5. tudo o que poderia ser infinito.

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20 de junho de 2019, 11:45 a.m.

Ele esperou o Sol se pôr, e o silêncio chegar, para assistir pontinhos que brilham na escuridão. Deitado no chão da sacada sob os lençóis, ele cartografa mentalmente as constelações que, segundo as informações meteorológicas, estariam visíveis hoje. O céu não vestiu sua manta cinza, como um presente do Universo devido ao solstício. De Verão, onde ele está. De Inverno, aqui. Os olhos, sob os cílios compridos, observam atentamente a sequência de globos luminosos, enquanto a cidade inteira adormece e sonha com o amanhecer no dia seguinte. Suas mãos fazem o lápis passear pela folha em branco do caderno de anotações, preenchendo-a com a letra bonita no idioma que não consigo compreender, mas decodifico em tons de felicidade. Lá, sozinho, ele murmura uma frase; algo que não posso decifrar.

Neste trópico, encaro o céu de luz monocromática, enfeitado por finas nuvens que se esgueiram por trás das montanhas singelamente pintadas de marrom e verde-pastel. Um vitral trágico e romântico, encenando tudo o que poderia ser infinito diante e além dos meus olhos ― o corte das suas pálpebras, o veraneio da pele e a luminescência na ponta dos dedos. Mas minhas palavras parecem repetidas: escolho com cuidado um adjetivo, trato de forma delicada as entrelinhas, conto histórias sobre uma outra realidade. Danço com as metáforas que ele transforma em melodia. Mancho seus pulsos, tornozelos e braços com a caneta, minha língua revolve seu nome; poesia desregulada. São manchas de melancolia. Bonito e miserável, algo que faz sentido visto de longe, perturbador se chegarmos mais perto.

Ao longe, escuto a batida marcada do seu peito; seu diafragma sobe e desce, restringindo e dilatando a quantidade de oxigênio na sua respiração. Antes da sístole, uma diástole: a dependência temporal que nos transforma em poeira, efêmeros, talvez impossíveis ― coexistimos juntos, uma dança perfeita de desencontros. Ele pisca quando entreabro os lábios. Sua voz canta a estrofe que sublinhou faz dias, uma outra composição inédita. Porque não vou acreditar nisso amanhã de manhã? Sei que ele muda completamente na velocidade em que vê um novo cometa cruzando o céu. Eu vejo névoa de início da tarde. São 17.594 quilômetros entre você e eu. Diga, as estrelas estão mais brilhantes esta noite?

"Estão", ele iria responder. "É um fenômeno natural raro."

A ponta do meu nariz e as maçãs do meu rosto corariam, devagar, enquanto observaríamos uma tempestade de meteoros.

"Tenho uma lista." Talvez eu sussurrasse.

Suas sobrancelhas franziriam.

"Sobre o quê?", ele perguntaria.

Sei que respiraria fundo, virando o rosto para olhá-lo, tímida. "Sobre coisas que podem ser infinitas."

Então, seus lábios se repuxariam nos cantos, mostrando os dentes alinhados.

"O que vem em primeiro lugar?"

E ele saberia a resposta.

"Você."

E ele compreenderia.

Mas estou aqui. Ele, lá. As horas são irregulares, estranhas, maldosas.

O dia desce, os cantos da casa tingem minha pele de todas as tonalidades debaixo das lâmpadas. Sinto meus dedos queimarem ― não uma queima devastadora, mas paralisante, como o fogo de bombas de fragmentação que sugam o oxigênio e apenas o vácuo me resta. Rasgo todo o meu tecido pulmonar e minha boca seca, não posso falar, não me movo, porque meu coração bate tão rápido que cospe estilhaços de vidro antes de permitir que qualquer outra coisa flua e eu consiga racionalizar.

É por isso que não sei mais descrever. Me faltam interpretações, entretanto, tento definir em hipérboles a pinta que ele tem no lábio inferior, a cicatriz florida na bochecha. Tento escrever sobre o amor: soa mais fácil tê-lo do que vivê-lo. Ainda assim, ele respira, tingido com as cores das coisas que só se têm uma vez na vida, coisas que despontam dentro de mim. Há uma luz que mostra o caminho, mas sei da verdade: ele é proibido.

Tudo dura um mísero segundo e uma eternidade: o perfume impregnado na sua camisa, a música já escrita até a metade, sua solidão, minhas feridas abertas. Ele presta atenção na lua imperturbável, que se mantém serena na imensidão enquanto rima amar e libertar na sua fala poética. Eu risco o único parágrafo que possuo, rasuro tudo. Uma vez, alguém me disse que a vida era uma rima perfeita, uma poesia tecida pelo infinito, traçada em uma única linha, onde somos tragados pelos excessos de uns e pelos confrontos de várias partes de outros. Mas quem acreditaria que duas existências podem se cruzar e só uma delas é capaz de ver ― de sentir? É tão difícil para ele imaginar que a infinitude do sentimento ultrapassa o toque?

Simultaneamente, a luz se expande e se retrai no horizonte, dependendo da inclinação da Terra. Aqui, meus cabelos cobrem o travesseiro e minha mente escurece no compasso dos postes acesos do lado de fora. Lá, ele assiste o tom dourado despontar por trás dos prédios, ainda sob os lençóis, na sacada, e guarda a canção que ninguém jamais terá o privilégio de entoar a cadência. Desacelero o ritmo, ele o deslimita.

Colapsando em todas as bordas de um coração frágil e universos cheios de agonia, a saudade bate à porta como uma velha amiga. Mas, quando a noite chegar, esses mesmos pés cegos que levam nossos olhos para passear durante a escuridão, também encontrarão o amor, ou, entre acepções metafóricas, o verdadeiro sentimento já foi distorcido pelas falhas geográficas? De qualquer forma, neste pequeno céu ilusório, o entrego a folha rasurada sem adjetivos ― a mesma que tentei preencher durante horas, sem sucesso ―, que está recheada de tópicos desconexos para o resto do mundo, mas sei que ele saberia decifrar. E então, nesta madrugada, adormecerei sabendo que ele cantará, pela manhã, a letra sobre uma lista de coisas que poderiam ser infinitas. Como contar carneirinhos, eu as enumero secretamente:

1. você.

2. eu.

3. nós dois.

4. juntos.

São promessas de uma próxima vez.


Quando nos Vênus, juro a Marte.Onde histórias criam vida. Descubra agora