Tarde razoavelmente quente, vento sem muita força, céu aparentemente limpo com exceção de algumas nuvens passageiras. Tudo isso poderia indicar uma linda tarde, fora o pequeno detalhe de ser confundido com um simples ladrão, e ter sido preso.
Mas o que realmente estragava a tarde são esses malditos mosquitos! Preferia mil vezes conviver com os vampiros do que aguentar esses malditos chupadores de sangue alados.
Com toda certeza, eles são obra. Algum demônio ou ser das trevas.
Com mil raios! Odeio eles quase tanto quanto odeio os malditos ciganos!
E essa carroça fedida e de rodas tortas, eu mereço um transporte digno, e não esta porcaria para pés de chinelo.- Cale a boca seu zé ninguém - disse o detestável cocheiro - logo chegaremos a sua nova casa, seu cão imundo.
Como podem notar, o meu infeliz motorista não é um sujeito dotado de muita gentileza, e tenho total certeza de que por dentro ele deve ser igualmente detestável.
Demoramos mais alguns minutos até chegar na charmosíssima cadeia daquele lugarejo onde o vento faz a curva.
Suspeito de que me localizava perto da beira do mundo, se não fosse geograficamente, com toda certeza seria intelectualmente.
Após minha ilustre chegada, fui recebido pelas autoridades locais, que me convidaram para uma amigável luta para demonstrar animosidade, a qual eu tentei educadamente recusar.
Porém, não houvera modo de escapar, e eu, como bom cavalheiro, permaneci sem revidar os golpes fraternais a mim dirigidos.
Depois do término das formalidades do nosso grandessíssimo código penal, fui levado e alocado em meu devido aposento.
Não foi o lugar mais elegante que já frequentei, mas se tivesse que resumi-lo em uma única palavra, ela seria "rústico".
A comida combinava com o ambiente de tal maneira que se colocada no centro da sala, se misturaria como os camaleões do oeste, apenas observando que a carne mucosa e coberta de escamas deles seria um enorme banquete comparado ao que me foi oferecido.
O oficial veio algumas vezes me fazer perguntas das quais eu não entendia o propósito, e o modo como ele falava gesticulando com as mãos em movimentos exacerbados não ajudava na compreensão do sentido de tais perguntas, de modo que eu preferia manter-me em silêncio do que me arriscar a leva-lo a ter conclusões erradas sobre a minha pessoa.
Apenas respondia quando indagado sobre o motivo que me levara a seu detestável estabelecimento, e prontamente lhe dizia "vim esperar um barco", oferecendo no fim meu melhor sorriso.
Isso parecia deixa-lo ofendido, por que logo ele voltava a esbravejar com movimentos incessantes de suas mãos.
Passado algum tempo fui levado a acreditar que ele se cansou de minha companhia, e encerrou suas visitas.
Confesso que isso tornou um pouco solitária minha estadia ali, mas saber que logo meu barco chegaria me fazia tolerar essa breve sensação de abandono.
Dediquei todo o meu tempo a pensar no nosso plano, mas a maior parte de meus pensamentos foi gasta com minha querida. Sonhei cada noite naquele lugar com você, meu amor.
Mas no fim tudo valeu a pena "my love", lembro de cada detalhe daquela noite mágica, o som abafado de gritos vindos da cidade anunciava que minha estadia ali havia chegado ao fim.
Sai de meu aposento, o qual devo confessar possuía a chave desde o primeiro dia em que ali habitei. Fui em busca do oficial comandante, e no caminho encontrei alguns de seus subordinados, que infelizmente vieram a óbito depois de nos cruzarmos, uma coisa estranha.
Quando finalmente encontrei meu hospedeiro, lhe agradeci devidamente por tudo que passei em sua adorável estalagem.
Mas, por um desatino do destino, meu anfitrião acabou se acidentando, imagine, o pobre homem acabou caindo algumas vezes em cima de uma espada.
Como não sou versado em medicina nem em feitiçaria, não houve muito o que eu pudesse fazer. Como eu estava aparentemente atrasado para meu tão esperado compromisso, me despedi do ilustríssimo "presunto", e parti em direção ao cais.
As nuvens cobriam a lua, o que fazia com que a noite fosse mais escura do que o comum, mas graças a meus anos no mar, consegui me guiar adequadamente até meu destino (os edifícios em chamas ajudaram um pouco).
O cheiro de fumaça, fuligem, álcool e gritos de desespero fizeram-me sentir em casa, foi um longo caminho mas a animação a meu redor fez com que o tempo fluísse com mais.. hum.. fluidez!
Cheguei finalmente a meu navio, assim que o vi meu coração se encheu do mais puro sentimento de amor que alguém poderia encontrar nos treze mares.
Aquele casco feito de madeira escura do norte reluzia com o luar, as velas negras davam contraste ao tom rubro que se estendia atrás de mim, e a bandeira do leviatã vibrava com o vento.
Ali encontrei Zira, minha controladora primeira imediata, que com um curto e seco tom de voz me fez um breve relatório da nossa pequena visita aquele porto.
Levando em vista a sua eficiência (que as vezes me tira do sério) tudo tinha se saído como o combinado, que era obtenção de documentos, informações, e um ótimo lucro em pilhagens. Todos os oficiais e guardas ou representantes do governo tinham sido agraciados com passagens só de ida para cidade dos pés juntos.
Mulheres e crianças não haviam sido tocadas, e metade do saque era dado aos afortunados que sobreviviam.
A cidade, claro, era totalmente queimada, mas, no final, isso era nosso cartão de visitas.
Com essa etapa de nossa viagem concluída, decidi recolher a âncora e dar continuidade a nossa jornada que até aqui tem sido frutífera.
Nós vamos nos afastando aos poucos do lugar que temporariamente me cedeu tão hospitaleira estadia.
Agora caem sobre o barco pequenos flocos negros de cinzas. Eu me pergunto se é assim que neva no inferno...
Bem, tenho certeza de que em breve descobrirei.
"Fim do Diário do Capitão por hoje"
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Crônicas de um vagabundo
FantasyUma fantasia feita pra ser fluida e simples, escrita por um por um autor imprestável