Capítulo 1 - Vá em Paz

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 Ansel

O despertador começou a vibrar freneticamente, acompanhado de seu toque em um volume exorbitante. Desembrulhei meu braço do edredom que havia me proporcionado uma noite aconchegante e tentei alcançar a escrivaninha para desligá-lo. Merda. Provavelmente eu o havia deixado no guarda-roupa. Levantei-me, ainda atônito e consegui desligar a tempo de não deixar com que a função soneca começasse.

É isto, primeiro dia do último ano no inferno, o verão acabou, hora de voltar à realidade, mesmo que isso significasse uma série de torturas intermináveis. Sim, estou falando dele, ensino médio, mais precisamente, terceiro ano do ensino médio, o meio caminho entre a adolescência e a idade "adulta" para muitos, mas pra mim, só mais um período de angústia e...

Espera. talvez eu esteja começando de uma forma muito pessimista. "Seja proativo Ansel, o passado ficou pra trás, pode ser o início de algo verdadeiramente especial". Essas foram as palavras da minha analista, claro que quando você é o garoto que vai receber todos aqueles olhares e falsa empatia depois de ter tentado suicídio esse discurso soa como uma utopia.

Pelo lado bom, hoje também significava meu primeiro dia trabalhando na livraria do Sr. Banks, confesso que não sinto como se isso fosse realmente meu mérito, o fato de minha mãe ter praticamente puxado o homem pelo colarinho implorando-o para me dar esse emprego pode ter sido o verdadeiro motivo de eu ter sido contratado, mais uma vez, outra dose de pena. Porém, livros são algo com o qual consigo trabalhar, a forma com que eles nos levam para um mundo inteiramente nosso me fez sonhar em ser um escritor desde pequeno, e é claro, isso sempre encantou minhas mães.

Sim, você leu certo, mães, no plural. Já posso até imaginar como vão ser os comentários quando voltar, coisas no sentido: "Tá na cara, o garoto tem duas mães, óbvio que viraria gay, agora tentar suicídio, ele realmente não bate bem".

Era esse tipo de coisa que eu provavelmente escutaria de Brad Flink, o clássico capitão do time de futebol que tinha o passe livre para praticar qualquer tipo de violência e sair impune, porque, afinal, o time precisa vencer.

 Dois dias antes das férias de verão

Eu estava sentado no último lugar na fileira ao lado da porta, era meu lugar favorito para ser invisível, se eu tivesse sorte poderia dormir na aula de algum professor distraído, e era realmente isso que eu quase estava fazendo na aula de álgebra, mas antes que pudesse pegar no sono meu celular vibrou no bolso.

Festa na casa da Anne em dois dias, não aceito não como resposta – L.

Claro, com certeza Latrice iria me convocar para aquele evento que não sei como conseguem chamar de festa. Não me entenda mal, eu não sou um esquisito antissocial, mas a ideia de me reunir com um grupo de jovens para termos um coma alcoólico coletivo não estava na minha lista de prioridades no momento. Uma noite assistindo algum filme estrelado pela Amy Adams com certeza superaria.

Desculpe, planejei morrer nesse dia – A.

Argh, você é péssimo, por mim? – L.

É sério, seu convite pra o funeral deve chegar a qualquer momento, afinal, só se usa ternos em casamentos ou no caixão – A.

Se você continuar eu vou precisar te matar por mim mesma, aliás, o Tomas vai estar lá – L.

Que horas eu posso te buscar? – A.

Ah, então você não vai em uma comitiva com o noivo? Rs – L

Tá, por favor, não pensem que sou uma pessoa influenciável, talvez um pouco, mas nesse caso estávamos falando do Tomas, o garoto mais lindo de toda essa porcaria e de longe o mais interessante. Outro dia, juro que o peguei lendo "O Morro dos ventos uivantes", ter bom gosto ou qualquer interesse por literatura já o colocava em um patamar superior a todos os outros ogros dessa escola.

Corações FlamejantesOnde histórias criam vida. Descubra agora