6 ➡ Under The Surface

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(Julio's POV)

Quatro dias depois da noite de filmes da Barbie, o dia mais esperado (ou até menos esperado) chegou, o aniversário de Maia. Ela estaria completando vinte e sete anos hoje. Era mais velha que eu, apenas um ano, que gerava algumas brincadeiras da parte dela, que gerava muitas risadas da mesma. Como eu sentia falta daquela risada.

Era domingo, o dia quase amanhecendo. Como Olga sabia perfeitamente que dia é hoje, havia buscado Zoe ontem para que ela dormisse em sua casa, ela sabia o quanto eu ficava um caco quando essa data chegava.

Havia chovido o dia inteiro, e dia pós-chuva era uma coisa que eu adorava, pelo simples fato de que não havia ninguém na rua de manhã, por serem frescos demais por conta da chuva. Nove da manhã era a hora que eu acordava sem precisar de despertador, já que meu sono nunca era completo. Thor, o meu cachorro, que ficava na varanda, pois era grande demais e Zoe tinha um pouco de medo, não passeava a dias, então decidi levá-lo para passear. Thor esteve comigo desde o momento em que Maia e eu nos casamos. Ah, já estou eu falando de Maia novamente. Hoje o dia vai ser longo, podem anotar.

O cachorro parecia que nunca havia saído de casa, assim que o soltei pela praia. Era isso que significava liberdade? Correr por aí sem ter medo do que poderia acontecer? Bom, vou levar isso de conselho. Um conselho de cachorro. Parabéns, Peña. A cada dia ficando mais retardado.

Sentei-me num degrau que ali havia e fiquei observando. Thor correndo feito um besta pela areia e cavando buracos. É, ele me daria trabalho quando chegássemos em casa. Respirei fundo, passei as mãos nos cabelos e, no momento que iria assobiar para que Thor viesse até mim e voltássemos para casa, fui interrompido ao sentir uma mão em meu ombro. Virei-me, olhando-me para cima e vi a pessoa que eu menos esperava encontrar ali. Isabela.

- Posso me sentar ao seu lado?

- Claro. - falei, olhando para Thor na praia.

- Nossa, é seu cachorro? Não o vi nas duas vezes que fui na sua casa. Como ele chama?

- Thor... - respondi simples, hoje eu não estava muito para conversa.

- Hmm. - levou as mãos em seus cabelos, sem graça, e me encarou. - Você... Aconteceu algo?

- Não, Isabela. Eu só... - respirei fundo e a encarei. - Hoje é aniversário da minha esposa. Também faríamos, esse ano, três anos de casados, mas graças ao meu trabalho... não tenho mais ela comigo.

- Er... eu... sinto muito. - disse baixinho, levando sua mão até meu ombro e o apertando novamente. - Sei como é tudo isso que está sentindo. Meu irmão, de nove anos, luta contra um câncer no pulmão a dois anos... sei como é perder as esperanças e sentir que nada mais vale a pena. Isso é péssimo. - ela suspirou. - Meu irmão é o que eu mais amo. Mas não somos nós que mandamos no destino, ou ele muda para melhor, ou ele vem para poder nos dar uma lição, para podermos levar para a vida toda. Você tem a Zoe, e deveria agradecer todos os dias por isso, e também parar pra pensar, que ela não seria uma menina tão maravilhosa, se você tivesse desistido de tudo... Espero que você fique bem, ou que encontre alguém que te faça bem. Não digo uma pessoa que lhe faça esquecer sobre o que te aflige, mas alguém que te faça sorrir, te faça sentir bem. Eu sei muito bem como você se sente, sei que isso é ruim, mas logo vai passar e só restarão os momentos bons.

Eu não sei o que deu em mim, suas palavras chegaram no momento em que eu precisava. A única coisa que eu consegui fazer foi abraçá-la, mas eu queria algo a mais. Meus instintos dizem que eu deveria beijá-la, mas minha cabeça diz que isso é perda de tempo, que eu não merecia ser feliz com mais ninguém, e mais uma vez, segui o que minha cabeça mandou.

