━ PRÓLOGO ━

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☾         ✰⭑

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Na noite em que o Príncipe das Trevas se tornou rei, Dallas chorou.

Seu cabelo ruivo vibrante, agora emaranhado e pingando, emoldurava um rosto marcado pelo desespero e pela descrença. A coroa que, uma vez serviu, agora estava quebrada, banhada de sangue e roubada.

Usurpada e destruída e desonrada.

Não foi a dor que percorria sua perna destroçada que o fez cair em lágrimas, nem a culpa pelas atrocidades que cometeu para fugir do castelo e nem pelos corpos que viu jogado. Suas lágrimas surgiram porque, pela primeira vez na vida, não sabia o que fazer.

Para um homem que serviu os últimos seis anos como a mão da rainha, não saber o que fazer era contra sua própria identidade.

Enquanto Dallas chorava, o céu chorou com ele, as gotas de chuva fundindo-se com suas lágrimas. Uma sinfonia de tristeza e desespero. As árvores ao seu redor pareciam saber o que acontecera naquela noite. Em solidariedade, elas cantavam uma canção fúnebre para um reino que havia sucumbido às sombras.
Talvez, pensou, ele merecesse perder a si. Depois do que fizera naquela noite, sabia que mereceria qualquer punição que as estrelas achassem necessária.

Mas a pequena criatura aninhada em seus braços, o bebê inocente que desconhecia os pecados do mundo, mal havia completado dois anos na terra e certamente não merecia o destino cruel que pairava sobre ela.

Por isso, Dallas deixou o orgulho de lado e pediu ajuda. Ele decidiu implorar por ajuda para a pessoa que mais desprezava — o homem que odiava não por sua malícia, mas por sua genialidade e poder e, agora, passaria a odiar por ser um homem melhor do que ele jamais voltaria a ser, não depois daquela noite.

Dallas não precisou abrir a boca, bastava pensar que ele apareceria. Então apenas esperou, de joelhos no chão, lágrimas escorrendo e um bebê dormindo nos braços.

Sob a chuva, o som começou a soar.
Tique. Taque. Tique. Taque. Tique Taque.
Era sempre o som dos seus relógios que denunciavam a sua chegada. Em um piscar de olhos, ele agora estava parado na frente de Dallas como se estivesse lá esse tempo todo.

Reloginho o encarava. Os olhos grandes arregalados para a imagem à sua frente.

— Ah! — Ele exclamou espantado, ajeitando os óculos redondos no nariz longo. — Nunca pensei que veria o dia em que você estaria de plantão como babá. — Soltou um riso escandaloso. — Devo dizer que lhe cai bem o papel.

Reloginho era um homem pequeno de cabelos brancos espetados. Tinha um bigode longo e fino que lhe caía sobre a barba, além de sobrancelhas que se enrolavam com os fios da cabeça. Tinha um humor único e uma inteligência invejável.

Dallas, quebrado, encontrou o olhar do homenzinho.

Ele era tão pequeno para um adulto que o poderiam confundir com uma criança alta ou um adolescente baixo, mas também era tão rabugento quanto um velho — Tinha mais anos que a própria terra, não dava para se esperar bom humor de alguém que vivera tanto. Tinha rugas e um nariz torto. Usava sempre uma gravata colorida e um colete branco cheio de bolsos, onde guardava vários e vários relógios.

E Dallas o odiava com todas suas forças.

— Você acha isso divertido, não acha?
Reloginho alargou um sorriso.

— Com certeza, meu caro. A vida é muito longa para não apreciar a ironia de momentos incríveis como esse: te ver chorando de joelhos, implorando por minha ajuda. Você, devo dizer, sempre gostou de tirar sarro de todo mundo. Por que eu não deveria me aproveitar da situação agora?

— Porque isso é sério. — Respondeu em um suspiro. A ferida de sua perna jorrava sangue, já o deixando fraco demais para continuar com uma troca de farpas. Por isso ele apenas pediu: — Eu preciso de sua ajuda.

Reloginho revirou os olhos.

— Diga-me algo que eu não saiba. — E esperou um momento. Uma tortura a mais que se dava o prazer de fazer.
Reloginho examinou a cena novamente. Dallas com caminhos de lágrimas marcando o rosto e o cabelo vermelho como fogo pingando água e sangue. Até que finalmente disse:

— Vou te dar apenas uma resposta. Então sugiro que faça a pergunta certa.

Dallas não esperou que ele mudasse de ideia.

— O que eu faço? — Foi o único que ele conseguiu pensar.

Dallas sabia que o homenzinho na sua frente sabia de tudo no mundo. Cada segundo e cada momento que já aconteceu ou que fosse acontecer passaria pelos olhos dele. Por isso o odiava tanto — por além de saber tudo, não impedir nada.
Reloginho olhou para o bebê em seus braços, acariciando a sombra dos cabelos que crescia.

— O mundo mortal pode ser um santuário, um esconderijo à vista de todos. — Seu dedo longo e enrugado desceu até o pescoço alvo e macio do bebê. Entre as dobras de pele, onde se destacava uma marca de nascença vermelha em forma de meia lua perfeita. — Mas lembre-se, Dallas, as sombras têm olhos que atravessam reinos. Deve garantir a sua segurança sem revelar a sua verdadeira identidade. — Lhe acariciou a mão pequena. — Esta criança carrega sobre os ombros o peso de um reino. As estrelas sussurraram o nome dela aos ventos do destino.

Voltando para Dallas, o olhar de Reloginho se aguçou.

— Você deve ficar vigilante. Proteja-a dos perigos mundanos e das ameaças invisíveis que atravessam os reinos. Mantenha-a escondida e não deixe que sua linhagem real seja conhecida.

— Como faço isso? Como a escondo dele?
O homenzinho puxou do bolso um objeto. Um delicado colar, prata com pequenas pedras brancas e brilhantes pendendo.

— Ela está protegida enquanto o usar. Irá aumentar e se encaixar a ela à medida que for crescendo. A ocultará dos predadores e de si mesma.

— Por quanto tempo isso irá escondê-la?
Reloginho levantou um dedo, calando-o.

— Ah! Apenas uma resposta se lembra? Já lhe dei até um presente extra que te ajudará, mas esse é o máximo que posso fazer. — Ele balançou sua mão e um portal brilhante que se materializou na frente deles. — Leve-a para o mundo mortal, para um lugar onde a magia é apenas um sussurro ao vento. Deixe-a crescer sob o olhar atento do comum, longe do olhar curioso daqueles que procuram prejudicá-la.

Conforme Dallas mancava até o portal, a voz do Reloginho permaneceu no ar.

— Proteja a última herdeira do trono. Mantenha a próxima rainha a salvo.


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A herdeira perdida - As crônicas de TênaxOnde histórias criam vida. Descubra agora