"Era raro encontrar alguém assim. Alguém para amar para sempre. E o que fazer quando essa pessoa nasce meio mundo distante?"
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Lembro de ter ouvido alguém falar que apenas palavras são capazes de dilacerar e eternizar na mesma medida, porque as melhores experiências não são as que vivemos de fato, mas as que escutamos em algum lugar e que só existiam dois tipos de pessoas no mundo: aquelas que contam e aquelas que ouvem, interdependentes, como se fossem pedaços complementares de uma única carta de baralho.
Às vezes, penso nisso como uma ironia do universo. Eu sempre fui daquelas que decoram com facilidade as declarações ditas nas novelas, que reescrevem parágrafos de romances no diário, que criam títulos melosos nas playlists sobre lugares e momentos, só para guardar cada entrelinha e mínima vírgula na memória, e que acham mais poético imaginar "o que poderia ser" ao invés de saber "o que foi". Na minha cabeça, essa era a minha função; lembrar de tudo, muito bem, e essas experiências se manteriam intactas apesar do tempo.
É engraçado dizer isso agora, porque quando conheci você, Jungkook, passei a ter histórias para contar.
Sendo sincera, não sei exatamente o que vi em você, só houve um momento em que todas as coisas à minha volta te recordavam, como se estivesse nos arredores antes mesmo que eu me desse conta da sua presença. Você chegou como uma epifania, um fato consumado antes do encontro; saído de dentro da minha caligrafia, cheio de letras coladas aos seus braços, mãos e ombros, construído por meia dúzia de metáforas que se juntavam nos seus joelhos como estrelas decorando um pequeno recorte do céu durante a madrugada. E se tornou a minha companhia preferida, o visitante que decidiu permanecer e existir entre os dias de verão que nunca acabam que vejo pela janela do meu quarto, nos discos clássicos dos anos sessenta que herdei dos meus avós, no cheiro da essência de baunilha que já se impregnou na parede da cozinha, nas luzes coloridas da praça aos sábados, naqueles livros da biblioteca municipal que quase ninguém lê e pegam pó na estante.
Você ressignificou mais da metade de tudo o que conheci a minha vida inteira. Acho que esse tenha sido o motivo por trás da minha ânsia de te manter em um lugar seguro, à salvo de todo o resto; parecia um universo dentro do meu, uma força da natureza, sem previsão alguma de inundações, furacões ou terremotos, e eu não sabia que algo tão imenso poderia caber em alguém tão pequena. Eu pensei que vedaria minhas veias, pesaria nos meus músculos, esfolaria os meus ossos, destruiria cada vestígio sob a superfície quando exposto à luz do sol, a minha versão inédita do calcanhar fatalista de Aquiles.
Bukowski comparava a escrita com iniciar incêndios, dizia que é preciso destruir antes de criar, e eu admito que, às vezes, temi te tocar e acabar em ruínas, sufocar com a tristeza crescendo em mim, ficar presa num labirinto ao tentar encontrar você, Jungkook. Nunca gostei de me sentir sem rumo, de ser como se não pudesse afundar nem alcançar a terra, e me assustou ver tudo isso ao alcance do meu toque, descobrir que todo este espaço seria somente seu desde que o mundo decidiu colidir a sua luz com as minhas palavras, como se estivesse gravando no meu peito em letras maiúsculas a primeira vez em que realmente provei um pouco do amor.
E eu quis te trazer para o mais perto que eu pudesse do meu coração, onde ninguém jamais esteve. Compartilhar com você as minhas lembranças mais bonitas e permitir que fizesse parte das futuras, as que vou contar daqui a dez, vinte anos: de só nos lembrarmos dos ingressos de cinema na minha bolsa quando expirou a seção, das idas ao cais para ver o sol se pôr, das performances ridículas que fizemos ao som das músicas da minha cantora favorita e da sua zombaria com as minhas roupas de ir à missa nos domingos enquanto roubava colheradas dos meus doces feitos pela metade.
De olhos fechados, eu te ouviria contar quais são os seus filmes prediletos de romance, logo depois de terminar uma discussão sobre O Senhor dos Anéis ser muito melhor do que Harry Potter. Talvez entendesse como é viver numa cidade grande onde as pessoas não te conhecem de verdade e você ouviria minha explicação muito científica do por quê o para-sempre ser feito de "ontens". Juraríamos segredo sobre os seus medos ocultados pelo brilho dos holofotes que giram ao seu redor e as minhas manias ruins de guardar tudo o que devo jogar fora: fitas, miçangas velhas, cartas que não foram escritas para mim e um bocado de sonhos sobre você.
Porque eu não queria te soltar. Não que eu quisesse te prender, nunca quis isso, você não é uma coisa que pode ser declamada por posse, como terras ou propriedades. Mas eu te queria comigo, às vezes. Nos fins de semana inteiros. Nos feriados e no meu aniversário. Nas noites frias de junho e nas festas de início de ano. No parque de diversões que só vem em agosto, naquela festa de debutante que fui sozinha e imaginei se você se encaixaria ali. Nos dias de jogos em família, nós perderíamos três rodadas seguidas e desistiríamos logo em seguida para assistir a seriados em preto-e-branco. Nas tardes calorentas repetindo a mesma seleção de canções românticas incorrigíveis, que são tão bregas ao ponto de te ouvir dizendo que eu deveria expandir meus horizontes. Em todas as coisas no mundo que eu adoraria ter dividido com você.
Então eu as escrevi. Talvez para tentar me esvaziar, deixar você para trás com todas essas divisas e linhas imaginárias que nos rodeiam, como se ignorar certas esperanças pudessem fazê-las, de alguma forma, desistir de serem minhas. Se eu pudesse arrancar essa parte sua que grudou em mim, fechar o restante das portas entreabertas, quem sabe algum de nós saísse inteiro no final, logo que você decidisse ir embora. Isso não tornou as coisas mais fáceis. Mas na próxima vez eu vou entender. Quando a primavera finalmente chegar e o som da sua voz não me assombrar mais.
A verdade é que todas as boas tradições, um dia, acabam. É por isso que o ontem tem me sufocado de todas as maneiras. Acho que eu tenho saudade de coisas que não podem mais voltar, mas esquecer significa desfazer do meu corpo, da minha pele; significa deixar para trás não só uma parte do que já foi, mas também quem fui e já não sou mais. Alguém que quero lembrar. É assim que é estar à deriva. O que ficou em mim é só meu. Machucam agora, mas quero que fiquem. Quando olhar para minha própria mão, irei vê-la dentro da sua. Caberia tão direitinho. Para os fracos como eu, isso é o bastante. E provavelmente você não deve fazer nem ideia da razão de isso ser tão hediondo, de doer tanto e ao mesmo tempo ser um milagre, por isso, vou te contar um segredo: amor só acontece uma vez na vida.
E nesta eu já amei você.
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Quando nos Vênus, juro a Marte.
Fanfiction"É que eu gostaria de deixar essa cidade e ir para algum lugar no qual só eu e você soubéssemos como chegar, mas este meio mundo de distância, apesar do peso, faz meu coração sorrir. E embora, talvez, eu sinta esta falta para sempre, de uma forma qu...