Capítulo 14

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Capítulo 14

As portas dos elevadores da cobertura não abriam com frequência. Quando acontecia, sempre era Estebán ou Leonard. Um atormentava meu dia o outro abrilhantava um pouco as horas de tédio. As aulas de Leonard estavam ficando mais curtas e eu sabia que era apenas uma questão de tempo antes que ele me declarasse graduado sobre seus costumes. Eu tinha certeza que ele via através da minha ignorância fingida sobre o assunto, e mesmo assim ele tinha a elegância de nunca jogar isso na minha cara.

No final das minhas primeiras três semanas na matilha Zayas, conseguia reconhecer alguns integrantes quando passeava na Paulista. Eu tinha permissão para ir a qualquer lugar, desde que eu ficasse dentro dos limites da cidade. Fui visitar Maurício algumas vezes. Todo miolo de São Paulo era o território de Estebán, centro, Paulista e zona sul. Poucos lobos de outras matilhas cruzavam essas linhas sem aviso prévio. Só aqueles que já estavam catalogados por trabalharem nessas regiões.

Alguns dias, eu caminhava desde o amanhecer até o anoitecer, porque o ar fresco e o exercício ajudavam a melhorar uma tosse crônica que me acompanha há um tempo e porque era uma desculpa para ficar fora de casa. Eu sabia que Estebán poderia facilmente me encontrar se quisesse. Ele provavelmente tinha pessoas me seguindo, mas eu preferia não ter certeza. Ele mal tinha falado comigo desde aquela noite no restaurante, quando anunciou seu plano de me reivindicar como seu consorte ou companheiro... sei lá qual o termo mais adequado ou se são sinônimos nessa loucura de buraco de coelho que acabei caindo.

Eu não entendia o que tudo isso significava, além da utilidade de salvar Zeca. Será que Estebán tinha algum sentimento misto entre vingança e atração? Ele não podia derramar meu sangue, então, ao invés disso, ele estava matando minha dignidade? Eu podia ver isso do jeito que os outros lobisomens olhavam para mim. Eu deixei de ser o cara estranho e passei a ser tratado como o animal de estimação da família. Sempre sob a bota de Estebán, algo para ser mimado e tolerado. Eu preferia ser um estranho.

Se Estebán quisesse me fazer sentir menos homem, ele certamente conseguiria isso. O que ele não entendia era que isso não importava. O que quer que ele tenha planejado para mim naquela noite, a véspera da lua cheia, não era nada comparado à vergonha que eu sentiria se eu não conseguisse Zeca num lugar seguro.

A ideia de ostentar sua marca me incomodou mais do que dormir com ele, reconhecidamente. Ele falou sobre isso como uma tarefa que tinha que ser feita no interesse da formalidade, e eu sabia que ele não estava ansioso por isso. Não como eu estava, de qualquer maneira. Não porque eu quisesse negar sobre a minha atração por ele, mas porque eu esperava que fazer sexo com ele novamente pudesse tirá-lo do meu sistema.

Quanto mais cedo terminasse, melhor. Quanto mais cedo estivéssemos presos, mais cedo ele perceberia que já havia ganhado e perderia o interesse em me atormentar e mais cedo deixaria de ser o centro do meu mundo.

Naquela noite, esperei que Estebán aparecesse e anunciasse que era hora de colocar essa coisa de acasalamento de conveniência em ação. Em vez disso, Vítor apareceu e fez Estebán parecer amigável em comparação. O segundo em comando de Estebán foi imediatamente reconhecido como um Alfa graças ao seu físico sobre-humano e à sua atitude desagradável. De acordo com Leonard, ele estava tão insatisfeito com a minha presença quanto o fato de que o lobo que era o próximo na fila pelo poder de Estebán havia sido criado como humano.

Ah sim. Além de tudo isso. Acasalando com Estebán eu colocava Zeca como próximo na linha sucessória da matilha Zayas. Só... perfeitamente fodido.

— Onde está Estebán? — Eu perguntei, cauteloso de estar sozinho com um cara que poderia me quebrar como um biscoito de água e sal. Não que seu chefe fosse muito melhor.

Morda-me - Lobos de São Paulo #1 (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora