3. constelações que dizem boa-noite.

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Nossas linhas de tempo não estão em sincronia.

Se for possível voltar ao que já foi, por favor, me dê uma última chance.

🌌

06 de março de 2020, 15:14 p.m.

Sua vinda é sorrateira, como a chegada do silêncio na madrugada, quando as luzes, pouco a pouco, se apagam, para encontrarem-se perdidas aos toques de Morfeu. Como de costume, na penumbra doce que recobre o vidro da minha janela, escrevo algo que penso ter visto mais cedo, enquanto escuto uma música em modo repetição, não consigo desassociá-la de você ou do som da sua voz. Imaginei tê-lo visto durante mais uma volta para casa às oito da noite de uma quinta-feira, ou talvez seja o ar frio que recorde o seu rosto. O céu não brilhava, os pequenos pontos estavam delicadamente camuflados pelas nuvens em um breu reconfortante e as horas, assimétricas e obscuras de uma solidão compreensiva, passam de forma que o relógio não parece contá-las. A maioria diz que as estrelas estão todas escondidas nos seus olhos, então por que tudo o que vejo dentro deles é vendaval? Quem sabe você não seja galáxia; no final das contas, uma chuva de meteoros, que cai sem que eu saiba quando e vem sem dizer por onde passa.

Ao contrário de mim, você não dorme neste ínterim em que o sol ainda não nasce ― permanece esperando pelo despontar do dia de tons pastéis, que se fundem à sua pele ―, e sei que está compondo mais uma canção de amor sobre alguém de um lugar o qual não conhece. Por um segundo, você gostaria de pertencer a este lado do paraíso, mesmo não sabendo onde fica? Sei que vive trespassando as fronteiras e mapeando os trópicos, no entanto, você já devastou alguma terra em que desejou criar raízes, ou sua existência efêmera prefere ir ― assim? O vejo ir e vir no meio do meu sonho, por isso, não consigo responder a mim mesma. Acho que pensa em ficar, contanto, sabe que ainda não vale a pena. Mas por que deixa vestígios seus em cantos específicos, para que eu me recorde de sua vinda? Certa vez, passeei pelas esquinas, acompanhada pelas luzes apagadas da cidade, e estive pensando que o encontrei saindo da imaginação para surgir planando na calçada, porém, olhei mais uma vez e era apenas pó fugaz de nebulosas.

Você foi embora abruptamente, sem avisar quando seria a volta e não consegui vê-lo derrapar pelo luar gélido, por isso, sussurrei uma melodia falha, desejando que pudesse ouvir, até me dar conta de que estava a meio mundo de distância de mim e das constelações que dizem boa-noite. Lembro que deixou alguns sorrisos, meia dúzia de palavras, uma flor em desabroche sobre meu travesseiro e disse, naquela noite tempestuosa de fevereiro, que retornaria em um dia celeste para descobrir o resto da história que contei pela metade, com uma faísca de que pedisse outras mil. Todavia, você se manteve cortando o cais de outros portos ― maiores e mais reluzentes; será que meu pequeno farol feito de asteroides não é o bastante para nós dois?

Como se fosse um tesouro enterrado, após tanto tempo escondido entre as duas últimas páginas do velho diário que guardei na escrivaninha, você foi encontrado completamente ao acaso, recostado debaixo de uma cerejeira ao entardecer, relendo uma velha pasta de letras que nunca seriam sobre mim. Debaixo das copas, com poucos passos entre mim e você, observei a cinética dos seus lábios misturando palavras aos seus sorrisos dados com os olhos. Sua sutileza de gestos foi alcançada pela minha memória em míseras horas, quando retornei inquieta ao meu ponto de partida, ponderando as desculpas que seriam facilmente usadas para que eu pudesse correr em círculos ao seu redor e, quem sabe, respirar no centro do seu furacão. E, segundos depois, lhe escrevi um texto inédito, pontuando um segredo nosso que ninguém mais poderia saber: em silêncio, finjo ter esquecido o temor, acredito pertencer e, nesta noite, eu o abraço.

As trovoadas não são minhas amigas, mas, quando se cansam, resta apenas a chuva e os nós dos seus dedos batendo à minha porta e, assim, me dou conta de que gosto das tempestades que trazem essa enxurrada que, como um milagre, é a sua chegada. Será que sente que é constante no multiverso que criei, mesmo indo e vindo às cegas? Se eu fosse terra inexplorada, seus braços se tornariam âncoras à minha volta? Quando os relógios se alinham em vinte e quatro horas, por alguma razão, nossos mundos se entrelaçam, uma única vez, mas sem coexistência. Por aqui ― onde tudo se torna ainda mais denso, frio e cinza ―, te trago para mais perto, e revolvo minha corrente sanguínea como tornado súbito. E, por lá ― aonde quer que esteja ―, os raios solares banham o quarto em que você fantasia, deixando sombras invisíveis dos aviões de papel que fiz e mandei para você, mas que não chegam ao destinatário.

Caso um dia os desvende, reúna-os como desejar e eles lhe contarão uma outra nova história, com um pedido rabiscado nas bordas de que a trilha-sonora seja de sua autoria. Por enquanto, mande-me um postal dentro de uma pequena garrafa que navega pelo oceano, com instruções enumeradas, me ensine a ser como bússola, para que eu consiga saber em qual lado está. Caso esteja longe demais, quero que me deixe ser uma intempérie, para que eu possa alcançá-lo sem previsão e deixar meus rastros aos seus pés, em um pedido que me encontre. Assim como você. Talvez amanhã?

Quando nos Vênus, juro a Marte.Onde histórias criam vida. Descubra agora