– Ela – dizia vovó – Ela não é como nós. Eu e você, Samantha, temos o sangue Di Laurette; ela não. Não se esqueça disso.
Eu não me esqueci.
Os anos foram passando e eu fui notando algumas coisas. Meu pai e minha mãe mal ficavam juntos e, no quarto deles, onde eu não podia entrar, mas nunca me impediu, as coisas eram muito sem vida. Ele sempre com um olhar meio triste, ou cansado. Ela sempre quieta.
A adolescência não é lá a melhor das fases da vida. Quem disse isso nunca me conheceu. Os garotos foram ficando atraentes. As meninas também. Conseguir coisas para animar uma festinha era fácil. De repente não era mais uma panelinha de meninas para um lado e de meninos para o outro. Acabaram-se os clubinhos e começou o interesse.
Meu tédio e deboche diante das tarefas e das autoridades foi ficando ainda mais evidente e escrachado. Os breves embates com professores nunca surtiram os efeitos que eles desejavam. Uma ligação e faziam-se das notas medianas as melhores da sala.
As festinhas, a cada ano mais constantes, foram virando rotina. Toninha mentia para mim, sempre dizendo que eu ia dormir na casa de uma amiga, tinha um trabalho em grupo ou era aniversário de alguém. Ela não parecia gostar muito de mentir, mas eu não me importava.
Odiava os saltos que deixavam meus pés em frangalhos depois de noites inteiras dançando sabe-se lá onde, mas mantinha-os porque achava horrível ficar tirando os sapatos; é muita falta de elegância. Se colocou, que aguente a dor! Os saltos passaram a diminuir, especialmente quando eu fui aumentando. Mas a maquiagem... ah, a maquiagem só aumentava: batons rosas se tornaram vermelhos, o lápis de olho marrom passou a ser preto absoluto e o rímel, que antes era transparente, ficou preto, colorido, forte e impactante. Deixava meu rosto mais maduro e eu me sentia mais adulta quando usava maquiagem. Era uma obra de ilusão.
Fui me afastando mais e mais da minha mãe com o passar dos anos. Ela era muito fechada e eu queria estar com qualquer amiga do mundo que com ela. Ela não falava nada. Ela sabia que não podia exigir nada. Quem exigia era minha Vó. Não que eu a ouvisse.
As bebidas tinham gosto ruim, mas o gosto do desgosto com as coisas que eu achava que sabia era maior, então eu bebia. Bebia também pelo impulso de ser como meus colegas, malucos, tirando camisas, saias e pulando em enormes piscinas nas festas. Em algum momento apareceu um garoto querendo deixar a festa mais animada: em um dos bolsos, ervas, e no outro uma coisa que lembrava farinha; eu não entendia qual era a graça, mas via pessoas alucinadas andando e pulando pelo espaço, e elas pareciam se divertir. O garoto passou a cobrar, mas ninguém se importava muito. Passou a dar várias festas na casa dele (parecia que os pais dele nunca estavam) e assim fez diversos amigos. A casa dele era enorme e ainda parecia superlotada toda a vez que era dada uma de suas festas. Um dia ele, usando sabe-se lá o quê, se chocou com força contra uma porta toda de vidro transparente e caiu sobre o vidro estilhaçado, do lado de fora. Todos começaram a correr, a ir embora como se o diretor do colégio fosse aparecer ali naquela sala no mesmo instante. Um deles ligou para um serviço de resgate, já dentro de seu carro. Sabemos que o garoto, dono da casa, ficou bem, mas nunca mais o vimos. Eu nunca mais me esqueci daquela noite.
A frequência das festas diminuiu um pouco, por um tempo.
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À Procura
AdventureVocê já se sentiu farto da sua própria realidade? Depois de inúmeros motivos, Samantha Di Laurette, uma jovem rica e completamente entediada do seu círculo social resolve viajar pelo mundo sem olhar para trás. E sem passagem de volta. Porém, o que p...