Aos poucos fomos nos separando do abraço, até nossos rostos ficarem a centímetros de distância. Nós dois podíamos ouvir nossas próprias respirações, quase iguais. Involuntariamente, meu olhar se voltou para seus lábios, que estavam entreabertos, seus lábios carnudos que me tirava o juízo, mas eu não podia, não agora. Talvez nunca.

Vi que ela se aproximava para me beijar e virei o rosto em seguida, respirando fundo, fechando os olhos e assobiando para que Thor viesse ao meu encontro. Não consegui olhar para Isabela, eu havia feito uma coisa estúpida. Perdi a chance de beijar uma mulher com a qual eu poderia, ao menos, tentar ter alguma coisa.

- Eu não posso fazer isso. Desculpa. - digo, com a voz rouca e baixa, levantando-me sem olhar em seus olhos, nem sequer para me despedir. - Nos vemos no prédio.

- Tudo bem. - Isabela se levantou, coçando a nuca. - Mande um beijo pra Zoe por mim e se cuide, por favor.

 ●

O resto do dia se passou comigo chorando pelos cômodos, olhando os porta-retratos, sentindo o seu cheiro nos armários que antes eram ocupados com as roupas dela. Havia sido extremamente difícil.

Eu havia buscado Zoe na casa de Olga pela tarde, mas minha filha também não parecia muito bem, talvez Olga tivesse contado que dia era hoje pra ela. Sei que ela deve sentir falta da mãe, mesmo tendo apenas quatro anos, e dois, na época que Maia se foi, sei que ela deve se lembrar, mesmo que pouco.

Zoe estava enfurnada no quarto desde que chegou, optei por deixá-la sozinha por um tempo, então tomei um banho demorado, tentando livrar todas as tensões que eu estava sentindo por um tempo.

Depois de me vestir, segui até o quarto de Zoe, querendo animá-la, mesmo que eu sentisse vontade de chorar mais nesse dia, que estava chegando ao fim. Dei três batidinhas na porta, querendo que ela me desse o comando de que queria conversar comigo.

- Pode entrar, papai... - sua voz triste soou abafada pela porta fechada e eu suspirei, girando a maçaneta e entrando no cômodo. Ela estava sentada em sua cama, com seus ursinhos de pelúcia em volta, desenhando com seus gizes de cera no papel.

- Como está, meu amor? - perguntei, mesmo sabendo qual seria a resposta.

- Estou bem... - ela respondeu em um sopro, que me apertou o coração.

- Por que está assim? - me sentei em sua cama, e ela, não resistindo, deitou sua cabeça em meu colo e eu me preocupei quando ela fungou, e eu senti suas lágrimas molhando minha bermuda. - Ei... o que foi, princesa?

- Hoje é o aniversário da mamãe, não é? Escutei a vovó Olga dizendo ao titio. - ela contou, em meio alguns soluços.

- É sim...

- Eu sinto a falta dela, papai... - isso foi como levar um tiro no peito. - Eu não me lembro muito do rosto dela, mas lembro de quando ela me colocava pra dormir, e de quando eu dormia com vocês dois.

Fechei os olhos com força, sentindo algumas lágrimas descerem por meu rosto, essas palavras doeram mais do que um tiro.

Eu queria ser forte o suficiente para curar a dor dela, mas eu não consigo, não mais.

- Meu amor, a sua mãe te amava mais do que qualquer coisa no mundo. Ela pode não estar aqui agora, mas lá de cima, está com orgulho da criança incrível que você é. Todos que te conhecem elogiam, porque você é igual a sua mãe. Em tudo. Em todos os detalhes, no físico e por dentro... - eu dizia, entre soluços. - Eu sei que sente falta dela, mas ela sempre vai estar com você. Ela quem te deu isso. - puxei um pouco o cordão que prendia em seu pescoço, para que ela soubesse do que eu estava falando. - Ela estará para sempre com você e eu também, em tudo que precisar.

- Eu te amo, papai! Quero que a mamãe saiba que eu a amo também, como faço isso? - ela perguntou confusa, olhando-me com os olhinhos e a pontinha do nariz vermelhos, pelo choro recente.

- É só você sentir isso com todo o seu coração, e ela vai estar lá para te ver.

It feels like there's oceans between me and you once again. We hide our emotions, under the surface and try to pretend.

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Flashlight [isulio]Onde histórias criam vida. Descubra agora