MONSTROS

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"Já não é possível fugir dos homens.
Adeus aos monstros, adeus aos santos, adeus ao orgulho.
Tudo o que resta são os homens"
Jean-Paul Sartre

Rafael encontra-se sentado em frente a escrivaninha feita de madeira de lei, no quarto do seu apartamento, decimo terceiro andar. O dossiê encontra-se aberto diante dele.

A fisionomia da mulher não lhe é estranha. Rafael, começa a se questionar se não matou alguma pessoa ligado a ela. Mas, o que isso importa? Se matou um familiar dela, matou. Agora será a vez dela.

         "Mulher, vinte e quatro anos, morena, um metro e setenta, cinquenta quilos, freira. " Freira. A mulher é uma freira. Poderia ter sido tudo, acredita Rafael, mas decidiu ser uma freira.

— Júlio, você fez o dever de casa? — Rafael está falando ao celular com o amigo.

— Sim! Fiz toda a pesquisa! Como sempre faço. É tudo verdade o que está aí.

— A bicha é virada! Uma carinha de anjo.

— Você também tem uma carinha de anjo. Quem não te conhece nem imagina quantos já matou... é o mesmo caso dela. A freira psicopata.

— Daria até um filme... irmão mais uma vez o muito obrigado — Rafael desliga sorrindo.

As suas lembranças voam para um passado distante. Aos seis anos ele ficou órfão. A sua mãe foi assassinada durante um assalto que deu errado. Dona Abília, estava numa padaria quando dois homens entraram armados e morreu por ter se assustado.

Rafael, que estava segurando na mão de sua mãe, caiu juntamente com o corpo sem vida de sua genitora, no chão. O atendente ficou com o coração na mão, ao ver aquela miniatura de gente olhar para um dos bandidos, e simular com sua mãozinha uma arma, e com sua boquinha fazer o sonzinho "Puff... morreu". O pai do menino morreu no mesmo ano, vítima de um ataque cardíaco. A cena mais dolorida de ser vista, foi quando o médico chegou na emergência da UPA de Candeias, e viu um menininho sentado sozinha na cadeira do hospital, esperando pelo pai que não voltaria.

Rafael, cresceu na rua, foi adotado pelos pais de Júlio. Os meninos criaram essa irmandade de imediato. Mas, a dor de sentir a morte na pele, sempre lhe dava pesadelos com sua mãe... ele via, em câmera lenta, o exato momento que a bala entrava na cabeça dela.

E não era somente presenciar todas noites em sonhos, o corrido, mas, de sentir o cheiro de pele queimada pelo chumbo. Sim, o cheiro da carne queimada pela pólvora... o som do crânio sendo vituperado, invadido pela bala... tudo lhe era um circo de horrores.

A profissão de assassino, veio por acaso. Um traficante que estava precisando de um guarda-costas, o viu brigando no meio da rua, na época Rafael estava com dezesseis anos, e bateu num cara quase duas vezes seu tamanho.

A concorrência aumentou, e certo dia, o traficante que o recrutou ofereceu quinhentos reais para ele matar um desafeto. De imediato topou. O serviço foi executado com sucesso. Porém, algo o incomodava... ele gostou de matar por dinheiro, mas não qualquer um... bandido. Rafael queria matar bandido.

Aos dezoito anos entrou no Exército. Se destacou com louvor no stand de tiro. Um general aposentado, vendo o potencial do rapaz fez um convite, para trabalhar como seu segurança. Rafael aceitou.

A vida foi sendo financeiramente generosa com as mortes colecionadas por ele. Todos bandidos, inclusive seu primeiro empregador, foi parar numa vala. A cada delinquente que assassinava, ele oferecia a sua finada mãe... embora hoje ele saiba, que só fez deixa-lo sem dormir, porque sua mãe nunca quis nenhuma daquelas.

O Coice de Mula - COMPLETO - Lançado no dia 03/05/2020 Onde histórias criam vida. Descubra agora