Era mais uma típica noite daquela cidade, as tavernas eram cheias pelo vai e vem de bêbados inveterados, prostitutas velhas, bardos, poetas e nobres que gastavam enormes quantias para preencher o vazio de suas existências fúteis.
Era isso, pelo menos, que pensava o ser altivo que chegara a pouco sobre os vícios humanos.
Assim que colocou os pés naquela terra, pode constatar que era exatamente igual a milhares de outras cidades corrompidas que ele já pisara antes.
Havia podridão, corrupção, declínio moral, e nada além disso habitava por ali.
Ele julgava o que fora o objetivo de sua vinda até lá, nada mais naquele lugar fétido merecia sua atenção.
Ignorando o fluxo de pessoas a sua volta, e as distrações que a cidade podre lhe oferecia, ele continuou seguindo seu caminho.Enquanto caminhava pela multidão de degenerados, algo supostamente anormal acontecia a seu redor.
Nenhuma pessoa ficava em seu caminho, e sem sequer o esbarravam, quase de modo inconsciente aquele mar de pessoas abria caminho para que o ser pálido atravessasse.
Aparentemente, as pessoas agiam como se sua presença exótica simplesmente não existisse, o que de certa maneira, era apenas mais um motivo de satisfação para ele.
Era quase um fato proposital, que as pessoas se mantivessem alheias a sua presença.
Ele saiu das ruas principais e começou a se deslocar por becos e vielas que representariam muito bem a definição de imundície em qualquer dicionário do mundo conhecido.
O emaranhado de ruas desconexas e pontos sem saída faziam com que a rota se parecesse com um grande e confuso labirinto urbano, mas seja lá o que fosse que o orientava, fazia com que tomasse cada rua estreita com uma confiança exorbitante de que aquele era o caminho correto.
Virando e adentrando na última viela de seu percurso, se viu em frente de um simples casebre, igual, aos olhos de qualquer outro, a milhares de outras construções pobres e decadentes da cidade.
Porém, por alguma razão, assim que depositou o olhar sobre ela, seus olhos brilharam com uma satisfação determinada.
- Finalmente te achei - disse ao soltar um pequeno sorriso nas extremidades dos lábios.
Dando uma última olhada para o cenário decadente a sua volta , dirigiu-se para a entrada do casebre, indo de encontro a uma porta de madeira apodrecida.
Esta, por alguma razão, não cedeu nas primeiras investidas, fato que ao invés de aborrece-lo ou faze-lo despejar insultos, lhe causou certo agrado, tirando-lhe um meio sorriso.
Ele recuou alguns passos e estendeu sua mão na direção da porta, e como em um passe de mágicas, ela estava tombada no chão.
Ele adentrou pela porta e encontrou um ambiente inesperado, que nenhum homem sonharia que existisse ali.
Uma sala repleta de coisas suntuosas, quadros, sofás, vasos, um lustre de peças monstruosamente grandes. Todo o interior era completamente oposto ao aspecto decadente do lado exterior.
De um lado se via miséria, a própria face da pobreza, e no outro havia toda a suntuosidade de um estilo imperial tal como em palácios.
Aquele cenário improvável não despertou nenhuma reação nele, como se nada daquilo pudesse surpreende-lo.
Ele passou alheio por todo aquele ambiente extravagante, e subiu pela enorme escadaria de mármore branco, dirigindo-se ao que deveria ser o sótão.
Bem... Certamente o sótão era o cômodo mais extravagante e surpreendente daquela incomum moradia.
Todas as paredes eram tomadas por prateleiras cheias dos mais diversos livros, o chão era de um negro absoluto, como se estivesse caminhando no vácuo do espaço.
O teto era a perfeita representação de um céu noturno estrelado, com todas as constelações dos corpos celestes, e tudo isso intensificava a atmosfera mística daquele cômodo.
Ele caminhou por entre as prateleiras e estantes de infindáveis livros até o centro da sala, onde encontrou um ser sentado em um trono alvo e resplandecente, tal como uma anã branca em ebulição.
O ser sentado tinha aspecto imponente, que combinava com sua longa barba branca e lhe dava um semblante sábio.
Ele se aproximou dele e fez uma reverencia, por fim dizendo:
- O senhor já deve saber o motivo da minha presença aqui, então pularei as formalidades para partir direto ao ponto.
O ser continuou sem mexer nenhum músculo de seu corpo, mas subitamente uma voz estrondosa encheu o cômodo vibrando como um trovão e disse:
- Você é apressado e impaciente criança, mas demonstra coragem vindo até aqui. Dessa vez, relevarei sua insolência, e sim, você tem razão, sei o que você e todos os desejam, mas não pense que conseguirá tira-lo de mim de alguma forma!
Ele tenta olhar diretamente para o sábio, mas a aura que emana dele o faz fixar seu olhar no mar negro abaixo de si.
- Desculpe-me pela falta de experiência, mas compenso isso com a minha determinação.
Não sairei daqui até obter o que preciso!!!Um silêncio dominou a sala, e por algum tempo nada aconteceu, até que bruscamente a cabeça do ser se virou para ele, como se nesse momento o corpo físico se desse conta da presença de um inseto no chão.
Pela primeira vez os olhos do ser se abriram, e o que lá havia eram duas órbitas tomadas por um brilho incandescente, que cegaria qualquer um que tivesse a audácia de encara-los diretamente.
Ele dava graças a Deus pelas feiticeiras do oráculo o terem advertido sobre esse detalhe.
- Muito bem, proponho um jogo para resolver esse incômodo. Farei uma pergunta, se responde-la corretamente conseguirá o que deseja, mas se responde-la erroneamente, te despedaçarei em milhões de átomos!
Ele engoliu um seco e respirou fundo antes de acessar positivamente aceitando o desafio.
- Então responda-me, qual o enigma mais importante já feito na existência?
Assim que a última palavra foi dita pela voz estrondosa, o silêncio caiu por alguns segundos, até ser preenchido pelo riso do ser ajoelhado.
-Eu poderá te dar várias respostas complexas, ou apenas relembrar algumas perguntas já feitas pelos antigos filósofos, tais como "qual o significado da vida" ou "de onde viemos, para onde vamos", mas nenhuma delas seria realmente a resposta correta. Para falar a verdade, não existe resposta para essa pergunta, por que todo enigma se torna tolo assim que se descobre a sua resposta.
Silêncio
Uma luz pequena brilha a sua frente, e um pergaminho surge em suas mãos.
- Eu aceito a sua resposta! - diz pela última vez a voz.
No instante seguinte ele está novamente ao lado do casebre, em frente a porta de madeira apodrecida.
Por reflexo, ele a coloca a baixo novamente, mas tudo o que vê é um ambiente de sujeira e degradação, igual as demais casas daquele beco.
Seu corpo gela por alguns segundos, e sua mão desce até o bolso de seu paletó, e lá encontra um pergaminho enrolado.
Ele suspira aliviado, e inicia sua caminhada para fora da cidade, despreocupado, afinal, naquela noite o brilho das estrelas estava iluminando o seu caminho.
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Crônicas de um vagabundo
FantasyUma fantasia feita pra ser fluida e simples, escrita por um por um autor imprestável