Cap. 03 Cinzas de Anísia

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Anísia Splendore

Sim, mesmo que emocionalmente eu estivesse caindo em um incessante abismo, já era hora de voltar para casa e renascer das minhas próprias cinzas.

— Não vai querer uma carona?  — Aquela voz grave e calma apareceu atrapalhando meus pensamentos.

Estava vestida com roupas que não me pertenciam e carregava um saco com as sobras do que vestia durante o incêndio. Caminhava pelos corredores do hospital rumo a saída com o mau humor imperando no meu psicológico, tinha fome de uma deliciosa lasanha e uma maratona longa e solitária de filmes tristes demais para serem vistos apenas uma vez.
Olhei para trás e lá estava aquele Deus Grego humildemente me oferecendo ajuda novamente.

Olha só, Jasper. Qual é a sua em? Você não tem quem sabe, uma família para dizer que esta vivo ou sei lá, um bicho de estimação para alimentar?  — Esbravejei enquanto tentava coçar meus olhos, mas infelizmente o movimento de dobrar os braços era fodidamente doloroso.

— Gasper. Meu nome é Gasper. E você pode por um momento deixar de ser tão ignorante e simplesmente aceitar uma carona? Não consegue nem encostar no próprio rosto, acha mesmo que vai muito longe?

Respirei fundo, parei no meio do corredor atrapalhando a circulação de todos e por segundos encarei-o furiosa, frágil, abrindo as janelas dos meus olhos para que todos os meus sentimentos gritassem. Balançando a cabeça negativamente, respirei fundo e desviei o olhar.

Tudo bem Gasper, peço desculpas. A carona ainda está de pé? Moro na Avenida Werkunter, 3308. Acho que realmente não consigo pegar o transporte publico no estado em que me encontro. - Suspirei.

E assim foram longos 19 minutos de percurso, o silêncio reinava entre nós e dançava junto com o clima depressivo que eu carregava. Eu me sentia sozinha, acompanhada de alguém que eu não conhecia, como sempre foi a vida toda. Tive sorte de conhecer Talisha, minha irmã de alma. Acordei em meio aos pensamentos: Talisha!

 Sã e devidamente salva em casa, Srta. Splendore. —  Sorriu e puxou o freio de mão após estacionar em frente ao edifício.

— Espera, como sabe meu sobrenome? — Questionei com uma pontada de irritação.

— Eu vi seu prontuário médico, agora vá, esta ficando muito tarde. Fique com meu número e se precisar de qualquer coisa, ligue-me sem hesitar. — Ergueu uma sobrancelha ao perceber minha irritação e logo buscou um pequeno papel com seu numero gravado e, com um olhar singelo que parecia conhecer minha alma a anos, entregou-me.

— Você precisa aprender a se comunicar melhor, Gasper. Eu só sei o seu nome, essas informações são muito vagas. Por que ficou tanto tempo comigo no hospital? — Eu jorrava perguntas que não tinham respostas e aquilo atava um nó na minha garganta.

— Acredito que esteja cansada, Anísia. Vá logo, antes que comece a chover. Boa noite. — Intrínseco e direto, como se estivesse desferindo um soco no meu estômago.

Não o respondi, cerrei os olhos e o fitei por alguns segundos enquanto abria a porta do carro. Sai em silêncio numa briga interna com meus pensamentos mais loucos querendo xingar-lo inteiro. De fato, estava muito frio e a garoa já caia.

Enfim em casa, suspirei fundo e busquei meu celular dentro do saco de pertences do hospital. Estava sem bateria e com a tela trincada. 

— Ótimo, talvez se eu trabalhar dois meses pague uma tela nova. — Deixei que carregasse por completo e quando o peguei novamente havia mais de 27 mensagens da Talisha e inúmeras ligações. Abri sua ultima mensagem que dizia "Aní, meu amor. Sei que logo estará no conforto do nosso lar lendo essa mensagem. Estou presa em Monte Livata devido a um deslizamento de gelo, não há transportes para o aeroporto desde então. Queria muito estar com você agora, por favor, quando puder me dê noticias. Amo você, irmã!" Algo em mim transbordou e minha garganta deu voz ao choro em soluços, ela é a única pessoa no mundo que eu posso chamar de "família"e me doeu muito não estarmos juntas...

Depois de longos minutos sentada em frente a janela vendo o movimento da cidade, levantei e sequei minhas lágrimas, já é hora de contar como cheguei até aqui.

Fui abandonada em frente ao orfanato da Sra. Johnson aos 5 meses de vida, foi onde tudo começou, especificamente em Cagliari localizada na Itália. Eu não sei quem são meus pais ou até se estão vivos. Nunca fui escolhida por nenhum adotante apesar de todos sempre gostarem de mim durante as visitas, era estranho, mas só provava que eu carrego alguma falha ou não sou boa o suficiente para ninguém. Aos 8 anos de vida, as supervisoras já deixavam que as outras meninas fizessem o que queriam comigo e eu já não ganhava mais presentes misteriosos, na realidade, nunca mais ganhei presentes. Alguma coisa aconteceu, só não sei o que.
Tive de deixar de lado o meu jeito tímido e começar a lutar para ter dignidade, foi assim que conheci Talisha. Sim, ela era tão tímida quanto eu e desde então nunca mais nos largamos, nos consideramos irmãs de alma vindas de outras encarnações. Quando chegamos à maior idade Talisha se inscreveu para uma bolsa em Kentank na Republica Checa e me mostrou os cursos que eles ofereciam, pronto, ali eu comecei a desenhar um novo caminho para a minha vida.
Óbvio que Talisha discordou, ela sempre achou que eu tinha vocação para modelar. Acreditem, eu não tenho nem estatura para isso. Tenho 1,60 de altura, possuo sorriso largo acompanhado de covinhas; cabelos longos e negro como a noite, olhos azuis e corpo muito bem desenhado graças aos esforços físicos diários trabalhando em restaurante e claro, nos treinos de Jiu-Jitsu e Muay Thai. Já o meu temperamento? Cuidado! Sou obstinada, enigmática e apesar de ser discreta, não levo desaforo pra casa. Essa sou eu, Anísia Splendore, 23 anos.


Tubarão Negro: A herdeira perdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora