Existem alguns momentos na vida (às vezes muitos) que percebemos que não pensamos em tudo que seria necessário para completar uma tarefa. O exemplo clássico dessa sensação é começar a pintar o chão e depois se ver encurralado em um canto não pintado, sem poder sair do cômodo. Existe uma expressão verbo-frasal em inglês para esse "fenômeno" de planejamento falho: "think through", que seria algo como pensar em todo o percurso antes de dar o primeiro passo.
Uma pergunta simples me fez perceber que eu não tinha pensado em todo o percurso.
– Qual o destino, senhora?
[Pausa silenciosa e embaraçosa]
É muito fácil (e romântico, no sentido pouco realista da palavra) dizer que vai viajar o mundo. Mas o mundo é o mundo; há tanto para se ver e desfrutar que, por mais que isso soe estranho, decidir para onde ir primeiro, qual experiência ter primeiro, era um tanto...difícil. Foi bem estranho para mim, rainha do impulso e das decisões rápidas, sentir-se indecisa e pressionada. É uma péssima sensação (agora compreendo melhor o sofrer de minhas colegas que passavam horas para decidir com que roupa ir a um restaurante corriqueiro).
Sarcasmo. Parte sarcasmo, parte verdade.
Bom, o fato é que eu sempre fui adepta de um bom sarcasmo. Os adeptos dele muito bem sabem que uma vez que você inala o sarcasmo, expeli-lo não é uma opção, mas sempre senti uma unção de uma espécie de sentimento duplo pela maioria das pessoas: era um sarcasmo misturado com alguma pena, entendimento e, às vezes, até empatia. Claro que algumas vezes (novamente, muitas também) era o puro sarcasmo e deboche. Eu tinha um prazer imenso de zombar da cara alheia sem se quer criar um conflito ou causar uma cena. O sarcasmo tem dessas mágicas.
Mas, naquele momento, os planos riam de mim com um sarcasmo educado, mas não menos zombeteiro.
Para onde, Samantha?
Eu sabia onde não queria estar, mas não sabia onde queria estar.
Freud escreveria um livro inteiro só com material colhido dos meus pensamentos, disso eu tinha certeza. Ri mentalmente por meio segundo até perceber que eu ainda devia uma resposta à atendente, uma decisão a mim mesma e um rumo à minha vida.
Clarice chamaria de epifania. Eu chamei de momento de genialidade. Esse foi o momento que percebi que eu não precisava escolher e nem fazer todo esse alarde pelo meu primeiro destino; eu teria vários, inúmeros. Que importância faria o primeiro? A matemática diz que a ordem dos fatores não altera o produto, então decidi utilizar a filosofia da matemática e respondi à atendente:
– Qual seu destino menos procurado nos últimos meses?
Alguns segundos de busca no computador.
– Zimbábue, senhora.
– Eu gostaria de uma passagem para Paris, por favor.
* * *
Dormi todo o voo, contente da vida. Foi uma boa soneca, afinal, onze horas seriam correspondentes a uma noite muito bem dormida. E eu dormi como um resgatado da guerra no avião de volta para casa.
Tive alguns sonhos – ah, eu e meus sonhos vívidos, esquisitos e de interpretação mais aberta que a Bíblia. Nesse eu estava sozinha, no meio do nada de uma floresta, rodeada de frutas e flores. Eu corria para um lado, para o outro, mas o cenário não mudava nunca. Por fim desisti, sentei-me e comi algumas frutas, até ser gentilmente acordada pela adorável, mas desesperadamente necessitada de uma maquiadora profissional ou ao menos um espelho com um comprimido de bom senso comissária de bordo, com seus olhos pretos de delineador grosso e seu batom roxo púrpuro (talvez ela fizesse um bico como figurante em algum seriado de terror).
Passado meu contido susto e pronto despertar, eu olhei pela janela e percebi que estávamos prestes a pousar em Paris.
Oh, Paris...
Os sorrisos me vieram instantaneamente. Já estive aqui antes, inúmeras vezes, mas dessa vez seria para valer, seria diferente.
Longe, em meus ouvidos, já podia captar o som de acordeons suaves tocados por artistas de rua e a brisa leve da primavera trazendo o doce aroma de pães frescos nas padarias com suas entradas arquitetônicas características e convidativas. E estava tudo esperando por mim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
À Procura
AdventureVocê já se sentiu farto da sua própria realidade? Depois de inúmeros motivos, Samantha Di Laurette, uma jovem rica e completamente entediada do seu círculo social resolve viajar pelo mundo sem olhar para trás. E sem passagem de volta. Porém, o que p...