· Brasas na areia

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O céu nublado escondia a lua. Tal clima, de certa maneira, amenizava o calor infernal que reinava naquela imensidão interminável de areia.
Um ser caminhava entre as dunas de areia.

- Não sei como qualquer criatura se sujeitaria a morar em um lugar como esse!

Disse ele, caminhando em notáveis peças de roupa, uma bela calça preta, camisa branca, um colete preto feito da mais pura seda das terras do sul e um par de sapatos de camurça, que, com toda certeza, não eram as vestimentas mais adequadas para aquele ambiente, mas isso parecia ser irrelevante para ele.

O constante movimento da areia vermelha indo e vindo conforme o vento a carregava e formava as dunas, tudo parecia um grande ballet orquestrado por algum deus insano que amava aqueles infernais grãos de areia que entravam por todo maldito canto.

Ele caminhou por mais algumas horas, que aparentavam ser uma eternidade, até finalmente encontrar um pequeno templo em meio as dunas. Ele se aproximou com passos constantes, sem alterar sua expressão uma única vez.

Ao chegar na entrada do templo, notou que não haviam portas, nem quaisquer sistemas de segurança aparente. Tudo o que havia eram corredores construídos com uma madeira avermelhada, de tonalidade semelhante as areias.

Cruzando o as mãos atrás de si, ele arrumou a postura enquanto iniciou uma caminhada pelos túneis escuros, explorando cada sala do templo com muita paciência.

Via-se ali esqueletos, moedas de ouro e grandes baús que fariam com que qualquer pessoa gritasse de êxtase e euforia por tais riquezas, mas ele tratava tais coisas com uma fria indiferença, e seguiu adiante para a próxima sala.

Com o tempo, passou a restar apenas mais um lugar para efetuar a busca. Era um buraco no chão com degraus que levavam ao subsolo, com uma curta descida pela penumbra, que levava a uma tumba contendo diversos entalhes de desenhos nas paredes vermelhas, os quais ele não dirigiu muita atenção.

Ele chegou até o centro da sala que continha um enorme caixão de pedra, onde uma pilha de ossos repousava. Na mão direita do esqueleto havia uma espada, e na esquerda, um pergaminho.

Os olhos dele brilharam feito chamas quando o avistou. Se aproximou para pegar o objeto desejado, e com o braço esticado a centímetros de seu objetivo, ouviu uma voz que vinha do breu a sua frente.

- O que achou do nosso templo?

- Espaçoso, e até o consideraria bonito pelo seu jeito arcaico de construção, apesar de sua localização não ser das melhores.

Mas o que realmente estraga é a cor que escolheram - disse a voz saindo da penumbra, e se mostrando o que outrora fora um corpo.

- Não sou muito apegado a estereótipos da minha raça, mas, você não deveria estar morto?

- Eu bem que queria, para lhe dizer a verdade! Mas os sacerdotes de meu povo possuem um dever permanente, servem a seus reis cuidando de seus tesouros mais preciosos por toda a eternidade.

- Que azar o seu hein.

- Eu que o diga, quando cheguei a esse cargo não pensava que a eternidade durasse tanto.

- Sinto muito pelo fardo que carrega meu amigo. Gostaria que eu te livrasse disso?

- Seria bom se pudesse me fazer esse favor, e como recompensa poderá ter qualquer objeto do templo que desejar.
Aliás, já tem algo em mente não é?

Ouvindo atentamente, ele apontou para o pergaminho no caixão:

- Gostaria desse artefato.
Os ossos do crânio putrefato rangeram.

- Uma escolha perigosa, mas você deve saber o que esta fazendo.

Dizendo isso ele estendeu sua mão até o documento, o pegando, e assim que sua mão o tocou ela começou a desintegrar-se.

- Como pode notar nenhum ser vivo conseguiria levar uma única moeda daqui, mas como eu não estou tecnicamente vivo não faz muita diferença - disse o esqueleto esquálido estendendo o pergaminho a ele.

Assim que ele o pegou, a mão do esqueleto se desintegrou completamente, virando um monte de poeira.

- Fico muito agradecida pela sua ajuda - disse ele.

- Ora, não foi nada - respondeu-lhe o esqueleto amigavelmente.

- Agora, terei de me retirar, meu bom amigo. Mas pode ficar tranquilo que cumprirei minha parte em nosso cordial acordo.

Disse ele, fazendo uma pequena reverência, e em seguida abriu sua boca revelando fileiras afiadas de enormes dentes, para soltar uma baforada que envolveu a sala por completo com fogo.

O esqueleto se manteve em pé enquanto o fogo consumia tudo a seu redor, inclusive a si próprio, e então abriu sua mandíbula um última vez para dizer:

- Desejo que tenha sorte em sua busca, meu amigo, pois com certeza necessitará dela - concluiu, para logo em seguida tornar-se uma pilha de cinzas.

Ele deu um sorriso triste e saiu da sala, tomando o caminho para fora do templo, sem se voltar.

Enquanto ele se distanciava, o templo era tomado por completo pelas chamas, o vento começava a se intensificar, e dava início a uma enorme tempestade de areia vermelha.

A paisagem foi tomada por vários tons de rubro que contrastavam com o céu negro e os pequenos pontos de luz das estrelas.

O que era, de certo modo, uma ironia, por que era exatamente assim a definição do ser que hoje caminhava solitário pelas dunas.

Crônicas de um vagabundoOnde histórias criam vida. Descubra agora