Quando em Roma...

9 1 0
                                    

Eu não gosto dessa sensação de frio na barriga. Não combina comigo. E outra, se fosse para ter frio na barriga, que fosse por algo interessante de verdade e não um emprego temporário em um bar. Esse frio na barriga merece algo mais emocionante. Será que eu só estava me sentindo assim porque ia fazer uma coisa que nunca fiz antes? É, acho que sim.
Argh, que vergonha estar impactada por causa de um bico! Eu preciso de algo mais legal para colocar no meu diário de viagem! Ah, é, eu ganhei um diário de viagem dos meus pais. Chegou ontem. Essa ideia tem o nome da Dona Sônia todinho, certeza. Ela encheu o bolso interno do diário de cartões postais, dizendo meio que sem dizer que quer que eu mande notícias.
É por isso que essa situação é vergonhosa. Não tenho problema nenhum em contar sobre o trabalho, acho que minha mãe até vai gostar da ideia de eu trabalhar (meu pai já não sei), mas não quero falar que fiquei toda ansiosa por causa disso. Ansiedade é pra quem não confia no próprio taco!
E se eu fizesse outra coisa para dar a essa frio na barriga um bom motivo para existir? Mas tem que ser algo que eu nunca fiz...
Estava me sentindo um pouco claustrofóbica, então peguei o diário e desci pelas escadas da pensão simples em que me hospedei. Só uma calça, uma malha, o diário e uma caneta. Desci as escadas serelepe pensando em me sentar no banco de alguma pracinha e escrever ao ar livre quando meu fluxo de pensamento foi interrompido por Dona Germínia, a proprietária da pensão.
- Já tomou banho tão cedo? (Eram onze da manhã) Ai ai brasileiros! Por isso não gosto de hospedar vocês! Se for ficar tomando banho todo dia vou ter que cobrar a mais, capriche?

Eu não entendia italiano tão bem mas acho que não perdi nenhuma informação nessas frases.

- Prepare-se para cobrar então, porque eu tomo dois banhos por dia, como todo mundo deveria fazer. (Ok, eu estou soando super soberba) Mas, enfim, cultura é cultura. Eu tomo dois por dia, pode cobrar extra se precisar. Não estou julgando como vocês italianos vivem. Cada um cada um.

Eu respondi em inglês mesmo porque ela entendia. A cara meio feia que ela fez me deu certeza de que entendia. Ela soltou um "Eh, brasilianos!"

Segui meu rumo e achei uma praça. Me sentei num banco simples perto de uma árvore florida. Flores brancas. Eu não tinha um tipo de flor preferido assim, até porque nunca liguei para flores. Quem gostava era a minha avó e a minha mãe. A mansão vivia cheia de arranjos. Talvez eu só tenha me familiarizado com as flores, ou aprendi a gostar delas. Tinha um apresso especial por lírios, rosas brancas, margaridas... Eu não sabia qual o nome das flores daquela árvore, mas elas eram branquinhas e pequenas, com pétalas longas e um miolinho pequenininho. Vi algumas no chão e um ou outra caindo. Sorri. Me voltei ao diário novamente. Dei uma folheada naquelas infinitas páginas em branco... eram tantas. Nem sei se eu tinha culhão de escrever isso tudo, mas me comprometi a tentar.
Foram nas folheadas que descobri uma "bucket list" no final do diário de viagem.
O que eu nunca fiz ainda e queria fazer até o final da minha vida? Nossa, é muito estranho pensar em final da vida com 21 anos (ri brevemente em pensamento). Mas, se for parar para analisar, não é. A vida não é linear nem garantida. Ninguém pensa em morrer quando se tem 21 anos, mas não é impossível. Alguns morrem. Pensar que o tempo é finito faz a gente apreciar mais.
Eu vou preencher a bucket list.
O que que eu nunca fiz e gostaria de fazer?
Bom, eu nunca fui naqueles banana boats quando estava na praia quando criança porque achei que seria o maior micão. Ou será que eu já era adolescente? Bom, não sei, mas nunca fui.
Nunca fui no banana boat, nunca pulei de asa delta. Nunca mergulhei. Nunca viajei na classe econômica. Nunca comprei uma roupa em uma loja popular. Nunca pulei de paraquedas. Nunca almocei um prato feito.
Caraca, aquela lista estava ficando mais longa do que eu tinha imaginado! Acabei ultrapassando as bordas da página e escrevi o restante no verso. Era claro que eu tinha muitas coisas para fazer. Nada como o agora, não é?

Fiz uma breve organização para ver o que eu conseguiria fazer ainda hoje e riscar da lista. Voltei pra pensão e procurei onde dava para pular de paraquedas. Quem sabe eu conseguiria pular ainda hoje. Depois do salto, viria o prato feito de almoço e uma passada na loja mais popular que eu achasse para comprar uma fantasia de Sophie Souza, a nova garçonete, para estar no bar às 18h. Ele só abria às 19h, mas eu tinha que ir antes para ser treinada.

À ProcuraOnde histórias criam vida. Descubra agora