RESULTADO

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"Somente paramos para pensar na vida, quando sabemos que estamos na última volta, dos últimos sessenta segundos. "
J.I.jr

— Como você está se sentindo?

— Morrendo, dr. Manoel... me sinto morrendo. Tem dias que o cansaço me pega legal. Não tenho vontade nem de levantar. O senhor sabe quanto tempo me resta? — O dr. Manoel tira seus óculos de grau, quadrado, de cor azul. A fisionomia do médico está pesada. Apreensiva. Os dois concordam que um deles não tem muito tempo de vida.

— Você fez a tomografia que pedi?

— Sim. — Rafael mexe na mochila Nike, laranja. De dentro dela, sai um envelope branco com o nome do centro de diagnóstico. — Ele é todo seu.

Dr. Manoel tira a tomografia do envelope, lê o diagnóstico mais recente, e no painel luminoso coloca o resultado computadorizado.

— Eu não tenho boas notícias para você. Na verdade, são péssimas. — Com a ponta da caneta esferográfica, dr. Manoel circula em silêncio as áreas brancas dos pulmões de Rafael, que estão aparecendo na imagem tomográfica. — O câncer já tomou todo seu pulmão.

— Quanto tempo tenho? — Rafael aproxima mais seu corpo da mesa do médico.

— O câncer enraizou por outros órgãos.

— Dr. Manoel, quanto tempo de vida me resta?

— Sessenta dias? Quarenta? Quem sabe? A verdade, é que você deve se preparar para qualquer dia, a partir de hoje. — Rafael encosta-se na cadeira. Olha para o lado, depois para o médico e fazendo um trejeito nos lábios diz:

— Não somos muito diferentes, dr. Manoel. Todos nós só temos o hoje. O amanhã pode não chegar nem para mim, quanto para o senhor... ou qualquer ser-humano. — O médico não diz nada. Prefere continuar em silêncio. O que Rafael acabou de falar é a mais pura verdade, todos tem uma data de validade, e no caso dele, sabe que não passa de sessenta dias. A negação é o primeiro passo que damos para o inevitável.

— Verdade. Você tem toda razão. Todos nós... estamos numa fila, esperando somente nosso nome ser chamado. Rafael, o que você está pensando em fazer?

— Como vou me preparar? Não vou.

— E sua família? Tem alguém?

— Não tenho ninguém... digo, família. Mas não irei morrer sozinho. O Júlio, um amigo pessoal, todos os dias as dez horas da manhã, verifica se continuo vivo. — Rafael sorri pelo canto da boca.

— Então isso faz dele um familiar seu.

— Ele está mais para um cuidador de doente terminal. — Dr. Manoel sente o peso das palavras do homem sentado à sua frente. A dor de sentir-se sozinho no universo.

Morrer sozinho sempre foi um dogma. O ser-humano, não foi criado para viver só. Seja no criacionismo ou no Darwinismo, as espécies vivem juntas. Procriam.

Não é mera coincidência as civilizações, das mais antigas até as mais recentes, terem seus próprios modos de viver e morrer. Entre milhões de seres-vivos, somente oito espécies conseguem viver sozinhos sem serem triste ou melancólicos. E logicamente, nenhuma delas é o homo sapiens.

— Rafael, caso precise de alguma coisa, pode me ligar.

— Doutor... as dores aumentarão?

— Sim.

— Como o senhor se colocou à disposição, se precisasse de um favor... muito especial — Rafael falou com cuidado. Tamborilando os dedos no birô do médico.

— Eu não tiro a vida.

— O senhor poderia me ajudar a morrer sem sentir dor.

— Eu fiz um juramento, Rafael. —Dr. Manoel se levanta e segue para a porta, a abrindo. — Se precisar de qualquer outra coisa que não seja isso, pode contar comigo.

Rafael desce pensativo no elevador. A resposta quanto ao seu tempo de vida, já era esperada. Ele não soube nada que não soubesse. Agora, já sabe que tem no máximo sessenta dias de vida.

Dentro do carro, olha as mensagens do celular. Júlio mandou mais de vinte mensagens de texto:

"Cadê você? "; "Me liga! "; "Apareceu trabalho. "

— Onde você está? — Rafael atende a ligação do amigo, assim que entra no carro.

— Saindo do meu médico.

— Hoje? Você tinha medico hoje? — Júlio fica surpreso ao saber que seu amigo se encontra no médico. Sempre que Rafael ia ver dr. Manoel, ele o chamava.

— O resultado da tomografia.

— Tomografia? Você fez outra e não me disse nada.

— Eu não queria falar sobre isso.

— Hum... entendi. Vai passar por aqui?

—Sim! Você não tem um trabalho?

— Não sei se temos. Agora fiquei preocupado. Passe por aqui e vamos decidir isso juntos. Amanda, vai fazer uma macarronada do jeito que você gosta.

— Júlio — Rafael suspira como se estivesse carregando uma tonelada em suas costas —, só quero sinalizar que não me sinto a melhor pessoa para se conversar sobre assuntos pessoais. Eu estou indo pelo contrato.

— Pensei que você iria dizer que estava vindo pela macarronada.

— Não mentiria assim... de forma tão deslavada para você. — Júlio gargalha do outro lado da linha.

— Meu irmão, se você elogiar a macarronada, eu vou lhe desmascarar! Venha logo seu cretino de merda, estamos te esperando.

O Coice de Mula - COMPLETO - Lançado no dia 03/05/2020 Onde histórias criam vida. Descubra agora