Velhos hábitos morrem tarde

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 Uma claridade ensurdecedora me fez abrir os olhos e, ao mesmo tempo, não me deixava abri-los direito. Finos lençóis de seda em tom de vinho cobriam meu corpo. Era uma sensação familiar e agradável. Por um instante, senti como se estivesse de volta à mansão, com Toninha abrindo minhas cortinas dizendo que já era hora de se levantar.

Mas Toninha não apareceu. Eu não estava no meu antigo quarto. Nem de longe.

Uma fitada de rabo de olho mostrou minhas roupas jogadas no chão. Roupas simples, roupas da Sophie: uma calça jeans, uma blusa de tecido mediano e um casaco de algodão reforçado. Entretanto, a lingerie, que eu não havia alterado, era toda eu: rendas, tiras e bojos em tom de preto largados em um canto. Mais a frente, algumas garrafas de vinho espumante, vinho tinto e vinho branco. Isso explica a dor de cabeça ao menos... Por que o dia tem que raiar tão claro?

Virando lentamente a cabeça para o outro lado, me deparei com duas pessoas desconhecidas. Um homem e uma mulher. Quem... como assim? Resmunguei baixo e coloquei o polegar e o dedo médio entre o nariz, perto dos olhos. Como é que eu vim parar aqui?

Era um quarto grande com molduras clássicas, alguns quadros, quase todos pinturas, uma mesa de madeira entalhada no canto contrário com cadeiras tomada por garrafas, taças, cartas de baralho e pontas de cigarro. Eu odeio blackout alcoólico, eu juro.

Saí de fininho da enorme cama, que deveria ser uma king size dupla, só pode, e peguei as peças de lingerie jogadas, colocando-as enquanto procurava alguma espécie de roupão ou algo meramente confortável que não me obrigasse a vestir uma calça jeans imediatamente. Achei um que claramente não era feminino, pois ficou bem grande em mim e fui procurar a copa na esperança de encontrar uma garrafa de água mineral, nem que fosse apenas uma, para acalmar minha garganta que gritava de desidratação.

Achei o que eu acredito que era a governanta no caminho, se é que pode-se chamar um cambalear de caminho. Ela não falava inglês. Tentei algumas frases em italiano para respondê-la que, parecendo entender pouquíssimo do que eu dizia, me levou até a sala de café da manhã. Pouco depois uma moça trouxe a tão sonhada água mineral, um copo brilhante, uma tigela de salada de frutas e ovos mexidos. Eu não me lembro de ter pedido comida alguma, mas, enfim, era mais fácil comer do que conversar.

Logo ganhei companhia na sala de café da manhã: o homem e a mulher que estavam na cama vieram comer e as funcionárias vinham logo atrás com os pratos deles. Sutil como sou, comecei a conversa com:

– Onde caralhos eu estou?

– Como assim, Samantha! Está na nossa vinícola.

A palavra "vinicola", tão próxima ao português, chamou minha atenção e desencadeou uma avalanche de memórias das últimas 24 horas.

Deixa eu te contar como cheguei aqui:

Ontem foi meu primeiro (e último) dia no bar. Eu estava esperançosa. Bom, também estava muito nervosa, e daí veio a ideia de saltar de paraquedas. Em alguma esquina por aí, entre o salto e o trabalho, eu esbarrei com um casal de italianos razoavelmente jovens e atraentes. Eles falaram algumas coisas comigo, ou de mim (a falta que fez prestar atenção nas aulas de italiano, minha Nossa Senhora. Eu até prestaria mais se o professor não fosse um gostoso e eu, com 16, não tivesse a menor noção de como parar de raciocinar com o clitóris. Ele era de Napoli, enfim, o corpo ideal do amante europeu e eu acho que estou me perdendo no meu próprio pensamento).

Enfim, ao esbarrar eles me olharam bastante, o que foi estranho, mas eu estava com fome e preocupada com a carreira da Sophie o suficiente para não entender de pronto o rumo daquela conversa. Peguei o cartão. Era de uma vinícola e tinha números fixo e de celular.

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