para criar seu próprio hemisfério. Sinto sua respiração escapar dos meus pulmões.

E minha boca faz o contorno do teu nome como uma prece silente. Olho o reflexo do dia no vidro das janelas e vejo o gentil sombrear da tua silhueta; te procuro por todos os lugares e, sem sucesso, volto à velha rotina de quem te respira através de outros universos por meio de frases que afagam e destroem, porque você é feito de um pedaço da matéria abstrata daquele sonho que desponta de um acaso interestelar. Estamos a meridianos de diferença, mas diria que reconheceria seu andar na calçada como se houvesse, antes do agora, mapeado uma trilha entre os corpos celestes para que as nossas estrelas se atassem. É assim que o deixo entrelaçado, cuidadosamente, na minha história. Há um muro que se estende entre nós de uma ponta a outra, nivelando a proximidade com mãos de ferro, mas isso não me apavora. Caminhando em rotas equidistantes, o sigo no balançar da brisa tendo a certeza feliz de que a angústia desaparece; de que mesmo em outras galáxias, eu ainda escolheria cada versão que existisse de você.

Eu o escolho agora.

Imagino o modo como o brilho da manhã atingiria os pontos cegos do seu rosto, tal qual um processo de filme fotográfico consequente da junção desgovernada de substâncias puras; prótons e elétrons convergindo em reações químicas de óxido-redução que apenas a minha cabeça pode revelar, transformação de imagem latente privada para o resto do mundo. Nunca quis que seu brilho refletisse a forma como o abraço nos dias de eclipse, quando satélites e astros centrais me presenteiam o sussurrar de nossa coexistência. O guardei em silêncio por tanto tempo durante meus assoprares de velas, ano após ano, que, se me pedissem para soletrar as cantigas das suas cicatrizes, querido, talvez eu não conseguisse. Embora eu saiba que, se o virasse do avesso e pusesse seus pontos objetivos de forma contrária, ainda conheceria um a um dos caminhos inéditos de cada pedaço de digital, tecido e marca. O levo no meu bolso porque minha covardia é grande demais para deixar os devaneios partirem ― tive tantos. Às vezes, você ainda me dói como um coração partido que não aconteceu e que o tempo jamais curaria.

Como uma colcha de retalhos pregada aos poucos, desfruto de suas minúcias forçando-me a continuar tentando remontar suas eras passadas nos interlúdios de seus sumiços e retornos sem aviso prévio, porque minha maior convicção sobre você é que não sei o que fará a seguir. E não me assusta não saber. Talvez se desenhe pelas minhas paredes durante um, dois, três meses ou atravesse a porta da frente e desapareça para nunca mais. É provável que você não volte à nossa reta habitual depois do hoje. Ou volte, mas diferente. O que tenho de você agora, nunca mais poderei ter com o passar de um minuto. Habituei-me a acreditar que seu gosto pelo súbito seja uma forma de me desgarrar da frustração que é a impossibilidade de manter sua constância nas minhas estações e que, de uma forma ou de outra, chegará a hora de andar em rumos opostos e não síncronos, sem medos. Eu ainda possuo milhares ― deixá-lo para trás, sem dúvida, é o maior deles. E, de certa forma, conhecer suas versões antigas são meu porto-seguro: consegui chegar perto o suficiente para saber que não é nenhum tipo de invenção subsequente de alucinógenos aleatórios na minha corrente sanguínea. Mas os pássaros cortam o oceano e pousam no seu ombro; cantarolam tudo o que este nosso intervalo me impede de vocalizar.

Eles te levam o meu amor.

E você sorri. As feições comuns, de algum jeito, se combinam e provocam um aperto no meu peito. Adoro a forma como olha para o mundo, com seus olhos calmos, mesmo quando a vida dá uma reviravolta. Seu charme vem da soma de todas as suas muitas partes. Em certos momentos, tenho vontade de desaparecer em algum interlúdio entre céu e mar, evitar qualquer dor que seja, mas hoje percebi que chorei antes de escrever isto. E isto sempre acaba sendo sobre você: caso não fosse, este discurso direto ― diretamente para uma pessoa, de mim até onde você está ― teria algum sentido?

Por esse motivo, minhas palavras dançam pelo papel e os verbos se moldam em alguma espécie desajeitada de paraíso particular, criando lembranças melancólicas que afrouxam o nó amarrado na garganta e desengasgam os sentimentos reprimidos. É que eu gostaria de deixar essa cidade e ir para algum lugar no qual só eu e você soubéssemos como chegar, mas este meio mundo de distância, apesar do peso, faz meu coração sorrir. E embora, talvez, eu sinta esta falta para sempre, de uma forma que jamais cesse por inteiro, não faz mal. Ela me faz lembrar. É agridoce. Gosto de pensar na felicidade da fuga ― você sempre foi a minha. Então você pode velejar para o oeste, se quiser, e ir além do horizonte até que eu não possa mais vê-lo¹ abaixo desta divisa, ainda te admiro do meu lado quando fecho os olhos, querido, e espero que entenda porque eu o amo tanto.

(Tanto).

¹: Trecho da música Boats and Birds, da cantora Meredith Godreau (Gregory and the Hawk).

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