ÚNICO | E ele estava livre.

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O Coelho Branco abre os olhos e respira fundo, tragando o ar de forma desesperada como se não o fizesse há muito tempo. Sua primeira ação depois disso é a de logo levar a mão direita ao pescoço, automática e instintivamente, sentindo uma sensação estranha ao perceber que não há nada de errado com ele. As pontas dos dedos roçam sobre a superfície macia e imaculada e, por algum motivo, isto lhe parece errado.

Eu deveria estar morto, não deveria...?

O caos em forma de memórias lhe vem à mente antes mesmo que ele possa ter percepção do ambiente em que está. Uma luta. Muito sangue. Um garoto loiro com uma espada e a visão desta vindo em direção à seu pescoço é a última da qual ele consegue se recordar. Por que aquilo soa tão... certo?

Não consegue puxar do fundo de sua mente, com exatidão, os detalhes do rosto ou o nome do garoto loiro; aliás, não consegue se lembrar do rosto e nome de ninguém. Mas por algum motivo, sente que é apaixonado - ou, ao menos, era - por aquele que, aparentemente, o matou. Está tudo uma confusão e forçar sua mente nestas lembranças lhe dá dor de cabeça. Quando recobra completamente a consciência de todo seu corpo, Jeongguk se levanta.

O que eu sou? Jeongguk, o Coelho... Coelho o quê?

Há essa angústia dentro de si que ele não consegue explicar, como se arrastasse todo seu corpo para baixo, pesando especialmente em seu peito. Jeongguk olha ao redor. Ao que parece, é final de tarde. Ele está no meio de uma cidade, num centro comercial. Estivera deitado na sarjeta, mas ninguém o viu, ninguém o vê.

Nunca soube de tantas pessoas juntas num lugar só. É uma massa viva de gente que vai e vem, sem rumo algum aparente. As carruagens deste lugar são esquisitas, também metálicas e de cores e formatos variados e estranhos, além do que não são puxadas por cavalos... ora, como se movem, então? O ar é sujo, não é puro e cheira como algo queimado, talvez óleo, ou borracha, ou couro, ferro, talvez tudo junto - ele só sabe que fede. As construções que os cercam são extremamente altas, feitas de vidro e ferro, o tipo de coisa que ele sequer imaginou que existia. Nunca viu nada assim. No lugar de onde veio...

No lugar de onde veio.

De onde eu vim?

O rapaz ajeita as roupas, e se surpreende por não estarem cobertas de sangue, porém também não consegue pensar num motivo pelo qual estariam. Suas vestes brancas que soam antiquadas naquele contexto, não combinam com as de ninguém por ali. Se é tão perceptível, então por que ninguém o nota? Por que ninguém troca olhares com ele? Por que ele está tão deslocado...?

Sente-se sozinho.

Jeongguk, o... o quê? Compreende que há algum título após seu nome, contudo não se lembra do mesmo. Aos poucos tudo vai se esvaindo e além de sozinho, ele também sente-se como um saco vazio. Falta algo, e falta dentro dele. O que Jeongguk perdeu? Corre os dedos pelos cabelos, há a ausência de algo que deveria estar ali além dos fios negros... ou é tudo coisa de sua cabeça que, com certeza, não está funcionando direito.

Jeongguk dá um passo em direção à calçada. Várias pessoas passam por ele, algumas resmungando, todas bravas, ou cansadas, ou tristes, ninguém lhe sorri. Ele caminha em meio à massa de gente apressada, sem saber o que pensar, até que bem à sua frente, para uma menina.

Ela é bem mais baixa e tem os cabelos volumosos, escuros, com mechas de um vermelho vivo e chamativo que combina com seu rosto. Suas feições não lhe são familiares, mas a sensação que ele adquire ao olhá-la, sim, embora não a conheça. Ela veste uma blusa azul clara um tanto quanto larga para seu tamanho, calças azuis de um tecido que ele não reconhece e um chapéu esquisito na cabeça, também preto, que tem uma viseira apenas na frente, para cobrir o sol. Mas o mais impressionante nessa garota não diz respeito à nada disso, e sim ao fato de que ela o vê.

- Está perdido, coelhinho?

Jeongguk acha graça e não sabe dizer por que sorri e faz que sim com a cabeça. Ora, quem é um coelhinho? Mas talvez esteja, realmente, perdido.

- Qual seu nome?

Eu sou... Jeongguk. Não sou um Coelho, sou só eu.

- Jeongguk. - A voz baixa sai rouca. - E o seu?

Ela pega em seu pulso e o leva através da multidão antes mesmo que ele consiga memorizar seu nome. Assim como tudo por ali, é um nome que ele não reconhece. Nunca ouviu nada igual e soa bonito. Combina com ela, afinal.

Não sabe dizer o que parecia certo antes, só o que parece certo agora. A angústia em seu peito desapareceu no mesmo instante em que olhou naqueles olhos escuros como azeviche, se esquecendo do que não deveria lembrar. Ele é só Jeongguk. Não é um Coelho. Não ama nenhuma Alice. E definitivamente, não está no País das Maravilhas.

Jeongguk está livre.

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Quando o Coelho Branco acordou... • {jeongguk}Onde histórias criam vida. Descubra agora