Capítulo 20

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Capítulo 20

- Ele só passou um mês com eles, não dez anos - comentou Estebán quando coloquei uma tigela de MM no balcão com todos os vermelhos retirados. Zeca teve reações ao corante quando era pequeno, pelo menos era o que lembrava. Ele saiu de casa quando seu irmão tinha seis anos. Ele tentou lembrar todas as comidas que Zeca gostava. Reviu algumas conversas no celular para decidir.

- Ele e eu retomamos contato há menos de dois anos e nas primeiras vinte e quatro horas morando comigo ele foi sequestrado. Me diga se é estúpido eu me sentir culpado.

- Soa como um nível perfeitamente saudável de culpa. Só não pire. Você não tinha como prever toda essa situação.

- Ei, você é um cara que se transforma em um monstro de três metros de altura e com cara de cachorro, seu filho vira um lobo enorme e feroz. As coisas que me assustam devem ser brincadeira de criança pra você.

- Isso é irrelevante, e um dia, Zeca também vai se transformar em um lobo. - ele me lembrou.

Eu fiz uma careta.

- Isso não é muito aberto de você, Danilo. - ele provocou, esticando a mão para a tigela de doces.

Eu golpeei a mão dele com a espátula que eu estava planejando usar para tirar os cookies da assadeira quando eles esfriarem. - Eles não são para você. E eu tenho a mente aberta. Minha mente não é um lugar pequeno e estreito e é assim que eu gosto. Mas, tem coisas que fogem até da minha flexibilidade na vida.

- Apoiar a transição do seu irmão não é uma coisa totalmente fácil para lidar - disse ele, esfregando as costas da mão. Eu estava fugindo desses assuntos desde o meu incidente, e eu não estava preparado para assumir as responsabilidades que iriam cair na minha cabeça como uma bigorna. E aprendi a chantagear Estebán. Era só eu começar a tossir quando ele ficava todo alfa agressivo para cima de mim. Sim. É um golpe baixo. Mas isso me deu alguma abertura em nossos diálogos.

Uma das coisas que bati o pé para não fazer, apesar de ser dito ser 'tradicional' é a foto sentado com o Alfa atrás da poltrona. Saca. Aquelas fotos de bisavó. Pois é. Bati o pé, ou melhor, tossi. Ninguém da matilha iria querer me encarar numa foto tenebrosa na entrada do prédio. Sinceramente.

- Isso é diferente.

- Como?

Dei de ombros. - Apenas isso. Eu tive minhas reservas no início, mas depois que começamos a conversar fui pesquisar, o material que ele mandava pra mim fazia sentido. Percebi que poderia aceitar meu irmão do jeito que ele era ou acabar enterrando-o mais cedo.

- É difícil imaginar Alana indo aceitando tudo isso e pagando ainda por cima - ele murmurou.

Eu escolhi focar em colocar os cookies em um prato. Não queria falar dos mortos.

- Danilo?

- Ela não aceitou. Zeca e ela tiveram uma briga enorme e ele começou a economizar mesada. Ela cortou. Ele começou a fazer trabalho de escola para os colegas e eu ajudei algumas vezes, também. - eu finalmente respondi.

- Ela não aprovou.

- Para dizer o mínimo.

Estebán suspirou. - Alana era bastante ... tradicional.

- Só quando ser tradicional era conveniente para ela, aparentemente. Ela não teve nenhum problema em me chutar para fora por causa dos meus olhos díspares ou por eu ser humano ou os dois, seguindo a tradição. Mas, fechou os olhos para a transição do Zeca. - Eu me arrependi das palavras assim que as disse e ainda mais quando vi o olhar dele. Eu não sabia porque me importava. Por que importava se eu o fizesse sentir como merda quando ele não fazia nada além disso desde que nos conhecemos? Ele não se importava com meus sentimentos quando ele me 'apresentou' a matilha, ou quando ele me lembrou de todas as minhas deficiências na floresta. Suas palavras daquela noite ainda mexem comigo mais do que eu queria admitir.

Morda-me - Lobos de São Paulo #1 (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora