• O Traidor do Trono

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Mais uma caminhada pelos corredores silenciosos do castelo, onde tudo o que se via eram as extensas paredes compostas por blocos maciços de pedras opacas, e o único som que se ouvia era das ondas e das rajadas de vento que entravam pelas frestas da paredes desgastadas pelo tempo.

Ele dava passos firmes e decididos mas sem emitir nenhum só ruído, técnica adquirida em um mosteiro, ensinada pelo seu segundo mestre, e reforçada pelas bruxas dos pântanos do sul no curto período que passou com elas nas terras do leste.

A tarefa que iria desempenhar hoje necessitava de sigilo e não poderia ter nenhuma margem de erro.

Boa parte de seu treinamento nos anos anteriores foi para que, em uma fração de minutos, tudo pudesse seguir conforme o planejado.

Enquanto ele aproximava-se de seu objetivo, ia esvaziando sua mente até que não houvesse mais nada, exceto uma junção de movimentos corporais precisos como uma coreografia de dança.

Ele chega finalmente a uma porta, e abrindo-a sorrateiramente, entra na penumbra do quarto.

Não se enxerga muito na escuridão, com a exceção de uma grande cama com um corpo coberto que ali repousa, iluminado pela chama frágil de uma vela e pela luz do luar que adentra por uma janela entreaberta.

Ele se detém alguns segundos analisando o quarto, para depois continuar a se aproximar da cama. Ele para ao lado d vela e puxa algo de suas vestes, movimentando-se em uma velocidade perturbadoramente assustadora, e quando Ele posiciona tal objeto levantando-o acima de sua cabeça, por uma fração de segundos a luz do luar o ilumina revelando uma pequena adaga, que corta o ar em direção ao corpo inerte na cama até acerta-lo.

Ouve-se um som abafado de perfuração, e o silêncio cai por alguns segundos, para ser logo substituído por um longo e estridente grito de dor e pavor que se espalha pelo quarto e é carregado pelo vento para o resto do castelo.

O silêncio que habitava os corredores do castelo agora é tomado pelo barulho crescente de passos frenéticos que correm em direção ao grito.

Ele sai o mais rápido possível do quarto e corre em direção as escadas, rumo a torre mais alta do castelo.

Ele percorre tal caminho utilizando todas as suas forças até atingir o topo da escadaria, chegando a uma porta trancada, que não teria sido problema em outra situação mas com o crescente som de seus perseguidores se aproximando torna-se uma tarefa desesperadora.

Ele perde alguns segundos preciosos mas finalmente faz a tranca ceder.

Assim que abre a porta, sente o ar frio e o som das ondas do mar, que parece ser mais alto ali. Ele aproxima-se ofegante do parapeito da torre, ficando de costas para o barulho do mar, encarando a porta a espera de seus perseguidores.

Logo o som suavemente abafado de vozes e passos chega a porta, e em seguida ela cede.

Cinco figuras surgem, quatro delas vestindo armaduras e uma enrolada em um espesso manto. Três dos que vestem armaduras portam longas espadas e o último deles possui um arco e uma adaga comprida.

Os três portadores de espada investem contra o misterioso encapuzado, enquanto o arqueiro parece concentrar-se em proteger o homem de manto.

Ele puxa uma espada curta enquanto espera os três guardas se aproximarem. Muitos pensariam que a desvantagem numérica influenciaria na pequena batalha, mas para o encapuzado parece não haver diferença, em questão de segundos três corpos de armadura jazem no chão.

Quando ele se vira novamente para encarar os outros dois, uma flecha atravessa o ar e se crava em seu ombro.

Ele cambaleia até o parapeito, com sangue escorrendo pelo seu braço, e então olha para cima e pela primeira vez na noite repara nas estrelas que brilham num céu parcialmente nublado.

Enquanto ele olha para cima, seu capuz escorrega revelando o rosto até então oculto.

Ele volta sua visão e agora encara seu amigo segurando um arco apontado em sua direção, e seu jovem rei envolto em um pesado manto enquanto segura um pano para estancar um sangramento em seu dorso, e os vários guardas que vem surgindo pela porta aberta.

Todos param por alguns segundos, estarrecidos quando finalmente veem o rosto do encapuzado, que aproveita esse tempo para subir rapidamente no parapeito.

Encara mais uma vez os dois rostos conhecidos em meio as armadura, e sorri, para logo em seguida se jogar na penumbra um abismo negro.

Ouve-se um grito, enquanto um corpo cai, preenchido pelo silêncio, aquele maldito silêncio, e logo volta-se a ouvir o vento e o vem e vai das onda.

As ondas...

Crônicas de um vagabundoOnde histórias criam vida. Descubra agora